quinta-feira, agosto 31, 2006


De repente
lembrei-me das cores de ontem
dos cheiros daquele presente
desse passado que é de novo agora
como se nunca tivesse deixado de ser

Como que um presente sempre
presente nesta memória de agora
agora e por agora
porque de repente
a muleta do tempo tropeça
na vontade do teu regresso

de repente

Miguel godinho

quarta-feira, agosto 16, 2006

Os banhos das plumas caprichosas

Folheio o jornal e mais uma vez ouço alguém dizer na sua crónica caprichosa que o Algarve não presta e que o Algarve não presta mesmo.
E o que faria essa pessoa naquela praia algarvia ontem? Teria apanhado boleia para a praia errada? Estaria ela a pensar, enquanto se estendia na rebentação das ondas, que estava em Carcavelos? Enganar-se-ía na citação da região mencionada no artigo de jornal? O que faria ela nesta praia reduzida e superlotada algarvia?
Ah...Alguém me disse que chegou ao Algarve na semana passada. Adora esta confusão dos meses de Julho e Agosto mas não pode dizer nada aos seus amigos lá da redacção porque parece mal. Uma pessoa com a sua classe tem de explicar que detesta o Algarve porque é o que se diz hoje em dia. Por isso, prefere dizer que são os meninos lá em casa é que a obrigam a rumar a sul.
É o habitual. Pseudo-turistas portugueses, intelectualóides convencidos que vêm dar de comer ao suleco esfomeado que não vive mas sobrevive o resto do ano, à espera do lisboeta de Mercedes por pagar que aluga um quarto duplo para sete e que pede uma dourada para dividir com a mulher e a sogra. Os filhos que partilhem uma omeleta entre eles.
São estes excursionistas que nos abarrotam as praias, famintos, sequiosos por um metro quadrado de areia fina. Nenhum deles aprecia o Algarve... Cuidado com esses bandos maledicentes mas viciados em Algarve, esse produto que só podem consumir em Agosto e que nós algarvios temos acesso durante todo o ano. A inveja fá-los criticar o que não têm e quem tem. É o habitué do pessoal que gosta de glosar o que consome. É bem entre a classe.
Pois por cá o sol brilha todo o ano e as praias também lá (aqui) estão em Setembro, em Março, em Maio, enfim, acho que durante todo o ano. E vazias desta gente! E quão bom é sair do trabalho e em cinco minutos estar ali, a banhar-me nas águas atlânticas que o Mediterrâneo aqueceu.
E os restaurantes que tanto tempo demoram a atender esses portuguesinhos de língua afiada continuam a servir o mesmo peixe fresco quando o mês de Agosto acaba. Podem demorar um pouco no atendimento mas por cá o tempo não corre à mesma velocidade. Por cá há sempre tempo. E paciência. Heranças de outrora, de um tempo em que estes turistazecos ainda não tinham descoberto as maravilhas desta linda região.
Se esta se corrompeu tanto ultimamente como gostam de apregoar, pensem porquê.

Miguel Godinho

segunda-feira, agosto 14, 2006

Mulher do sul

Cores claras numa névoa indiciada
Mancha de luz num leito de penumbra

Revelas-te como que quimera.

Questiono as tuas ausências
Mesmo sem saber quem és
Rebelde, fugaz nos sinais,
Devaneio de experiências inconstantes
Inebrio de loucura salutar
Fumo embriagante de haxixe berbere

Sonho mediterrânico de mulher quente
Qual cobra que se enrosca na alma.

Veneno que não dói mas inflama

Sofro quando te vejo
Morro se não te sinto.

Miguel Godinho