quarta-feira, outubro 30, 2013

O limite do número de poemas

Por mais que gostes de poesia, caso vivas num apartamento só poderás ler até três poemas por dia. No entanto, este limite pode ser aumentado para seis, mediante aprovação do poeta e/ou do delegado de saúde mental. Para tal, deverás requisitar uma autorização. O limite do número de poemas pode sempre ser inferior ao mencionado acima, consoante o valor do livro em questão.

Os mais sensíveis podem ler até seis poemas, podendo tal número ser excedido se a dimensão psicológica o permitir e desde que as condições psíquicas estejam asseguradas.
Sempre que sejam respeitadas as condições de salubridade e tranquilidade de uma determinada biblioteca, podem ser alojados, por cada apartamento, tanto nas zonas urbanas como nas rurais, até três poemas ou quatro textos em prosa poética, não podendo no total ser excedido o número de quatro poesias.

Um dos grandes problemas que afecta os poemas e as pessoas que os lêem é o barulho. Se o poema for deixado sozinho durante longos períodos de tempo ou se não for lido suficientemente bem, é possível que vá adquirir maus hábitos comportamentais, como um ladrar compulsivo. Enquanto leitor, é da tua responsabilidade garantir o bem-estar do poema e não interferir no bem-estar dos outros leitores, quer vivas num apartamento ou mesmo numa quinta.
Embora a maioria dos leitores não seja confrontado com este problema, pois o poema lê-se e sente-se no momento, quando está próximo do leitor ele não exibe tal comportamento, sendo a situação de ruído constante um sinal de desequilíbrio do poema e podendo este levar os leitores à beira de um ataque de nervos.
Para que saibas, qualquer leitor incomodado nunca poderá contactar o poeta. Se o pudesse fazer, este iria dizer-lhe para ter juízo, visto que o poema nunca pode cessar o ruído. Caso tentes fazê-lo, este pode aplicar-te uma coima. As coimas começam nos 500 euros.

Resumindo:
Agora que já sabes o que diz a lei, procura agir de maneira responsável, evitando dar motivo para que se verifiquem reclamações. Não te esqueças: os poemas têm direitos e os leitores têm deveres e responsabilidades.
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mg 2013

sexta-feira, outubro 04, 2013

ninguém está escondido dentro de mim

e quantas pessoas trago eu dentro de mim, quantos amigos, quanto amor, muito amor, ninguém está escondido dentro de mim, ninguém está oculto, ninguém vale pouco, toda a gente vale uma fortuna, estou milionário de pessoas, o discurso de gratidão não tem fim, é complexo demais para ser traduzido em palavras, sinto-me apinhado de bons sujeitos, repleto de boas famílias, levarei muita gente comigo quando tudo isto terminar, muitas memórias, muitas mãos que me agarraram e que não me deixaram cair, que não permitiram que caísse para dentro da melancolia do mundo, para dentro da melancolia do eu, ainda que muitas vezes me sinta sozinho, ainda que nunca exista da forma que gostaria de existir, e será que existo mesmo, será que existo, será que me perdoam, será que se incomodam por achar que poucas certezas tenho para além desta, que nada sei, eu que às vezes julgo saber tudo, eu que tantas vezes até queria ser outro, eu que às vezes preciso tanto de ser visto, eu que nunca quis ser óbvio, eu que quero tanto, mas que no fundo preciso de tão pouco
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mg 2013

quinta-feira, outubro 03, 2013

xixi, caminha

ora aqui fica
mais um poema do zé joão:
«verdade seja dita, porra.
isto a vida é mesmo assim.
um dia acordamos, criamos um filho,
outro, outro, e depois mais um.
damos por nós cheios de cabelo branco,
a barriga inchou, a coisa já não levanta.
e pronto, a seguir
xixi, caminha.»

terça-feira, outubro 01, 2013

essas gravatas não vos acrescentam valor

um dia serás capaz de borrar o plano traçado, de inverter o rumo da tua vida e dizer que o mundo não deve ser aquilo que tu não queres que o mundo seja, serás capaz de assumir que a brancura e as pessoas brancas não existem, que o conforto em que vives é ilusório, que tu nunca estiveste verdadeiramente confortável, bem sentado ou raio que te parta, porque de sofás desfundados está o teu mundo cheio, de candura, dessa gente bem lavada e asseadinha, gente que gosta muito de espreitar para dentro de si própria e só sentir o cheiro a rosas quando o que lá existe é apenas lixo, e então talvez te sintas na disposição de dizer: pronto, é hoje que vou ser audaz, é hoje que vou ser aquilo que me apetece ser, já chega de submissão, de mentira - e quantas vezes não há mentira por detrás das tuas ilusões, o livro da tua vida não se pode escrever com palavras ininteligíveis e personagens em quem não confias: basta que tu não és mais capaz de viver assim, rodeado de todas essas coisas ocas e pessoas óbvias, tu queres mais é que se dane a perfeição, tu já estás farto dessa gente que só sabe é ver-se ao espelho e besuntar-se de brilhantina e vamos ver se não te levantas um dia azedo e com a coragem suficiente para confrontá-los com a verdade: vocês não valem nada, nem para lavar o chão prestam, essas gravatas não vos acrescentam qualquer valor
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mg 2013