segunda-feira, março 31, 2008


Na foto - Dith Pran [fotojornalista]
(n. 27 Setembro, 1942 – m. 30 Março, 2008)

quarta-feira, março 26, 2008

O som que a boca faz

Ttcheeuu
o som que a boca faz
um vento que provém do estômago
como se a vida nos pontapeasse

na vez de muitas palavras
um sopro de exaltação
na expressão do deslumbramento
do cansaço ou qualquer coisa

Miguel Godinho
Antinomias do Eu

Poderias explicar-me
aquilo em que acreditas
isso não faria sentido para mim

poderias provar-me
o que para ti é a Verdade
eu não acreditaria

poderias dar-me
a conhecer o teu mundo
eu não quereria fazer parte dele

poderias mostrar-me
que me consegues interpretar
eu não confirmaria

poderias esconder-te
para sempre de mim
só para não teres de te encarar

Miguel Godinho

terça-feira, março 25, 2008

Os monstros

Os monstros também usam máscaras

e tu deixaste cair as palavras
para dentro de ti como num poema
que escreveste uma vez
tiveste medo de te reconhecer nessas palavras

são só palavras

o que conta não são as palavras
contam sim os monstros
também eles usam máscaras

por isso não te escondas
não uses máscaras não andes à toa
revela-te percorre-te penetra-te

mas não deixes marcas
cuidado esconde-te observa-te redige-te
não hesites aproxima-te saboreia experimenta
mas não deixes marcas deixa pistas
não te importes
os monstros também usam máscaras

Miguel Godinho

segunda-feira, março 24, 2008

Das tendências

Carrego o peso dos dias
olhando esta oliveira cujos ramos viajam
ao sabor do vento e sinto
que não pertenço a sítio algum

descubro constantemente impressas em mim
ora a frustração da folha em branco
ora a mediocridade do texto escrito e
não consigo caminhar sem que a dúvida me invada

viajo incessantemente entre esses dois portos
e na tormenta da invenção a vontade
de exprimir unicamente um grande nada
tornando evidente a perfeição do vazio

na folha em branco um sossego
a apoderar-se de mim sempre que abro o caderno
e dele não quero sair

a poesia também pode ser só esse vazio
um espaço desabitado de tudo
onde nada fica por dizer

Miguel Godinho

segunda-feira, março 17, 2008

A propósito da Páscoa
Foto de Carl de keyser
Eis que finalmente

Há um momento em que percebemos que somos
a síntese de tudo o que nos aconteceu. Um momento
onde reconhecemos que o presente
não poderia ser de outra forma.
E então percebemos
o filme das nossas vidas
ainda que os sucessivos momentos
que se instalaram na nossa história se tivessem sucedido
sem que lhes prestássemos a devida atenção.
É como nos filmes que nos mostram
retalhos
de uma qualquer realidade onde
sucessivos acontecimentos se
acumulam
nem sempre de forma ordenada
até que o puzzle de repente se constitui,
até que a luz desliza dos céus,
até que nos conseguimos olhar nos olhos
e dizer
este sou eu, esta é a minha vida, aqui me encontro,
eis que finalmente

Miguel Godinho

sábado, março 15, 2008


Podia bem ser qualquer coisa
os olhos dele decidiriam
Uma nuvem, o horizonte
e o sol escondido podiam enquadrar tão bem
uma alvorada ou um crepúsculo.
A poesia do momento tornava
tudo tão intenso e, ao mesmo tempo, tão ambíguo…
E enquanto decidia sobre aquele momento tão breve
pensava apenas em acabar com a vida,
como se a harmonia envolvente fosse um terror
como se nada daquilo interessasse para alguma coisa

Miguel Godinho

sexta-feira, março 14, 2008

Imagens mentais

No seguimento do que afirmou hoje Fernando Belo no Público e do que Ana Gerschenfeld expôs há uns dias no mesmo diário, fica bem claro aos meus olhos o romantismo existente nas ridicularidades que se formam em torno da necessidade constante em anunciar novos progressos científicos. Um bom exemplo é o caso das tão faladas “imagens mentais” e das investigações que se desenvolvem actualmente em torno do tema.
Procura demonstrar-se nos dias que correm que, “utilizando apenas a análise dos padrões de actividade cerebral gerados pelo visionamento de imagens naturais”, será possível no futuro “identificar, com grande precisão, a(s) imagem(ns) que o cérebro humano está a ver”. Pretende-se com isto vir a tornar possível a constituição de um modelo matemático que permita identificar os padrões dos registos mentais (as imagens) formados aquando do visionamento de uma qualquer representação gráfica (uma fotografia, por ex.).
Nunca será, no entanto, possível, uma “descodificação” da memória ou da imaginação como se pretende fazer crer. Uma coisa são as representações que o cérebro forma a partir de uma qualquer imagem, outra coisa é o discurso que é produzido (e que é imperceptível do ponto de vista da representação gráfica - porque com múltiplas interpretações) em torno dessa mesma imagem. De qualquer forma, cada discurso está dependente da aprendizagem individual e isso, naturalmente, varia de indivíduo para indivíduo. Não se vai conseguir no futuro traduzir um registo cerebral das ideias, dos juízos, das concepções mentais, do discurso formado (ou por formar) em torno de algo, precisamente porque isso depende do percurso biográfico de cada um, embora isso pudesse parecer uma óptima ideia para alguns… O primeiro estímulo cerebral (a imagem) perante uma tela de Baskiat pode ser a mesma, quer para mim, quer para a minha mãe (que percebe tanto de arte contemporânea como o Padre Alberto – talvez um misto de excitação e desconforto) mas de certeza que o discurso produzido, a interpretação, a transformação operada pela apreensão ajudada pela linguagem e pelo discurso inquisitivo não serão com certeza os mesmos…

Miguel Godinho

quarta-feira, março 12, 2008

Fazia-lhe espécie [Ainda em relação a Punta Umbria...]

Fazia-lhe espécie o facto de quererem abater uma série de palavras ao poema, com o pretexto de que assim ele viveria melhor. Como se o poema não só fizesse sentido para ele daquela forma, como se o que aquelas palavras quisessem dizer não completassem o que ele próprio queria dizer, como se se pudesse amputar o poema alegando que, dessa forma, ele caminharia melhor...

Miguel Godinho
[Em jeito de provocação ao Fernando Esteves Pinto e ao Manuel Domingos]

segunda-feira, março 10, 2008

Por várias vezes, em várias ocasiões, se abordou este assunto, em Punta Umbria, no Encontro de Escritores Palabra Ibérica 2008. W. H. Auden explicou em tempos a sua visão sobre a questão:

Aos olhos dos outros, um homem é poeta
se escreveu um bom poema.
A seus próprios, só é poeta no momento em que
faz a última revisão de um novo poema.
Um momento antes, era apenas um poeta em potencial,
um momento depois, é um homem
que parou de escrever poesia, talvez para sempre.

W. H. Auden

quarta-feira, março 05, 2008

Os nossos dias (4)

Dêem-nos circos e paradas que nós
inventamos um novo mundo e sentimo-lo
da maneira que quereis

este é o fim das consciências
aguardamos novas ordens
já só funcionamos com instruções sapientes

dêem-nos as coordenadas
indiquem-nos um caminho
providenciem roteiros organizados e objectivos

as estradas enlameadas não serão obstáculos
seremos felizes no fim do horizonte
bem para lá de nós próprios

Miguel Godinho

segunda-feira, março 03, 2008

Os nossos dias (3)

pouco interessa já aos meus olhos
quem dera um silêncio eterno irrompesse
para não ter de me aperceber dos óbitos diários
para não ter de ouvir a galinha a cantar amanhã
outra vez

e no entanto continuo a usar
uma pistola apontada às esperas
enquanto me esqueço de hoje no sofá
alternando canais na tv

Miguel Godinho
"Arrear o calhau"

Desde muito pequenos que nós somos ensinados a defecar/obrar/fazer cocó na sanita porque parece mal fazermos este serviço nas calças ou no meio da sala de jantar em pleno baptizado do irmão mais novo, como se isso fosse má educação.
Vou passar a explicar o que é o cocó: O cocó é normalmente chamado (numa linguagem mais rude) de "cagalhão". Pois é, quis Deus que este cagalhão cheirasse mal e fosse castanho para não o podermos deixar em qualquer sítio. Um olhar mais pormenorizado sobre este esterco humano revela-nos dados muito interessantes, um dos quais é de que esta substância é compacta, logo, pesada.

Estando um indivíduo com o cólen cheio de cocó, surge por vezes uma sensação de peso. Pesadas são também as pedras e calhaus que encontramos por aí. Foi deste fenómeno intestinal que nasceu o "arrear o calhau". Com esta expressão suavizamos a expressão "cagar", que é muito feia, pois a sua utilização demonstra falta de educação, segundo pessoas ditas educadas.

Outra possível, e mais correcta, explicação da origem desta expressão poderá ser que devido facto de nem sempre ter existido papel higiénico era frequente procurar-se uma pedra lisa (calhau) para que após a defecação se pudesse limpar o real traseiro. Após o acto de limpeza (evidentemente pouco eficiente) atirava-se a pedra para longe. Daí vem o termo Arrear (atirar) o calhau. (Esta versão foi nos cedida pelo Daniel Lopes)

Exemplo de utilização:
Filomeno: "Onde vais? Estás-te a esquivar do trabalho?"
Rosário: "Não. Vou só arrear o calhau e já venho."

Informações retiradas de um blogue muito interessante.

sábado, março 01, 2008

Podia bem ser um sinal de trânsito

Miguel Godinho