segunda-feira, dezembro 31, 2007
A tormenta
Ainda nem tinha começado
e já querias que acabasse
os horizontes de fogo
as promessas de conquista do mundo
e as viagens a sítio nenhum
todas essas horas em que
te arruinavas em pensamentos
eram muitas horas
camuflavas os compassos diários
e as tarefas por cumprir
a vida
o bolor surgia-te nas goelas
e aqueles assombros nocturnos…
ainda nem tinha começado
e já querias que acabasse
Miguel Godinho
Ainda nem tinha começado
e já querias que acabasse
os horizontes de fogo
as promessas de conquista do mundo
e as viagens a sítio nenhum
todas essas horas em que
te arruinavas em pensamentos
eram muitas horas
camuflavas os compassos diários
e as tarefas por cumprir
a vida
o bolor surgia-te nas goelas
e aqueles assombros nocturnos…
ainda nem tinha começado
e já querias que acabasse
Miguel Godinho
quinta-feira, dezembro 27, 2007
Do que se diz
Eles queriam apenas poder dizer “dissestes”
e “masturbas o sexo”
sem que ninguém lhes chateasse os cornos
com teorias da literatura
e conjecturas gramaticais
Cá para mim
(Que nenhum purista leia isto)
a linguagem (ou a língua, whatever)
é como um garfo
serve para comer
e encher a barriga
foda-se
Miguel Godinho
Eles queriam apenas poder dizer “dissestes”
e “masturbas o sexo”
sem que ninguém lhes chateasse os cornos
com teorias da literatura
e conjecturas gramaticais
Cá para mim
(Que nenhum purista leia isto)
a linguagem (ou a língua, whatever)
é como um garfo
serve para comer
e encher a barriga
foda-se
Miguel Godinho
quarta-feira, dezembro 26, 2007
Da claridade
Sentiste a manhã em tons de cinza
antes dos olhos se abrirem
e tiveste receio que o acordar
fosse demasiado violento.
Neste último sonho da noite uma inscrição:
“bem vindo ao cantar das sombras,
no silêncio dos dias encontrarás as palavras
que te dirão quem és”
Mais uma visão da casa em ruína
e a consciência da plenitude
na escuridão cerrada dos sonhos
– uma calma em que te descobres
constantemente perdido, uma busca incessante
pelo nome das coisas, pelo teu nome.
A vida pareceu-te de repente uma estrada estreita
e a manhã que te desligava da poesia nocturna, uma ponte.
Talvez as respostas viessem só com a claridade
talvez as palavras que te diriam quem és
não existissem no mundo dos sonhos
talvez fossem apenas horas de acordar
para mais um dia
Miguel Godinho
Sentiste a manhã em tons de cinza
antes dos olhos se abrirem
e tiveste receio que o acordar
fosse demasiado violento.
Neste último sonho da noite uma inscrição:
“bem vindo ao cantar das sombras,
no silêncio dos dias encontrarás as palavras
que te dirão quem és”
Mais uma visão da casa em ruína
e a consciência da plenitude
na escuridão cerrada dos sonhos
– uma calma em que te descobres
constantemente perdido, uma busca incessante
pelo nome das coisas, pelo teu nome.
A vida pareceu-te de repente uma estrada estreita
e a manhã que te desligava da poesia nocturna, uma ponte.
Talvez as respostas viessem só com a claridade
talvez as palavras que te diriam quem és
não existissem no mundo dos sonhos
talvez fossem apenas horas de acordar
para mais um dia
Miguel Godinho
sexta-feira, dezembro 21, 2007
Ainda os dezanove
Numa química transitória
esse teu olhar antigo na minha direcção
como se me sussurrasses despindo-me
com palavras surdas ao ouvido
trazendo de volta a arte da transgressão
dos dezanove.
Reavivas-me a nostalgia da tarde em que me vi
lá longe e logo depois tão perto
dentro de ti a olhar-te as entranhas,
dentro de mim e da minha inocência
não valias nada e ainda assim te recordo
em tons violeta numa mancha que o tempo insiste
em guardar numa das gavetas da memória
Miguel Godinho
Numa química transitória
esse teu olhar antigo na minha direcção
como se me sussurrasses despindo-me
com palavras surdas ao ouvido
trazendo de volta a arte da transgressão
dos dezanove.
Reavivas-me a nostalgia da tarde em que me vi
lá longe e logo depois tão perto
dentro de ti a olhar-te as entranhas,
dentro de mim e da minha inocência
não valias nada e ainda assim te recordo
em tons violeta numa mancha que o tempo insiste
em guardar numa das gavetas da memória
Miguel Godinho
quarta-feira, dezembro 19, 2007
No seguimento da proposta feita pelo Pedro Afonso (na qual me pedia para nomear os meus 6 filmes de eleição), respondida no primeiro post de ontem, esqueci-me de nomear um 7º que de maneira nenhuma poderia ficar de fora. Até porque se falamos da 7ª Arte, talvez não seja má ideia escolher 7 filmes (?). Assim sendo, e utilizando a mesma justificação que já foi referida nesse mesmo post, o meu 7º filme de eleição é:
Trainspotting - de Danny Boyle
Trainspotting - de Danny Boyle
terça-feira, dezembro 18, 2007
O cenário
Desbravámos atónitos os dezanove
de cigarro na mão
a olhar a ria de frente e a sua quietude
numa mansidão incendiada por horizontes de fogo.
Um barco que passava rasgava sempre
um percurso perpétuo
nas aquaestradas dos sonhos vespertinos
enquanto a vida se sucedia lá fora inquieta
e nós aqui alheios a tudo menos ao momento
talvez se colhendo nesses tempos a constância
ainda agora pudéssemos lá regressar
da mesma forma, com dezanove de novo
e ver as marés
Miguel Godinho
Desbravámos atónitos os dezanove
de cigarro na mão
a olhar a ria de frente e a sua quietude
numa mansidão incendiada por horizontes de fogo.
Um barco que passava rasgava sempre
um percurso perpétuo
nas aquaestradas dos sonhos vespertinos
enquanto a vida se sucedia lá fora inquieta
e nós aqui alheios a tudo menos ao momento
talvez se colhendo nesses tempos a constância
ainda agora pudéssemos lá regressar
da mesma forma, com dezanove de novo
e ver as marés
Miguel Godinho
Aceitando o desafio do Pedro Afonso, aqui seguem então os meus 6 filmes de eleição. Devo dizer que os referidos encontram-se a par de muitos outros. No entanto, serão estes talvez aqueles que mais fortemente marcaram a minha personalidade. Quem me conhece e já viu os filmes saberá dizer porquê. Nesse sentido, foram parte integrante da minha aprendizagem da vida. Fazem por isso parte da minha maneira de ver hoje as coisas. Lições, portanto. É isso que retiro dos filmes.
Kids – de Larry Clark
Lost in translation – de Sofia Coppola
A Clockwork Orange – de Stanley Kubrik
Pulp Fiction – de Quentin Tarantino
La Haine – de Mathieu Kassovitz
Crash – de David Cronenberg
Kids – de Larry Clark
Lost in translation – de Sofia Coppola
A Clockwork Orange – de Stanley Kubrik
Pulp Fiction – de Quentin Tarantino
La Haine – de Mathieu Kassovitz
Crash – de David Cronenberg
segunda-feira, dezembro 17, 2007
Das ausências
Queria apenas que me tivesses deixado
explicar-te a carência
para que agora não necessitasse
desta conversa muda
ou da percepção da incapacidade em abordar ainda
e sempre este assunto
há palavras que custam tanto a dizer e
há assuntos que são tão difíceis de recordar
como este que há tanto tempo tento discutir contigo pai
logo logo serei capaz
ou talvez nem valha a pena
talvez seja melhor levares contigo o meu silêncio eterno
afinal foi essa a tua maior lição
com os teus silêncios me ensinaste
a emudecer
Miguel Godinho
Queria apenas que me tivesses deixado
explicar-te a carência
para que agora não necessitasse
desta conversa muda
ou da percepção da incapacidade em abordar ainda
e sempre este assunto
há palavras que custam tanto a dizer e
há assuntos que são tão difíceis de recordar
como este que há tanto tempo tento discutir contigo pai
logo logo serei capaz
ou talvez nem valha a pena
talvez seja melhor levares contigo o meu silêncio eterno
afinal foi essa a tua maior lição
com os teus silêncios me ensinaste
a emudecer
Miguel Godinho
sexta-feira, dezembro 14, 2007
quarta-feira, dezembro 12, 2007
O nosso nome
O nosso nome
por debaixo do tronco
e da raiz secreta
ele há sempre alguém
que também se apaga
junto com a árvore
nesse momento
quando o som do derrube
introduz o silêncio perpétuo
não há direito a palavras
a eternidade encarrega-se
de as escrever numa outra língua
inteligível para nós
que por cá vamos ficando à espera
da nossa hora
Miguel Godinho
O nosso nome
por debaixo do tronco
e da raiz secreta
ele há sempre alguém
que também se apaga
junto com a árvore
nesse momento
quando o som do derrube
introduz o silêncio perpétuo
não há direito a palavras
a eternidade encarrega-se
de as escrever numa outra língua
inteligível para nós
que por cá vamos ficando à espera
da nossa hora
Miguel Godinho
terça-feira, dezembro 11, 2007
Do alto dos oitentas
E então subitamente
enquanto rachava lenha
do alto das suas 82 primaveras
a imagem num relance devolvida pelo reflexo
da janela da velha carrinha:
a inocência adolescente
essa que não tarda custaria a lembrar
apertada pelo espartilho do tempo
como se numa plena visão de consciência
o tronco lhe pudesse saltar dos pés
e a serra acidentalmente fender-lhe a memória
separando-o de vez desses vestígios
que já começavam a esgotar-se
A infância é breve, dizia-me
enquanto pegava de novo no cepo
e se absorvia na tarefa que
há praticamente 70 anos cumpre
todos os Invernos.
Miguel Godinho
[alterado por engano na versão]
E então subitamente
enquanto rachava lenha
do alto das suas 82 primaveras
a imagem num relance devolvida pelo reflexo
da janela da velha carrinha:
a inocência adolescente
essa que não tarda custaria a lembrar
apertada pelo espartilho do tempo
como se numa plena visão de consciência
o tronco lhe pudesse saltar dos pés
e a serra acidentalmente fender-lhe a memória
separando-o de vez desses vestígios
que já começavam a esgotar-se
A infância é breve, dizia-me
enquanto pegava de novo no cepo
e se absorvia na tarefa que
há praticamente 70 anos cumpre
todos os Invernos.
Miguel Godinho
[alterado por engano na versão]
segunda-feira, dezembro 10, 2007
domingo, dezembro 09, 2007
O fogo
Esperarei sempre por ti no fogo. E lembrar-me-ei sempre da dor que nos marcava. Sabia bem que o teu nome era fácil de pronunciar e que muitas eram as rosas no meu colo.
- Por onde andas hoje à noite?
Insisto em vociferar uma vez mais o teu nome na fria noite que se ergue. Se a chuva não cobrisse a vidraça desta forma os meus olhos arderiam nas chamas desta memória.
Miguel Godinho
Esperarei sempre por ti no fogo. E lembrar-me-ei sempre da dor que nos marcava. Sabia bem que o teu nome era fácil de pronunciar e que muitas eram as rosas no meu colo.
- Por onde andas hoje à noite?
Insisto em vociferar uma vez mais o teu nome na fria noite que se ergue. Se a chuva não cobrisse a vidraça desta forma os meus olhos arderiam nas chamas desta memória.
Miguel Godinho
sexta-feira, dezembro 07, 2007
quarta-feira, novembro 28, 2007
terça-feira, novembro 27, 2007
A distância
Só os fortes sobrevivem à melancolia
que lenta se instala, à retaliação do tempo
que passa sem se ver
eu não sou um desses
penetra-me novamente a alma
com a chama dos teus olhos e
revela-me a falha que nos desagregou
para que não tenha de curvar-me
diante dos dias que passaram
sem que pudesse olhar-te e rever-me
na demência das tuas [das nossas] ideias
Miguel Godinho
Só os fortes sobrevivem à melancolia
que lenta se instala, à retaliação do tempo
que passa sem se ver
eu não sou um desses
penetra-me novamente a alma
com a chama dos teus olhos e
revela-me a falha que nos desagregou
para que não tenha de curvar-me
diante dos dias que passaram
sem que pudesse olhar-te e rever-me
na demência das tuas [das nossas] ideias
Miguel Godinho
segunda-feira, novembro 26, 2007
sábado, novembro 24, 2007
Apagar a memória
Memória caos disforme
ruínas de histórias mortas
como pedradas no passado
para poderes apagá-lo
olhas em volta e
descobres-te contrariado
nesses momentos pretéritos
não são mais que conjecturas, dizes
não voltam a ser da mesma forma
não voltas a pertencer a esse caos
quem foste naquela reminiscência
com que direito te julgas agora
no futuro serás superior
memória caos disforme
retiras-te como se fosses senhor
de um tempo que querias ser só teu
para poderes apagá-lo
Miguel Godinho
Memória caos disforme
ruínas de histórias mortas
como pedradas no passado
para poderes apagá-lo
olhas em volta e
descobres-te contrariado
nesses momentos pretéritos
não são mais que conjecturas, dizes
não voltam a ser da mesma forma
não voltas a pertencer a esse caos
quem foste naquela reminiscência
com que direito te julgas agora
no futuro serás superior
memória caos disforme
retiras-te como se fosses senhor
de um tempo que querias ser só teu
para poderes apagá-lo
Miguel Godinho
sexta-feira, novembro 23, 2007
quinta-feira, novembro 22, 2007
terça-feira, novembro 20, 2007
segunda-feira, novembro 19, 2007
Os sons minimais
[ou o justo tributo aos ruídos e às vivências contemporâneos]
Os sons espremidos em sinopses nocturnais
qual visões acústicas espectrais, reverberadas na toxicidade
Densas sensações químicas na propagação do negrume
e rápidas aparições voltaicas que te penetram o intelecto,
espargidas em raios eléctricos
a curiosidade
faz-te navegar na imensidão de estímulos que lentos se instalam e
então declaras com um fechar de olhos o contentamento descoberto
arriscando extrair o sumo da iniciativa que te inteirou
da existência de cristais que revelam essas realidades ocultas
Miguel Godinho
[ou o justo tributo aos ruídos e às vivências contemporâneos]
Os sons espremidos em sinopses nocturnais
qual visões acústicas espectrais, reverberadas na toxicidade
Densas sensações químicas na propagação do negrume
e rápidas aparições voltaicas que te penetram o intelecto,
espargidas em raios eléctricos
a curiosidade
faz-te navegar na imensidão de estímulos que lentos se instalam e
então declaras com um fechar de olhos o contentamento descoberto
arriscando extrair o sumo da iniciativa que te inteirou
da existência de cristais que revelam essas realidades ocultas
Miguel Godinho
quarta-feira, novembro 14, 2007
Os textos
Eu não sou poeta
eu não quero ser poeta
escrevo apenas textos
textos que retratam
a poesia das coisas
a poesia não está nos textos
está no olhar e nas coisas
nas mãos existe o olhar
no papel existem textos
textos que descobrem a poesia
textos que destapam a poesia
a poesia está no olhar e nas coisas
a poesia não está nos textos
eu não sou poeta
eu escrevo textos
Miguel Godinho
Eu não sou poeta
eu não quero ser poeta
escrevo apenas textos
textos que retratam
a poesia das coisas
a poesia não está nos textos
está no olhar e nas coisas
nas mãos existe o olhar
no papel existem textos
textos que descobrem a poesia
textos que destapam a poesia
a poesia está no olhar e nas coisas
a poesia não está nos textos
eu não sou poeta
eu escrevo textos
Miguel Godinho
Conquistar
"é a consequência natural de um poder excessivo: é a mesma coisa que a criação e a procriação, quer dizer, a incorporação da sua própria imagem numa matéria estranha. É por isso que o homem superior tem que criar, quer dizer, imprimir sobre os outros a sua superioridade, seja enquanto professor seja também enquanto artista. Com efeito, o artista quer comunicar-se, e, na verdade, ao seu gosto: um artista para si próprio é uma contradição. Passa-se o mesmo com os filósofos: eles querem tornar o seu gosto dominante no mundo e é por isso que ensinam e é para isso que escrevem. Onde quer que esteja presente um poder excessivo, ele quer conquistar: a este impulso chama-se frequentemente amor, amor por aquilo sobre o qual se gostaria de se estender o instinto conquistador."
Friedrich Nietzsche
segunda-feira, novembro 12, 2007
O real
Às vezes perdes-te
na percepção do tempo
e os canais da inteligência
violentam-te o entendimento
como se fosse razoável
esse caminho errante
é então que regressas
àquele olhar inocente
às paixões indizíveis
da loucura dos 18
esquecendo-te do guião
deste filme em que te meteste
às vezes perdes-te
nesse desejo de retorno
ao sofá da adolescência
como se pudesse
existir sensatez no facto de
termos de permanecer sempre
amarrados à brutalidade do real
ou lá o que quer que se chame
àquilo que nos obriga
a esquecer o interessante da vida
Miguel Godinho
Às vezes perdes-te
na percepção do tempo
e os canais da inteligência
violentam-te o entendimento
como se fosse razoável
esse caminho errante
é então que regressas
àquele olhar inocente
às paixões indizíveis
da loucura dos 18
esquecendo-te do guião
deste filme em que te meteste
às vezes perdes-te
nesse desejo de retorno
ao sofá da adolescência
como se pudesse
existir sensatez no facto de
termos de permanecer sempre
amarrados à brutalidade do real
ou lá o que quer que se chame
àquilo que nos obriga
a esquecer o interessante da vida
Miguel Godinho
sábado, novembro 10, 2007
As ruínas
Olho a nora em ruína e
penso nos milhares de milhas circulares
percorridas pelas mulas que
qual tractores pretéritos
acumulavam rodagens
sem carências lubrificantes
Olho a nora em ruína e penso
na ferrujem das engrenagens, no suor
das mãos antigas que tantas vezes inventaram
soluções para elevar as águas profundas
Olho a nora em ruína e vejo claramente
as ruínas da memória
Miguel Godinho
Olho a nora em ruína e
penso nos milhares de milhas circulares
percorridas pelas mulas que
qual tractores pretéritos
acumulavam rodagens
sem carências lubrificantes
Olho a nora em ruína e penso
na ferrujem das engrenagens, no suor
das mãos antigas que tantas vezes inventaram
soluções para elevar as águas profundas
Olho a nora em ruína e vejo claramente
as ruínas da memória
Miguel Godinho
segunda-feira, outubro 29, 2007
terça-feira, outubro 23, 2007
Se ao menos conseguisse
Soluçava ele:
se ao menos conseguisse esquecer-te
como me esqueço de mim
arrancar da memória
o teu olhar
e o perfume
na brancura do silêncio
a tua presença, sempre a tua presença
e o corpo ardia-lhe
num êxtase nocturno:
(o suor nas costas)
se ao menos conseguisse esquecer-te
como me esqueço de mim
Miguel Godinho
Soluçava ele:
se ao menos conseguisse esquecer-te
como me esqueço de mim
arrancar da memória
o teu olhar
e o perfume
na brancura do silêncio
a tua presença, sempre a tua presença
e o corpo ardia-lhe
num êxtase nocturno:
(o suor nas costas)
se ao menos conseguisse esquecer-te
como me esqueço de mim
Miguel Godinho
quarta-feira, outubro 17, 2007
terça-feira, outubro 16, 2007
O que me punha sempre a pensar
O que me punha sempre a pensar
era o facto de saberes sempre as marés
mesmo que o cheiro metálico a mar
não te inundasse com a sua presença
do que melhor me lembro é do bigode
sujo de peixe fresco e de mim
a rir-me de ti enquanto a noite
na praia consumia o momento
esse, que a espuma das ondas datou
Miguel Godinho
O que me punha sempre a pensar
era o facto de saberes sempre as marés
mesmo que o cheiro metálico a mar
não te inundasse com a sua presença
do que melhor me lembro é do bigode
sujo de peixe fresco e de mim
a rir-me de ti enquanto a noite
na praia consumia o momento
esse, que a espuma das ondas datou
Miguel Godinho
domingo, outubro 14, 2007
O poeta inseguro II
Não se sentia realmente um poeta
porque pensava nunca encontrar
as palavras certas. Não conseguia ser objectivo
vendo-se frequentemente à deriva
na folha em branco, perdido no papel,
em busca das ideias.
Talvez ser poeta não fosse mais que isso:
um conquistador da percepção
um escultor de realidades, um idiota
sem catálogos à disposição,
um apóstolo das incertezas.
Ainda assim, desejava um dia
vir a experimentar o que imaginava sentir
um poeta poeta porque aí seria capaz
de exprimir o olhar sem hesitar,
sem sentir o erro nas palavras,
já que as palavras seriam o olhar
e o olhar não é impreciso
Miguel Godinho
Não se sentia realmente um poeta
porque pensava nunca encontrar
as palavras certas. Não conseguia ser objectivo
vendo-se frequentemente à deriva
na folha em branco, perdido no papel,
em busca das ideias.
Talvez ser poeta não fosse mais que isso:
um conquistador da percepção
um escultor de realidades, um idiota
sem catálogos à disposição,
um apóstolo das incertezas.
Ainda assim, desejava um dia
vir a experimentar o que imaginava sentir
um poeta poeta porque aí seria capaz
de exprimir o olhar sem hesitar,
sem sentir o erro nas palavras,
já que as palavras seriam o olhar
e o olhar não é impreciso
Miguel Godinho
quinta-feira, outubro 11, 2007
O poeta inseguro
O poeta inseguro olhava atento o mundo,
percorrendo todos os pormenores, qual leão faminto
que persegue a gazela, enquanto reparava
naqueles que a seu lado marchavam
sem a necessidade de cálculos pré-fabricados
para direccionar o olhar e escrever todos os instantes.
De novo, aquelas questões na sua cabeça:
Por que raio a convicção na verdade do olhar?
Para quê as repetidas notas sobre as coisas?
Não serão mais poéticos os instantes que se apagam
sem ninguém para os registar?
Miguel Godinho
O poeta inseguro olhava atento o mundo,
percorrendo todos os pormenores, qual leão faminto
que persegue a gazela, enquanto reparava
naqueles que a seu lado marchavam
sem a necessidade de cálculos pré-fabricados
para direccionar o olhar e escrever todos os instantes.
De novo, aquelas questões na sua cabeça:
Por que raio a convicção na verdade do olhar?
Para quê as repetidas notas sobre as coisas?
Não serão mais poéticos os instantes que se apagam
sem ninguém para os registar?
Miguel Godinho
quarta-feira, outubro 10, 2007
O olhar
Ele estava quimicamente alterado
pela embriaguês do momento.
Descobrira-lhe a inocência de repente
algures por entre o erotismo evidente
e a loucura feroz
de nada lhe valia tudo
o que aprendera até então porque
o importante agora era apenas o olhar
desnudo e imoral numa bala
direita ao seu corpo
em busca do sangue
Miguel Godinho
Ele estava quimicamente alterado
pela embriaguês do momento.
Descobrira-lhe a inocência de repente
algures por entre o erotismo evidente
e a loucura feroz
de nada lhe valia tudo
o que aprendera até então porque
o importante agora era apenas o olhar
desnudo e imoral numa bala
direita ao seu corpo
em busca do sangue
Miguel Godinho
segunda-feira, outubro 08, 2007
segunda-feira, setembro 24, 2007
terça-feira, setembro 18, 2007
sexta-feira, setembro 14, 2007
quarta-feira, setembro 12, 2007
sexta-feira, setembro 07, 2007
Pormenores
admites-me os erros
porque te toco na alma
como se tudo o resto
pudesse ser omitido
como se lamber-me as feridas
fosse uma virtude
e os enganos que suportas
fossem apenas pormenores
tapo-te as frestas
por onde o sol espreita
por onde a brisa corre
e esperas por algo
- algo tão impossível
quanto eu, limpo de mim
Miguel Godinho
admites-me os erros
porque te toco na alma
como se tudo o resto
pudesse ser omitido
como se lamber-me as feridas
fosse uma virtude
e os enganos que suportas
fossem apenas pormenores
tapo-te as frestas
por onde o sol espreita
por onde a brisa corre
e esperas por algo
- algo tão impossível
quanto eu, limpo de mim
Miguel Godinho
terça-feira, setembro 04, 2007
A fé
Queria ser mais e melhor que ela própria, sem saber bem porquê. Sem que algo alguma vez lhe tenha despertado real interesse. Nunca conseguiu ler um livro até ao fim. Nunca pensou profundamente nos filmes que viu. Nunca se questionou acerca dessa determinação em querer ser mais e melhor. Nunca se questionou a si própria. Queria apenas ser capaz de ser mais e melhor.
Miguel Godinho
Queria ser mais e melhor que ela própria, sem saber bem porquê. Sem que algo alguma vez lhe tenha despertado real interesse. Nunca conseguiu ler um livro até ao fim. Nunca pensou profundamente nos filmes que viu. Nunca se questionou acerca dessa determinação em querer ser mais e melhor. Nunca se questionou a si própria. Queria apenas ser capaz de ser mais e melhor.
Miguel Godinho
segunda-feira, setembro 03, 2007
terça-feira, agosto 28, 2007
Abismo
Como era hábito, ela enroscava-se mansamente no sofá enquanto ele dedilhava, absorto, as teclas do computador – ela folheando uma revista, ele compondo infindáveis poemas.
Era o hábito de sempre. O mundo ficava, inteiro, lá fora e a intimidade reinava, em silêncio.
Dessa vez, porém, ela pousou a revista e ficou a olhá-lo. Intensamente. Enternecida. Longo tempo.
Deixa-me saber o que escreveste.
Ele um sobressalto. Pancada de gelo. Náusea. E depois, em voz arrancada, a leitura sussurrada do poema. Grande e ácido, compulsivo, um poema de solidão, feito de muros implacáveis, desencantos e securas. Nele jazia, irremediavelmente excluído, o poeta que o lia. E era autêntico, o poeta, na angústia do seu dolorido fiel.
Afundava-se a madrugada, corriam, punhais, os versos pela sala.
Silenciosa, hirta, ela ergueu-se e saiu. Como se nunca ali tivesse entrado.
Carlos Pinto Coelho, Magazine Artes, nº53, Agosto 07, p.26.
Como era hábito, ela enroscava-se mansamente no sofá enquanto ele dedilhava, absorto, as teclas do computador – ela folheando uma revista, ele compondo infindáveis poemas.
Era o hábito de sempre. O mundo ficava, inteiro, lá fora e a intimidade reinava, em silêncio.
Dessa vez, porém, ela pousou a revista e ficou a olhá-lo. Intensamente. Enternecida. Longo tempo.
Deixa-me saber o que escreveste.
Ele um sobressalto. Pancada de gelo. Náusea. E depois, em voz arrancada, a leitura sussurrada do poema. Grande e ácido, compulsivo, um poema de solidão, feito de muros implacáveis, desencantos e securas. Nele jazia, irremediavelmente excluído, o poeta que o lia. E era autêntico, o poeta, na angústia do seu dolorido fiel.
Afundava-se a madrugada, corriam, punhais, os versos pela sala.
Silenciosa, hirta, ela ergueu-se e saiu. Como se nunca ali tivesse entrado.
Carlos Pinto Coelho, Magazine Artes, nº53, Agosto 07, p.26.
segunda-feira, agosto 27, 2007
segunda-feira, agosto 20, 2007
A mancha do tempo
Há um hiato na memória
entre o hoje e o ontem
uma linha difusa onde tudo
se mistura um espaço adulterado onde
me perco - uma frase com as
palavras misturadas. Com o tempo
tudo acaba por se ajeitar a linha
torna-se mais clara o espaço translúcido
e as palavras reescrevem a frase
ainda que completamente manchadas
pela tinta do tempo
Miguel Godinho
Há um hiato na memória
entre o hoje e o ontem
uma linha difusa onde tudo
se mistura um espaço adulterado onde
me perco - uma frase com as
palavras misturadas. Com o tempo
tudo acaba por se ajeitar a linha
torna-se mais clara o espaço translúcido
e as palavras reescrevem a frase
ainda que completamente manchadas
pela tinta do tempo
Miguel Godinho
quinta-feira, agosto 16, 2007
terça-feira, agosto 14, 2007
segunda-feira, agosto 13, 2007
terça-feira, agosto 07, 2007
No fim de semana passado visitei um local bastante interessante...
Aqui fica uma imagem do que se pode ver...
Exposição actual: "Pensa / Piensa / Think (a million ways to think)"
Felix Gonzalez Torres, Andreas Slominski, Aneta Grzeszykowska, Kris Martin, Tere Recarens, Elmgreen&Dragset, Guy Ben Ner, Gitte Shäffer, Ahmet Ogur e outros...
Centro d'Art de Santa Monica - Barcelona
Agosto 2007
segunda-feira, julho 30, 2007
sexta-feira, julho 27, 2007
quarta-feira, julho 25, 2007
A ilusão
um desejo constante
essa vontade de retorno
à precedência da percepção
a uma inocência adolescente
recordas-te de ti
quando ainda não questionavas
as ausências de teu pai
quando desconhecias
a tormenta que se seguiria
recordas-te de ti
quando tudo era azul
quando ainda não te havias
transformado numa ilusão
Miguel Godinho
um desejo constante
essa vontade de retorno
à precedência da percepção
a uma inocência adolescente
recordas-te de ti
quando ainda não questionavas
as ausências de teu pai
quando desconhecias
a tormenta que se seguiria
recordas-te de ti
quando tudo era azul
quando ainda não te havias
transformado numa ilusão
Miguel Godinho
sexta-feira, julho 13, 2007
quinta-feira, julho 12, 2007
terça-feira, julho 03, 2007
segunda-feira, julho 02, 2007
quarta-feira, junho 27, 2007
quarta-feira, junho 20, 2007
domingo, junho 17, 2007
O teu alagar
Assisti ao teu alagar
(como numa inundação)
à ideia de esconderes as glórias
numa planície distante
para que ninguém mais (nem tu)
soubesse delas
Transformaste as tuas virtudes
em demências constantes
- o teu existir
Lembra-te que
essa tua tendência para o abismo
- um vórtice de loucuras constantes,
uma espera por algo que desconheces
pode de repente demolir-te
a decência e então escoas
por entre a caleira da vida
Miguel Godinho
Assisti ao teu alagar
(como numa inundação)
à ideia de esconderes as glórias
numa planície distante
para que ninguém mais (nem tu)
soubesse delas
Transformaste as tuas virtudes
em demências constantes
- o teu existir
Lembra-te que
essa tua tendência para o abismo
- um vórtice de loucuras constantes,
uma espera por algo que desconheces
pode de repente demolir-te
a decência e então escoas
por entre a caleira da vida
Miguel Godinho
quinta-feira, junho 14, 2007
Uma farda que te servia
Nas profundezas da tua pessoa
tu a olhares para ti
a gritares-te em tom de protesto
vaiado pela insegurança
vestiste uma farda que te servia
converteste-te numa coisa que não és tu
e agora… tu a olhares para ti
a gritares-te em tom de protesto
nas profundezas da tua pessoa
tu escondido de ti
diminuído de vergonha
numa farda que te servia
numa figura que agora é a tua
Miguel Godinho
Nas profundezas da tua pessoa
tu a olhares para ti
a gritares-te em tom de protesto
vaiado pela insegurança
vestiste uma farda que te servia
converteste-te numa coisa que não és tu
e agora… tu a olhares para ti
a gritares-te em tom de protesto
nas profundezas da tua pessoa
tu escondido de ti
diminuído de vergonha
numa farda que te servia
numa figura que agora é a tua
Miguel Godinho
quarta-feira, junho 13, 2007
terça-feira, junho 05, 2007
Continuando a conversa do outro dia...
Há indivíduos (na maioria das vezes relativamente jovens) que assim que se vêem com um cargo hierarquicamente interessante, passam a trajar uma pose bastante curiosa (...)
(...) São putos de trinta e poucos, talvez uns anitos mais velhos, alguma experiência laboral mas com a “lição já toda sabida”, afinal já adquiriram “as” manhas e um pouco de blá-blá-blá. Já têm a escola toda… É o género de pessoas que traz sempre a barbinha bem feitinha e o sorrisinho bem vincadinho na carinha, o típico Engº ou Drº que faz questão de franzir o grau como se vivêssemos ainda numa monarquia. É também o tipo de gente que se dirige aos “catraios” recém integrados no trabalho e que os trata como miúdos, como palermas, ou coisa que o valha, ralé, enfim, gentinha a quem é preciso mostrar quem manda.
Miguel Godinho
Há indivíduos (na maioria das vezes relativamente jovens) que assim que se vêem com um cargo hierarquicamente interessante, passam a trajar uma pose bastante curiosa (...)
(...) São putos de trinta e poucos, talvez uns anitos mais velhos, alguma experiência laboral mas com a “lição já toda sabida”, afinal já adquiriram “as” manhas e um pouco de blá-blá-blá. Já têm a escola toda… É o género de pessoas que traz sempre a barbinha bem feitinha e o sorrisinho bem vincadinho na carinha, o típico Engº ou Drº que faz questão de franzir o grau como se vivêssemos ainda numa monarquia. É também o tipo de gente que se dirige aos “catraios” recém integrados no trabalho e que os trata como miúdos, como palermas, ou coisa que o valha, ralé, enfim, gentinha a quem é preciso mostrar quem manda.
Miguel Godinho
segunda-feira, junho 04, 2007
quinta-feira, maio 31, 2007
O carimbo do tempo
Olhas as mãos
e não vês apenas as rugas, a calosidade.
vês a vida, o ardor do carimbo arrebatado do tempo e
os cânticos das longas jornas de trabalho
no suor que te escorria a face
Sentes o cheiro a terra e a estrume
e [qual nódoas] regressam as pintas da cal
com que cobriste
os muros altos da quinta em ruína
Olhas as mãos e vês-te a ti, jovem
à espera de as tornares a olhar, velho
para que percebas que o tempo que corre
de um momento ao outro
só faz sentido agora,
ao olhares as mãos.
Olhas as mãos
e não vês apenas as rugas, a calosidade.
vês a vida, o ardor do carimbo arrebatado do tempo e
os cânticos das longas jornas de trabalho
no suor que te escorria a face
Sentes o cheiro a terra e a estrume
e [qual nódoas] regressam as pintas da cal
com que cobriste
os muros altos da quinta em ruína
Olhas as mãos e vês-te a ti, jovem
à espera de as tornares a olhar, velho
para que percebas que o tempo que corre
de um momento ao outro
só faz sentido agora,
ao olhares as mãos.
Miguel Godinho
domingo, maio 27, 2007
Faro
Aqui me encontrei
Uma e outra vez
Aqui me descobri
uma e mais vezes
nos covis desta cidade
nas entranhas das ruelas
aqui me perdi uma e outra vez
como se dançasse
ao som dos lampiões urbanos
nunca era tarde demais
nunca me detinham com palavras
as palavras eram sempre poucas
o som era o que me movia
as luzes, os cheiros
as flores lilases dos jacarandás
o pôr do sol na sé
e os amanhãs despreocupados
os aliados sempre ali
e eu sem me aperceber que era eu
sem necessidade de ser eu
vagabundo errante
na sombra dos dias
nas longas esperas pela noite
Miguel Godinho
sábado, maio 26, 2007
terça-feira, maio 22, 2007
sábado, maio 19, 2007
A imagem
Assim de súbito
uma memória de sangue
e a cristalina imagem:
tu diante de mim
imaculada
como se nunca
te tivesses ausentado
de novo
uma lágrima que escorre
e tu a rires-te da estulta figura
que confecciono
de cada vez que a brisa de Verão
traz de volta
o sabor dos teus lábios
a lua continua cheia lá no alto
é como se permanecêssemos
para sempre deitados
na praia onde tudo começou
Miguel Godinho
Assim de súbito
uma memória de sangue
e a cristalina imagem:
tu diante de mim
imaculada
como se nunca
te tivesses ausentado
de novo
uma lágrima que escorre
e tu a rires-te da estulta figura
que confecciono
de cada vez que a brisa de Verão
traz de volta
o sabor dos teus lábios
a lua continua cheia lá no alto
é como se permanecêssemos
para sempre deitados
na praia onde tudo começou
Miguel Godinho
quinta-feira, maio 10, 2007
Esculpir o silêncio
O vazio dos meus suspiros
e as lágrimas vespertinas
nos desertos áridos do nosso ser
as ilusões sensíveis nas curvas do olhar
e os sonhos recortados a cada instante
inflamo a dor com esses suspiros
esses hálitos inúteis esculpidos de bafio
agora é o olhar caído que pensa saudade
saudade dos tempos
em que pouco queria dizer muito
Miguel Godinho
O vazio dos meus suspiros
e as lágrimas vespertinas
nos desertos áridos do nosso ser
as ilusões sensíveis nas curvas do olhar
e os sonhos recortados a cada instante
inflamo a dor com esses suspiros
esses hálitos inúteis esculpidos de bafio
agora é o olhar caído que pensa saudade
saudade dos tempos
em que pouco queria dizer muito
Miguel Godinho
quarta-feira, maio 09, 2007
Há individuos (senhores e senhoras) na função pública que assim que se vêem com um cargo hierarquicamente interessante, passam a trajar uma pose bastante curiosa. Aderem ao clube dos chico-espertos e resolvem trocar as fraldinhas por camisinhas bem engomadinhas combinadinhas com calçinha de pinça creme já que assim pensam que conseguem algum respeito, como se não cheirasse a arrogância sempre que se esquecem de fechar a porta dos seus gabinetes.
Vidinhas...
terça-feira, maio 08, 2007
quarta-feira, abril 25, 2007
De mão dada
um dia descobrimos
nas desordens de hoje
as mentiras que construímos
os pilares em ruptura
um dia espreitamos
pela reixa da memória
e entramos em colapso
uma paranóia que se instala
um dia desobstruímos
o túnel de acesso
aos pretéritos imperfeitos
uma viagem assombrosa
um dia tombamos
nas lembranças inexistentes
como uma que tenho de ti
de mão dada comigo
Miguel Godinho
um dia descobrimos
nas desordens de hoje
as mentiras que construímos
os pilares em ruptura
um dia espreitamos
pela reixa da memória
e entramos em colapso
uma paranóia que se instala
um dia desobstruímos
o túnel de acesso
aos pretéritos imperfeitos
uma viagem assombrosa
um dia tombamos
nas lembranças inexistentes
como uma que tenho de ti
de mão dada comigo
Miguel Godinho
terça-feira, abril 24, 2007
Em carne viva
Descubro a tua voz
nos destroços das minhas indústrias
nos vícios que me definem
na clemência com que me exibo
retrato emoldurado na memória
- é como se existissem palavras que
só o teu silêncio soubesse dizer,
que só na tua imagem fizessem sentido
sons que se me inscrevem na pele
como se passasses por aqui
em carne viva, para me alentar
Miguel Godinho
Descubro a tua voz
nos destroços das minhas indústrias
nos vícios que me definem
na clemência com que me exibo
retrato emoldurado na memória
- é como se existissem palavras que
só o teu silêncio soubesse dizer,
que só na tua imagem fizessem sentido
sons que se me inscrevem na pele
como se passasses por aqui
em carne viva, para me alentar
Miguel Godinho
segunda-feira, abril 23, 2007
sábado, abril 21, 2007
quarta-feira, abril 18, 2007
segunda-feira, abril 16, 2007
A ponte da Sé
Nus nos nossos sítios
era assim que nos sentíamos
sentados serenos sem necessidade
de roupagens nem regras
Rente à linha a ponte da Sé
o cheiro a óleo e a maresia
os barcos e
a constância despreocupada
daqueles crepúsculos tão extensos
agora reparo
a noite já não cai na ria assim
é como se tivéssemos vestido as roupas
outrora desnecessárias
Miguel Godinho
Nus nos nossos sítios
era assim que nos sentíamos
sentados serenos sem necessidade
de roupagens nem regras
Rente à linha a ponte da Sé
o cheiro a óleo e a maresia
os barcos e
a constância despreocupada
daqueles crepúsculos tão extensos
agora reparo
a noite já não cai na ria assim
é como se tivéssemos vestido as roupas
outrora desnecessárias
Miguel Godinho
sábado, abril 14, 2007
sexta-feira, abril 13, 2007
Os soldados anónimos da vida
Os soldados anónimos da vida
esses que deambulam por entre
um existir incógnito
são a imaculada memória do nada
numa inocente batalha pelo espaço.
Por onde vagueiam sabemos
- esses gélidos sítios de ausência
na bruma da noite invernal
Ainda assim se preocupam
como se alguém se fosse lembrar deles
como se valesse a pena estarem vivos
e merecessem permanecer aqui
junto de quem nunca os chorará
junto de quem os finge não ver
Miguel Godinho
Os soldados anónimos da vida
esses que deambulam por entre
um existir incógnito
são a imaculada memória do nada
numa inocente batalha pelo espaço.
Por onde vagueiam sabemos
- esses gélidos sítios de ausência
na bruma da noite invernal
Ainda assim se preocupam
como se alguém se fosse lembrar deles
como se valesse a pena estarem vivos
e merecessem permanecer aqui
junto de quem nunca os chorará
junto de quem os finge não ver
Miguel Godinho
quinta-feira, abril 12, 2007
Do passado o presente se apropria
Do passado o presente se apropria
reivindicando a prescrição do antigo
- esse passado enfarpelado de hoje
coberto com uma jaqueta moderna
uma fatiota ligeiramente recomposta
a camisa por dentro da calça
e um corte de cabelo mais aprumado
num corpo que é sempre o mesmo
para mim o progresso é um embuste
uma imitação, um decalque, um dejá vu
uma visão renovada do que sempre foi
uma passagem pela constância
por onde o tempo vai circulando
Miguel Godinho
Do passado o presente se apropria
reivindicando a prescrição do antigo
- esse passado enfarpelado de hoje
coberto com uma jaqueta moderna
uma fatiota ligeiramente recomposta
a camisa por dentro da calça
e um corte de cabelo mais aprumado
num corpo que é sempre o mesmo
para mim o progresso é um embuste
uma imitação, um decalque, um dejá vu
uma visão renovada do que sempre foi
uma passagem pela constância
por onde o tempo vai circulando
Miguel Godinho
quarta-feira, abril 11, 2007
O passeio das incertezas
Tropeçar nas esquinas do pensamento
e lavar a cara na chuva reminiscente
a face escondida num espectro de luz e
o cheiro na sombra que me embala
escorrego no passeio das incertezas
e embato nos pilares que me sustentam
- os trajectos das ideias são perigosos
as cartografias dos terrenos não existem
e os caminhos conduzem-me sempre ao mesmo destino
uma memória tua
Miguel Godinho
Tropeçar nas esquinas do pensamento
e lavar a cara na chuva reminiscente
a face escondida num espectro de luz e
o cheiro na sombra que me embala
escorrego no passeio das incertezas
e embato nos pilares que me sustentam
- os trajectos das ideias são perigosos
as cartografias dos terrenos não existem
e os caminhos conduzem-me sempre ao mesmo destino
uma memória tua
Miguel Godinho
segunda-feira, abril 09, 2007
As ideias
As ideias
- é aí que se sustentam os entendimentos
uma sucessão de colisões voltaicas
os olhares
são vórtices de absorções
é como nas saunas –
as transpirações desses sentires
nas experiências que me ensopam
voltando às ideias
são sentimentos que se confrontam
em instantes que circulam
à velocidade das naves espaciais
pedaços de energia que voam zum zum
para que [num nanosegundo]
me sinta idiota
quando me penso
Miguel Godinho
As ideias
- é aí que se sustentam os entendimentos
uma sucessão de colisões voltaicas
os olhares
são vórtices de absorções
é como nas saunas –
as transpirações desses sentires
nas experiências que me ensopam
voltando às ideias
são sentimentos que se confrontam
em instantes que circulam
à velocidade das naves espaciais
pedaços de energia que voam zum zum
para que [num nanosegundo]
me sinta idiota
quando me penso
Miguel Godinho
domingo, abril 08, 2007
quinta-feira, abril 05, 2007
terça-feira, abril 03, 2007
quinta-feira, março 29, 2007
terça-feira, março 27, 2007
segunda-feira, março 26, 2007
Os pedintes
Nas mãos do incerto
somos pedintes
como que
palavras enviadas
às páginas virgens
no branco imaculado
dos terrenos fecundos
somos pedintes
consumidos na tempestade
das idades incertas
à guarda do vento e da chuva
numa rebelião de glórias fortuitas
à espera das horas
que os minutos devolvem
às garras do tempo
Miguel Godinho
Nas mãos do incerto
somos pedintes
como que
palavras enviadas
às páginas virgens
no branco imaculado
dos terrenos fecundos
somos pedintes
consumidos na tempestade
das idades incertas
à guarda do vento e da chuva
numa rebelião de glórias fortuitas
à espera das horas
que os minutos devolvem
às garras do tempo
Miguel Godinho
domingo, março 25, 2007
Os tempos indefinidos
Alumiaste a ruela
dos tempos indefinidos
mas agora
assim sem mais
restam apenas as memórias caídas
de um passado violento
a recordação do tempo em que
te incendiavas
procurando o deleite
de um presente diverso
apagou-se
no desejo que te ajeitava,
é como se
a tinta desses destroços reminiscentes
tivesse caído
e o cimento que sustinha
os pilares do teu ser
se desfizesse em pó
esse pó que se cheira e se espirra
Miguel Godinho
Alumiaste a ruela
dos tempos indefinidos
mas agora
assim sem mais
restam apenas as memórias caídas
de um passado violento
a recordação do tempo em que
te incendiavas
procurando o deleite
de um presente diverso
apagou-se
no desejo que te ajeitava,
é como se
a tinta desses destroços reminiscentes
tivesse caído
e o cimento que sustinha
os pilares do teu ser
se desfizesse em pó
esse pó que se cheira e se espirra
Miguel Godinho
quinta-feira, março 22, 2007
A opacidade que te envolve
O ar metálico da tua face
nos olhos que te observam
uma gema sedutora
uma nódoa de sangue
infliges uma embriaguês magnética
uma espiral que adormece
sinto-me fantoche às tuas ordens
boneco zonzo sem liberdade
mas
abstrais-te do prazer
ajeitas-te para as investidas
e a opacidade que te envolve
desvia-te desses atributos
Miguel Godinho
O ar metálico da tua face
nos olhos que te observam
uma gema sedutora
uma nódoa de sangue
infliges uma embriaguês magnética
uma espiral que adormece
sinto-me fantoche às tuas ordens
boneco zonzo sem liberdade
mas
abstrais-te do prazer
ajeitas-te para as investidas
e a opacidade que te envolve
desvia-te desses atributos
Miguel Godinho
quarta-feira, março 21, 2007
As invenções ardis
Todas as minhas ideias
são sobre ti
destroços de danças
em palavras soltas e
alegrias breves em
textos sem pontuação
mas
deita-te a meu lado
quando quiseres
lembra-te do tempo
em que nem eu nem tu
éramos nós: dança
nas palavras soltas,
nas memórias curtas de
risos breves e
quadras largas
estas são
as invenções ardis
engendradas para combater
a nossa ausência
agora
Miguel Godinho
Todas as minhas ideias
são sobre ti
destroços de danças
em palavras soltas e
alegrias breves em
textos sem pontuação
mas
deita-te a meu lado
quando quiseres
lembra-te do tempo
em que nem eu nem tu
éramos nós: dança
nas palavras soltas,
nas memórias curtas de
risos breves e
quadras largas
estas são
as invenções ardis
engendradas para combater
a nossa ausência
agora
Miguel Godinho
terça-feira, março 20, 2007
sábado, março 17, 2007
Há poesia nas ideias breves
Há poesia nas ideias breves
pedaços de magia que brotam intensos
reflexões românticas que vêm e vão
imensos rasgos de luz concisa
embriaguez de sonhos curtos
momentos estreitos que o vento conduz
essas meditações tão sumárias
só os românticos as tentam agarrar
riscando cadernos em noites escuras
como se a poesia dessas ideias
não existisse no momento
em que se as esquece
Miguel Godinho
A ausência II
O cansaço cicatrizou-te a súplica e
o desejo de retorno a um tempo
sem tempo esfumou-se por
entre este universo de quimeras
que habitas
agora
só resta o estigma que assevera a dor
e a dor que afirma a ausência
a tua
Miguel Godinho
Há poesia nas ideias breves
pedaços de magia que brotam intensos
reflexões românticas que vêm e vão
imensos rasgos de luz concisa
embriaguez de sonhos curtos
momentos estreitos que o vento conduz
essas meditações tão sumárias
só os românticos as tentam agarrar
riscando cadernos em noites escuras
como se a poesia dessas ideias
não existisse no momento
em que se as esquece
Miguel Godinho
A ausência II
O cansaço cicatrizou-te a súplica e
o desejo de retorno a um tempo
sem tempo esfumou-se por
entre este universo de quimeras
que habitas
agora
só resta o estigma que assevera a dor
e a dor que afirma a ausência
a tua
Miguel Godinho
quarta-feira, março 14, 2007
domingo, março 11, 2007
terça-feira, março 06, 2007
O afirmar da constância
A promulgação do sol de Março
autoriza a cor que adorna
as arenas onde
a luta pela continuidade permite
o romper do novo
Estas elites floridas que surgem
nos campos expostos aos primeiros raios
não é mais que o despontar do que
se renova, idade após idade
como se a mutação dos mantos fosse
o afirmar da constância
esse pigmento inato que nunca se altera
Miguel Godinho
A promulgação do sol de Março
autoriza a cor que adorna
as arenas onde
a luta pela continuidade permite
o romper do novo
Estas elites floridas que surgem
nos campos expostos aos primeiros raios
não é mais que o despontar do que
se renova, idade após idade
como se a mutação dos mantos fosse
o afirmar da constância
esse pigmento inato que nunca se altera
Miguel Godinho
domingo, março 04, 2007
Não te lembras de quem és
Não te lembras de quem és
o silêncio que te acompanha
as cores escuras que te vestem
Confessas uma ausência
uma demora hesitante
marcas o compasso como se
almejasses um retorno à ideia
a ideia de quem eras
- um tempo de lágrimas imutáveis
essas pingas de cor que te amparam
mas
não te lembras de quem és
Miguel Godinho
Não te lembras de quem és
o silêncio que te acompanha
as cores escuras que te vestem
Confessas uma ausência
uma demora hesitante
marcas o compasso como se
almejasses um retorno à ideia
a ideia de quem eras
- um tempo de lágrimas imutáveis
essas pingas de cor que te amparam
mas
não te lembras de quem és
Miguel Godinho
sexta-feira, março 02, 2007
quinta-feira, março 01, 2007
quarta-feira, fevereiro 28, 2007
domingo, fevereiro 25, 2007
Kulsi yeggan, ala taben’emmet d waman
“Tudo (o que existe) dorme, excepto o rancor e a água”
Provérbio Kabyl, Enciclopédia berbere, IV, A 179. Aman, p. 559.
As águas que não dormem
As nascentes férteis das palavras
nem sempre estão ao alcance da vontade
há que escavar e construir
os acessos aos mananciais
essas fontes que brotam do fundo
da alma e alagam o sentir
intensos ardores que como
nascentes de fogo arrojam
por vezes a lama como nas
enxurradas que tudo arrastam
tornando sensíveis os campos
onde novas árvores tentarão crescer
qual sínteses de mim
e as constantes correntezas do tempo
que sempre me escrevem a dor
poderão continuar fluentes
como as águas
que não dormem
Miguel Godinho
“Tudo (o que existe) dorme, excepto o rancor e a água”
Provérbio Kabyl, Enciclopédia berbere, IV, A 179. Aman, p. 559.
As águas que não dormem
As nascentes férteis das palavras
nem sempre estão ao alcance da vontade
há que escavar e construir
os acessos aos mananciais
essas fontes que brotam do fundo
da alma e alagam o sentir
intensos ardores que como
nascentes de fogo arrojam
por vezes a lama como nas
enxurradas que tudo arrastam
tornando sensíveis os campos
onde novas árvores tentarão crescer
qual sínteses de mim
e as constantes correntezas do tempo
que sempre me escrevem a dor
poderão continuar fluentes
como as águas
que não dormem
Miguel Godinho
sexta-feira, fevereiro 23, 2007
Patrimónios hidráulicos algarvios – memórias de outros tempos
O acesso à água tem sido uma preocupação constante ao longo dos tempos. Desde tempos pré-históricos que o Homem tenta “controlar” o acesso à água, inventando maneiras de a “ter à sua disposição”, tentando sempre fixar-se o mais próximo possível desta. Assim, nas descobertas arqueológicas, verificamos que os povoados mais antigos se situam quase sempre junto a um curso de água. A grande maioria dos vestígios arqueológicos ligados à ocupação humana dos territórios aparece perto destes.
Entre os romanos, já se edificavam, com frequência, cisternas, mas principalmente aquedutos e barragens (muitas delas exageradamente robustas), para assegurar o abastecimento de água às cidades e villae, num esforço de garantir o seu abastecimento. Mas antes disso, já os egípcios tinham desenvolvido complicados sistemas de canais e diques que chegavam a percorrer centenas de quilómetros para abastecer zonas pobres em água. E antes ainda, é bem provável que as regiões ao norte da Mesopotâmia já detivessem importantes conhecimentos hidráulicos. Mas é sabido que foram os povos árabes aqueles que se celebrizaram pelas tecnologias de aproveitamento das águas ainda que não se possa atribuir a estes a “invenção” dos elementos de elevar e transportar a água, conforme sustentam as teorias tradicionais. Foram eles possivelmente os responsáveis pela introdução de alguns destes elementos na península ibérica mas o grande desenvolvimento destas tecnologias resulta de toda uma construção de saberes provenientes de tempos anteriores, como se percebe. Este facto estará em muito ligado ao tipo de clima que as regiões de onde são oriundos apresentam, à irregularidade das chuvas, à inacessibilidade da água, à escassez da mesma, à instabilidade do clima. Podemos por isso, afirmar que os árabes difundiram o uso dos poços e dos sistemas elevatórios de água, ao passo que os romanos se singularizaram no aproveitamento das águas de superfície.
O Algarve beneficiou muito com todos estes desenvolvimentos e todas estas sucessivas introduções de novas tecnologias relacionadas com o aproveitamento das águas. Aqui, soube-se aproveitar e melhorar todas as tecnologias ligadas ao aproveitamento da água para a irrigação dos terrenos agrícolas e para todos os consumos domésticos. Desde cedo se edificaram complexos sistemas de irrigação dos terrenos e de aproveitamento das águas das chuvas e dos mananciais subterrâneos. Na região, temos testemunhos edificados provenientes do período romano (barragens / açudes), passando por cisternas construídas pelos árabes, e muitíssimos outros elementos que foram sendo construídos até ao séc. XX, de onde se destacam as canhas, um elemento subterrâneo de condução das águas ainda não estudado na nossa região e de possível introdução árabe.
Hoje em dia, é bastante evidente que fontes, poços, noras, aquedutos, tanques, cisternas, represas, moinhos de água, são formas arquitectónicas que individualizam a paisagem da nossa região, afirmando a forma como o homem se relacionava com o território utilizando o seu engenho e arte no aproveitamento da água para a sua sobrevivência e actividades. E digo relacionava uma vez que a realidade hoje em dia é bastante diferente. Embora muitos desses elementos ainda existam, têm hoje em dia uma apresentação totalmente distinta em relação ao seu aspecto de há cerca de cinquenta anos atrás – o abandono causado pelo desuso é uma evidência clara, nos dias que correm.
Num trabalho realizado recentemente pude verificar que existem no concelho de Vila Real de Santo António para cima de 400 elementos (noras, poços, cisternas, tanques, etc) distribuídos um pouco por todo o concelho (que é relativamente pequeno, comparado com outros da mesma região). A maioria estava desaproveitada. Grande parte em ruína. Alguns reformulados, tendo a força motriz e alguns dos materiais de construção sido substituídos. Uma fatia considerável associada ainda a lendas e à religiosidade popular. Todos eles com muitas memórias inscritas.
Torna-se extremamente importante estimular a reflexão da comunidade relativamente à importância que têm os patrimónios hidráulicos. Ainda que seja muito difícil recuperar todos estes elementos, deve sem dúvida reafirmar-se a necessidade de revitalização e a utilidade cultural que têm. O levantamento, registo e estudo dos elementos da cultura material ligados à água, que o homem utilizou e/ou utiliza para beber, lavar e regar é um meio de preservação, mas no mundo actual em que vivemos (principalmente nesta região) é muito difícil proteger fisicamente estes elementos. Ainda que se apresentem como testemunhos da forma como o homem se relacionou com o território utilizando o seu engenho e arte no aproveitamento da água para a sua sobrevivência e actividades, as necessidades actuais são outras e o valor que se atribui por cá à preservação da memória ainda é muito reduzido. A factura que se acabará por pagar, caso não se faça nada para alterar a progressiva situação de abandono destes patrimónios, resultará no esquecimento desta realidade que outras gerações viveram e, no fundo, na perda de mais uma realidade na essência que nos define, enquanto algarvios e enquanto mediterrânicos.
Miguel Godinho
O acesso à água tem sido uma preocupação constante ao longo dos tempos. Desde tempos pré-históricos que o Homem tenta “controlar” o acesso à água, inventando maneiras de a “ter à sua disposição”, tentando sempre fixar-se o mais próximo possível desta. Assim, nas descobertas arqueológicas, verificamos que os povoados mais antigos se situam quase sempre junto a um curso de água. A grande maioria dos vestígios arqueológicos ligados à ocupação humana dos territórios aparece perto destes.
Entre os romanos, já se edificavam, com frequência, cisternas, mas principalmente aquedutos e barragens (muitas delas exageradamente robustas), para assegurar o abastecimento de água às cidades e villae, num esforço de garantir o seu abastecimento. Mas antes disso, já os egípcios tinham desenvolvido complicados sistemas de canais e diques que chegavam a percorrer centenas de quilómetros para abastecer zonas pobres em água. E antes ainda, é bem provável que as regiões ao norte da Mesopotâmia já detivessem importantes conhecimentos hidráulicos. Mas é sabido que foram os povos árabes aqueles que se celebrizaram pelas tecnologias de aproveitamento das águas ainda que não se possa atribuir a estes a “invenção” dos elementos de elevar e transportar a água, conforme sustentam as teorias tradicionais. Foram eles possivelmente os responsáveis pela introdução de alguns destes elementos na península ibérica mas o grande desenvolvimento destas tecnologias resulta de toda uma construção de saberes provenientes de tempos anteriores, como se percebe. Este facto estará em muito ligado ao tipo de clima que as regiões de onde são oriundos apresentam, à irregularidade das chuvas, à inacessibilidade da água, à escassez da mesma, à instabilidade do clima. Podemos por isso, afirmar que os árabes difundiram o uso dos poços e dos sistemas elevatórios de água, ao passo que os romanos se singularizaram no aproveitamento das águas de superfície.
O Algarve beneficiou muito com todos estes desenvolvimentos e todas estas sucessivas introduções de novas tecnologias relacionadas com o aproveitamento das águas. Aqui, soube-se aproveitar e melhorar todas as tecnologias ligadas ao aproveitamento da água para a irrigação dos terrenos agrícolas e para todos os consumos domésticos. Desde cedo se edificaram complexos sistemas de irrigação dos terrenos e de aproveitamento das águas das chuvas e dos mananciais subterrâneos. Na região, temos testemunhos edificados provenientes do período romano (barragens / açudes), passando por cisternas construídas pelos árabes, e muitíssimos outros elementos que foram sendo construídos até ao séc. XX, de onde se destacam as canhas, um elemento subterrâneo de condução das águas ainda não estudado na nossa região e de possível introdução árabe.
Hoje em dia, é bastante evidente que fontes, poços, noras, aquedutos, tanques, cisternas, represas, moinhos de água, são formas arquitectónicas que individualizam a paisagem da nossa região, afirmando a forma como o homem se relacionava com o território utilizando o seu engenho e arte no aproveitamento da água para a sua sobrevivência e actividades. E digo relacionava uma vez que a realidade hoje em dia é bastante diferente. Embora muitos desses elementos ainda existam, têm hoje em dia uma apresentação totalmente distinta em relação ao seu aspecto de há cerca de cinquenta anos atrás – o abandono causado pelo desuso é uma evidência clara, nos dias que correm.
Num trabalho realizado recentemente pude verificar que existem no concelho de Vila Real de Santo António para cima de 400 elementos (noras, poços, cisternas, tanques, etc) distribuídos um pouco por todo o concelho (que é relativamente pequeno, comparado com outros da mesma região). A maioria estava desaproveitada. Grande parte em ruína. Alguns reformulados, tendo a força motriz e alguns dos materiais de construção sido substituídos. Uma fatia considerável associada ainda a lendas e à religiosidade popular. Todos eles com muitas memórias inscritas.
Torna-se extremamente importante estimular a reflexão da comunidade relativamente à importância que têm os patrimónios hidráulicos. Ainda que seja muito difícil recuperar todos estes elementos, deve sem dúvida reafirmar-se a necessidade de revitalização e a utilidade cultural que têm. O levantamento, registo e estudo dos elementos da cultura material ligados à água, que o homem utilizou e/ou utiliza para beber, lavar e regar é um meio de preservação, mas no mundo actual em que vivemos (principalmente nesta região) é muito difícil proteger fisicamente estes elementos. Ainda que se apresentem como testemunhos da forma como o homem se relacionou com o território utilizando o seu engenho e arte no aproveitamento da água para a sua sobrevivência e actividades, as necessidades actuais são outras e o valor que se atribui por cá à preservação da memória ainda é muito reduzido. A factura que se acabará por pagar, caso não se faça nada para alterar a progressiva situação de abandono destes patrimónios, resultará no esquecimento desta realidade que outras gerações viveram e, no fundo, na perda de mais uma realidade na essência que nos define, enquanto algarvios e enquanto mediterrânicos.
Miguel Godinho
quinta-feira, fevereiro 22, 2007
Hoje gostava apenas de agradecer aos senhores filhos da sua mãe da PT que me desligaram o telefone e, por conseguinte, a Internet. Ontem, quando lhes liguei, após cinco dias sem ligação e pensando cá na minha ingenuidade que seria algum problema momentâneo na rede – cinco dias a pensar: o problema vai já passar… - parolo – trataram de me informar (muito cordialmente) que no dia 27 “talvez” passasse um técnico lá por casa. Fiquei tão contente. Duas semanas sem ligação. Alguém iria pagar por duas semanas de não-utilização e de deslocações se quisesse aceder à net, pensei. Talvez esse alguém seja eu. Talvez.
Miguel
quarta-feira, fevereiro 21, 2007
sexta-feira, fevereiro 16, 2007
Dos nossos espinhos nasce
Ouço o silêncio das nossas vozes e
declaro o som da tua
da nossa
ausência. Que clara a luz
distante da escura névoa que nos esclarece
que branda flor aquela
que nasce dos nossos espinhos
a chuva já cai num breve punhado de lágrimas
e o espectro de luz assoma-se
como que numa memória
de um tempo que é sempre igual
de uma história já contada
espero aqui por ti
enquanto a censura acontece
enquanto este segundo durar
Miguel Godinho
Ouço o silêncio das nossas vozes e
declaro o som da tua
da nossa
ausência. Que clara a luz
distante da escura névoa que nos esclarece
que branda flor aquela
que nasce dos nossos espinhos
a chuva já cai num breve punhado de lágrimas
e o espectro de luz assoma-se
como que numa memória
de um tempo que é sempre igual
de uma história já contada
espero aqui por ti
enquanto a censura acontece
enquanto este segundo durar
Miguel Godinho
quarta-feira, fevereiro 14, 2007
Depois disso
Depois disso
anuncio constantemente uma
nova compreensão de vida uma
reinvenção da moral abstracta tento
renovadamente um parto
de mim próprio uma
nova postura uma
ideia reformada um
novo olhar
acabo por retornar sempre
à mesma realidade como
se não soubesse outra como
se nunca tivesse reservado nada como
se o conceito que imaginei deixasse de
fazer sentido no
preciso momento em que
é engendrado
depois disso sou outro
depois disso sou o mesmo
sempre sou sempre
eu
Miguel Godinho
Depois disso
anuncio constantemente uma
nova compreensão de vida uma
reinvenção da moral abstracta tento
renovadamente um parto
de mim próprio uma
nova postura uma
ideia reformada um
novo olhar
acabo por retornar sempre
à mesma realidade como
se não soubesse outra como
se nunca tivesse reservado nada como
se o conceito que imaginei deixasse de
fazer sentido no
preciso momento em que
é engendrado
depois disso sou outro
depois disso sou o mesmo
sempre sou sempre
eu
Miguel Godinho
segunda-feira, fevereiro 12, 2007
As palavras certas
Há dias em que as mãos insistem nas teclas erradas. Dias em que após várias horas passadas em frente ao ecrã, à espera de ver sair “as” palavras, finalmente apercebemo-nos que isso não é possível. Nestes dias, raramente passamos das três primeiras linhas. Podemos até conseguir mais que isso, mas mais cedo ou mais tarde, voltamos atrás e apagamos tudo, de novo. E a tarefa, repetir-se-á umas boas vezes. Porque simplesmente, nesses dias, não é possível. E este é um desses.
Nos dias em que as certezas não têm palavras
as palavras certas não existem.
Miguel Godinho
Há dias em que as mãos insistem nas teclas erradas. Dias em que após várias horas passadas em frente ao ecrã, à espera de ver sair “as” palavras, finalmente apercebemo-nos que isso não é possível. Nestes dias, raramente passamos das três primeiras linhas. Podemos até conseguir mais que isso, mas mais cedo ou mais tarde, voltamos atrás e apagamos tudo, de novo. E a tarefa, repetir-se-á umas boas vezes. Porque simplesmente, nesses dias, não é possível. E este é um desses.
Nos dias em que as certezas não têm palavras
as palavras certas não existem.
Miguel Godinho
domingo, fevereiro 11, 2007
As danças fúteis
Há uma sombra cósmica existencial,
uma imortalidade adjacente, como que
uma justificação transcendental em tudo isto.
A intemporalidade das ideias essenciais,
presente nas palavras que nunca mudam
converte-se numa sequência
constante de descobrimentos do nosso ser.
É aí que permanece a noção do Eu,
essa que nunca se chega a ter
nestes espaços adulterados de hoje,
neste baile de danças fúteis.
Miguel Godinho
Há uma sombra cósmica existencial,
uma imortalidade adjacente, como que
uma justificação transcendental em tudo isto.
A intemporalidade das ideias essenciais,
presente nas palavras que nunca mudam
converte-se numa sequência
constante de descobrimentos do nosso ser.
É aí que permanece a noção do Eu,
essa que nunca se chega a ter
nestes espaços adulterados de hoje,
neste baile de danças fúteis.
Miguel Godinho
sábado, fevereiro 10, 2007
sexta-feira, fevereiro 09, 2007
quinta-feira, fevereiro 08, 2007
A Nora de Cacela [II]
A água que jaz no fundo da nora
de Cacela espera pelo alcatruz que
já não circula na corrente daquele
engenho oxidado. A mula que fazia girar
o eixo corroído pela idade já não se presta
ao esforço e o senhor que pacientemente
lhe cobria os olhos com o ferrolho
trava agora uma sólida luta contra o tempo.
A nora estranha a condição de já não
poder puxar a água do fundo do poço
depois de tantos litros de labor
e a labuta das terras por agricultar
já não pertence nem aos homens nem
às bestas deste Algarve apartado
de hoje. A paisagem de esquecimento de
anos e anos de dor, sofrimento e alegria
é óbvia e vai ditando o cessar da essência
deste cantinho plantado por entre
serra, prédios e mar.
Miguel Godinho
A água que jaz no fundo da nora
de Cacela espera pelo alcatruz que
já não circula na corrente daquele
engenho oxidado. A mula que fazia girar
o eixo corroído pela idade já não se presta
ao esforço e o senhor que pacientemente
lhe cobria os olhos com o ferrolho
trava agora uma sólida luta contra o tempo.
A nora estranha a condição de já não
poder puxar a água do fundo do poço
depois de tantos litros de labor
e a labuta das terras por agricultar
já não pertence nem aos homens nem
às bestas deste Algarve apartado
de hoje. A paisagem de esquecimento de
anos e anos de dor, sofrimento e alegria
é óbvia e vai ditando o cessar da essência
deste cantinho plantado por entre
serra, prédios e mar.
Miguel Godinho
terça-feira, fevereiro 06, 2007
A corrente do esquecimento
Miguel Godinho
Que forma tem uma ideia?
qual o seu peso, a sua estrutura,
a sua materialidade?
E que cheiro tem essa ideia,
qual o seu sabor, a sua textura?
Onde se reclamam as ideias perdidas?
Houve um conceito que repetia o nome da eternidade. Abruptamente, deixou-se seguir na corrente do esquecimento e escoou, remando nos braços da sorte que tão depressa a trouxe a esta cabeça como assim a levou de volta, repondo a preços de súplica um retorno à inocência dos bolsos vazios… de ideias.
qual o seu peso, a sua estrutura,
a sua materialidade?
E que cheiro tem essa ideia,
qual o seu sabor, a sua textura?
Onde se reclamam as ideias perdidas?
Houve um conceito que repetia o nome da eternidade. Abruptamente, deixou-se seguir na corrente do esquecimento e escoou, remando nos braços da sorte que tão depressa a trouxe a esta cabeça como assim a levou de volta, repondo a preços de súplica um retorno à inocência dos bolsos vazios… de ideias.
Miguel Godinho
segunda-feira, fevereiro 05, 2007
Cumprimos rigorosamente o ritual da mais
antiga solidão. Desenhamos palavras, que se
inscrevem no papel, como se fosse pedra,
para que as chuvas as amaciem, roubando-lhes
a rudeza das consoantes. Limpo-as da sua casca,
como os lenhadores fazem aos troncos,
descobrindo a matéria fresca que enche as
veias da frase, humedecendo a boca. Mas tu,
que te apressas em direcção à saída, ouve
ainda o que te dizem: «Viajante, aqui te
esperamos, sempre.» E quando saíres, o sol
intenso da manhã impedir-te-á de saber onde
estás, ou se cada um dos prédios que te rodeiam
é, afinal, um fragmento de coluna, que um
deus irado quebrou. Depois, habitua-te ao presente;
e faz da árvore do centro, a que resiste no seu
canto, guarida de sombras e de aves,
a provisória habitação do seu sonho.
Nuno Júdice, Geografia do caos, Assírio & Alvim, 2005, p.64.
antiga solidão. Desenhamos palavras, que se
inscrevem no papel, como se fosse pedra,
para que as chuvas as amaciem, roubando-lhes
a rudeza das consoantes. Limpo-as da sua casca,
como os lenhadores fazem aos troncos,
descobrindo a matéria fresca que enche as
veias da frase, humedecendo a boca. Mas tu,
que te apressas em direcção à saída, ouve
ainda o que te dizem: «Viajante, aqui te
esperamos, sempre.» E quando saíres, o sol
intenso da manhã impedir-te-á de saber onde
estás, ou se cada um dos prédios que te rodeiam
é, afinal, um fragmento de coluna, que um
deus irado quebrou. Depois, habitua-te ao presente;
e faz da árvore do centro, a que resiste no seu
canto, guarida de sombras e de aves,
a provisória habitação do seu sonho.
Nuno Júdice, Geografia do caos, Assírio & Alvim, 2005, p.64.
quarta-feira, janeiro 31, 2007
Aqui agora para sempre
Escondíamo-nos das palavras débeis
que nos definiam
e borrávamos o texto que escreviam aqueles
cujas canetas compunham
pesadas arquitecturas imaginadas
tentámos apenas uma vez
abrir o livro que
contava a história das nossas infâncias
e compreendemos os passados de cada um
Foi assim que a desconexão do mundo
nos colocou no mesmo tabuleiro
e eis que nos encontramos aqui agora
para sempre
Miguel Godinho
Escondíamo-nos das palavras débeis
que nos definiam
e borrávamos o texto que escreviam aqueles
cujas canetas compunham
pesadas arquitecturas imaginadas
tentámos apenas uma vez
abrir o livro que
contava a história das nossas infâncias
e compreendemos os passados de cada um
Foi assim que a desconexão do mundo
nos colocou no mesmo tabuleiro
e eis que nos encontramos aqui agora
para sempre
Miguel Godinho
terça-feira, janeiro 30, 2007
A minha morada
Revelar na dor do Ser
o estimado e imprevisto regaço
indefinido presente na imaculada
sensação de constância
- um empenho inscrito no desejo constante
de retorno ao desgosto criativo de sensações
cálidas e genuínas
Estranhas a minha tendência
para o negro, ainda que saibas que
é essa a minha morada, ainda que custe a
crer na terna doçura que é a melancolia,
essa suave brisa de sensações
cálidas e genuínas
Miguel Godinho
Revelar na dor do Ser
o estimado e imprevisto regaço
indefinido presente na imaculada
sensação de constância
- um empenho inscrito no desejo constante
de retorno ao desgosto criativo de sensações
cálidas e genuínas
Estranhas a minha tendência
para o negro, ainda que saibas que
é essa a minha morada, ainda que custe a
crer na terna doçura que é a melancolia,
essa suave brisa de sensações
cálidas e genuínas
Miguel Godinho
segunda-feira, janeiro 29, 2007
sexta-feira, janeiro 26, 2007
quinta-feira, janeiro 25, 2007
Um texto que se reescreve
Há um texto que nos acompanha
toda a vida qual escultura que se
vai talhando. Uma peça de barro que
se modela sem que nunca se ajeite
um assunto que nunca se finaliza, que
jamais se encerra, um tema sem tema.
Esse texto escreve-se com o passar dos anos
é o vento que o pontua, a chuva que
o desfigura e o sol que alvitra
a luz que lhe corrige e castiga os erros.
Todos temos um texto que se reescreve
que se apaga, que não queremos finalizar
demorando a caneta, tentando que
não perca a tinta e que alguém consiga
entender a caligrafia por vezes nervosa
por vezes impaciente, por vezes excitada
Como se a vida se pudesse escrever
num mesmo texto, como se
o texto fossemos nós.
Miguel Godinho
Há um texto que nos acompanha
toda a vida qual escultura que se
vai talhando. Uma peça de barro que
se modela sem que nunca se ajeite
um assunto que nunca se finaliza, que
jamais se encerra, um tema sem tema.
Esse texto escreve-se com o passar dos anos
é o vento que o pontua, a chuva que
o desfigura e o sol que alvitra
a luz que lhe corrige e castiga os erros.
Todos temos um texto que se reescreve
que se apaga, que não queremos finalizar
demorando a caneta, tentando que
não perca a tinta e que alguém consiga
entender a caligrafia por vezes nervosa
por vezes impaciente, por vezes excitada
Como se a vida se pudesse escrever
num mesmo texto, como se
o texto fossemos nós.
Miguel Godinho
quarta-feira, janeiro 24, 2007
É um vírus em mim
É um vírus em mim
uma máquina que labuta
e desconexa
um pensamento que acorda violenta e
afronta a razão que me prende
suavemente constantemente
É assim que esqueço que o anseio sempre
me avassala
é um desejo que não alcanço
uma intenção deliberada
uma peçonha
uma luta essencial que
se ganha hoje e se
desbarata amanhã
É um vírus em mim
Miguel Godinho
É um vírus em mim
uma máquina que labuta
e desconexa
um pensamento que acorda violenta e
afronta a razão que me prende
suavemente constantemente
É assim que esqueço que o anseio sempre
me avassala
é um desejo que não alcanço
uma intenção deliberada
uma peçonha
uma luta essencial que
se ganha hoje e se
desbarata amanhã
É um vírus em mim
Miguel Godinho
segunda-feira, janeiro 22, 2007
O dilatar das pupilas
Não estranhei o dilatar das pupilas nem
a ausência que sempre adornou o sentir
uma incomunicabilidade latente
numa fadiga de axilas receosas
desta vez seria diferente, poderia ter sido
uma dor exígua num espaço vulgar
quase sempre o mesmo, perpetuamente indistinto
uma sensação estranha, imperturbável
um embrulho que se paga caro
uma vida que deixa de o ser
um ardor
Sinto que breves se tornam as memórias
e os rasgos da calosidade da alma
fazem-me experimentar
estes nocturnos pesares, insuportáveis
e é assim que por breves instantes
desço do extâse e caio em desgraça
no imenso mar de uma dor que é
existir desta forma.
Miguel Godinho
Não estranhei o dilatar das pupilas nem
a ausência que sempre adornou o sentir
uma incomunicabilidade latente
numa fadiga de axilas receosas
desta vez seria diferente, poderia ter sido
uma dor exígua num espaço vulgar
quase sempre o mesmo, perpetuamente indistinto
uma sensação estranha, imperturbável
um embrulho que se paga caro
uma vida que deixa de o ser
um ardor
Sinto que breves se tornam as memórias
e os rasgos da calosidade da alma
fazem-me experimentar
estes nocturnos pesares, insuportáveis
e é assim que por breves instantes
desço do extâse e caio em desgraça
no imenso mar de uma dor que é
existir desta forma.
Miguel Godinho
domingo, janeiro 21, 2007
sexta-feira, janeiro 19, 2007
quinta-feira, janeiro 18, 2007
Primeiramente
Aquilo que procuro primeiramente ao ler um poema não é perceber o que o poeta estava a sentir ao escrever o texto. Pretendo sim que o poema me transmita algo, que me desperte algum tipo de emoção, que comunique comigo, que me acenda uma luz interior. No fundo, quero que o poema seja capaz de me arrancar algum tipo de agitação interior – é dessa forma que entendo que se deva processar o primeiro contacto. No fundo, espero que o poema me transmita uma imagem emotiva, sensorial. Primeiro o poema comunica comigo, por si só. Depois e só depois, o poeta e o seu poema.
O mesmo se aplica à pintura, à escultura e a todas as artes. É a obra isolada que deve comunicar primeiramente e não o artista. Para mim, o valor da obra reside nela mesma. Só depois me interesso por contextualizar a obra na vida, no sentir do artista. É certo que tudo na vida tem um contexto e deve ser entendido como tal, mas também é certo que a arte tem o poder de se abstrair do seu contexto para se fazer valer autonomamente. Porque no fundo, o seu contexto somos nós e não apenas quem a executou.
O mesmo se aplica à pintura, à escultura e a todas as artes. É a obra isolada que deve comunicar primeiramente e não o artista. Para mim, o valor da obra reside nela mesma. Só depois me interesso por contextualizar a obra na vida, no sentir do artista. É certo que tudo na vida tem um contexto e deve ser entendido como tal, mas também é certo que a arte tem o poder de se abstrair do seu contexto para se fazer valer autonomamente. Porque no fundo, o seu contexto somos nós e não apenas quem a executou.
Miguel Godinho
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