sábado, junho 22, 2013

que nunca hás-de

sabes bem que o mundo não acaba sem que tu acabes, que o mundo de hoje está bem diferente daquilo que era o mundo quando o sentiste pela primeira vez - lembras-te de como era o mundo quando o sentiste pela primeira vez? - sabes bem que nunca hás-de saber nada bem, que tudo muda, o mundo muda sem que dês por isso, o mundo muda sem que te apercebas que o mundo muda, o mundo fica diferente, tudo está diferente, até tu estás diferente, até tu estás diferente
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MG 2013

quarta-feira, junho 19, 2013

quando um fogo em ti começar a arder

quando um fogo em ti começar a arder, e a alastrar, e sentires que a claridade se começa a espalhar, deixa que a combustão se propague, que essa postura se expanda, deixa que fulgure, que resplandeça, que alastre, que se faça luz, há luz em ti, não sentes?, deixa que ela brote, deixa que o teu íntimo se derrame pelo espaço, o que de mais privado existe em ti, deixa, consente que essa luz se dissemine, abdica de tudo o que é mais pessoal, oferece o que de mais denso existe em ti, concede, faz-te público, oferece-te a nós, é isso que te torna grande, essa capacidade, é isso que faz de ti um criador, é isso que queremos que nos ofereças, o teu momento, é essa a tua oportunidade, a tua primeira e última, o teu momento, é agora, aproveita esse momento que pode não haver outro, essa tua luz, há luz em ti, não sentes?
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MG 2013

em querermos podemos

no brasil sai-se agora à rua para pedir pouco, e nós também pedimos pouco – o que pedimos nós? – justiça social, consideração pelas pessoas, pela classe trabalhadora, e dignidade, qualidade de vida, saúde para todos, menos corrupção, menos corrupção, caraças, uma distribuição mais equitativa de tudo o que é essencial – o que é que é essencial? – há tanta coisa que é essencial, uma redemocratização, que se fale verdade, que quem nos conduz seja frontal, que não nos enganem, que não nos enganem, queremos gente capaz, nós somos jovens e exigimos tudo aquilo que nos prometeram e não cumpriram, e são tantos, há tantos anos, os que nos prometeram e não cumpriram, queremos o nosso dinheiro gasto de forma coerente e racional, não queremos cortes cegos e depois ver o dinheiro que não gastam connosco ser gasto em show-off, um país para inglês ver, e não queremos só por querer, queremos porque achamos que temos direito, que temos direitos, e temos deveres, temos muitos deveres e agora, o nosso dever principal é este: falarmos, exigirmos, exigirmo-nos, querermos, e em querermos podemos, em querermos podemos
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MG 2013

terça-feira, junho 18, 2013

se te instala o caos

parece-me que as coisas se começam a tornar cada vez mais claras: se ao menos sentíssemos que nos ouviam – ninguém nos ouve realmente – que escutavam as nossas preocupações –  quais são as nossas preocupações? – que se importavam com aquilo que estamos a sentir agora – o que é que estamos a sentir agora? – que pudessem levar em conta as nossas inquietações; se ao menos se apercebessem do nosso desconforto, da desilusão, do desencanto, da frustração, da relevância das nossas ideias, actualmente pousadas apenas num simples desejo de autonomia e de liberdade, de necessidade de um mundo melhor, de mais humanidade – as pessoas precisam de mais humanidade, de se libertar das ofensivas dos telejornais, da brutalidade urbana, deste mundo assente na violência visual, as pessoas precisam de se sentirem livres – sentes-te livre? – não precisam de jogos políticos, da disputa desenfreada pelo poder, as pessoas abominam estas democracias de algibeira, estes democratas, a hipocrisia de quem nos conduz – quem é que nos conduz realmente? – de se desenvencilhar destes senhores cheios de orientações económicas e liberais; nunca te esqueças que a palavra é uma arma, a tua palavra é uma arma, a tua prosa, a tua poesia, a tua capacidade de pensar, de fazer frente com o intelecto, mostra-lhes isso, mostra-te isso, enche-te disso, dessa fúria, desse desejo que as coisas mudem, ostenta a teu insatisfação, mostra que não há forma de te imporem nada, que não há barreiras, não há, ninguém te segura, porque tu és livre e tão depressa estás calmo e passivo como a seguir se te instala o caos, tão depressa estás calmo e passivo como a seguir se instala o caos
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MG 2013

sexta-feira, junho 14, 2013

nós desenhámos a tragédia

isto tudo só faz sentido – isto não faz sentido nenhum – quando nos lembramos que o mundo foi inventado por nós e para nós, o mundo foi inventado por nós e para nós, para sermos felizes, para que a vertigem acontecesse no exacto momento em que nos apercebêssemos disto que aqui se diz: que nunca estamos sozinhos, nós nunca estamos sozinhos – não estaremos sempre sozinhos? – e que entretanto continuamos todos aqui, os de agora e os que já partiram, para que quando nos sentíssemos empurrados pelo vento – às vezes sentimo-nos empurrados por todos, pelo vento, essa poderosa metáfora que nos posiciona no mundo, que nos faz perceber que nós próprios é que somos efémeros, e inventássemos outros nomes para as coisas, forjássemos memórias na expectativa de que tudo isto fosse remediável. mas isto não é remediável, a saudade consome-nos sempre, o tempo nunca volta para trás, os dias prescrevem – os dias nunca prescrevem, as noites nunca acabam - as noitesnunca acabavam sem que celebrássemos tudo quanto houvesse para celebrar. e havia muito para celebrar - celebremos, celebremos outra vez, abriguemo-nos no amor, naquela loucura antiga. porra, como tenho saudades daquela loucura antiga, dos dezoito, da irresponsabilidade, da ponte da sé que levava a sítio nenhum levando-nos a todo o lado, saudades da ria que estava sempre ali à mão numa espécie de cumplicidade, uma miragem, nós todas as noites deitados lado a lado, de cabeça para cima, para o céu, a ver as estrelas a parirem sonhos enquanto tudo isso já foi e já nada nos pertence, a nossa vida agora é um museu, a nossa vida é o que é, nós desenhámos a tragédia de nos tornarmos adultos, nós desenhámos a tragédia de nos tornarmos adultos
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MG 2013

terça-feira, junho 11, 2013

o dia de amanhã

talvez nem seja tão difícil assim, virarmos as costas e desligarmos, sintonizarmos uma outra frequência, admitirmos a incompatibilidade, a desarmonia, a desconexão no meio desta selva, na dissonância da vidinha de todos os dias: desalinhemo-nos, deformemo-nos, desformemo-nos, desenformemo-nos, mas afinal quem é que quer ser perfeito todos os dias, andar com um sorriso pálido só porque o protocolo de estarmos vivos assim o exige, quem é que quer ser coerente a toda a hora, quem é que gosta de riscas ao meio, eu não gosto, eu não sei, eu não quero, eu não faço questão de acordar penteadinho depois de um sonho, eu gosto é de me perder na demência de ter de ser eu próprio, eu quero é espreitar para lá do horizonte de mim próprio, olhar o abismo e saltar, cair no vazio, eu não quero saber se atinjo todos os dias os objectivos, se estou apto, se sou capaz, claro que sou capaz, se toda a gente me compreende – às vezes até falo mandarim, não é importante que sejamos claros, nós não queremos ser sempre claros, o erro também tem o seu interesse, a sombra, o lado negro das coisas, o lado escuro de nós próprios, a bruma, que pouca gente nos entenda, um bom livro é constituído por partes que primeiro não fazem sentido e depois nos atingem na cara, um poema explode-nos sempre na cara, as palavras estão sempre armadilhadas, as palavras são bombas, tal como a vida também está sempre minada: nós nunca sabemos o dia de amanhã, nós nunca sabemos o dia de amanhã, portanto, guardemos o melhor só para quem nos merece, o melhor só para quem nos merece
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mg 2013

sábado, junho 08, 2013

a morte no gerúndio

é preciso começar pelo princípio, é quase uma obrigação fundamental, a base de todas as coisas: tentarmos perceber a verdade sobre nós próprios, se somos verdadeiros, se não nos andamos a enganar, se queremos realmente ser quem somos - quem somos? - se vale a pena tudo isto, se estamos habilitados a ser nós próprios, se queremos ser nós próprios, és feliz? já te perguntaste se és realmente feliz, se estás bem contigo próprio, se não vives uma ilusão, um engano barato, já te questionaste se te basta seres quem julgas ser, quem tens sido, se te bastas a ti próprio, se te ficas por aí, não estarás em falta contigo próprio, com os teus, não te estará a escapar qualquer coisa, tens falado verdade contigo próprio ultimamente? tens sido sério? não te estarás a esquecer de qualquer coisa, do sonho, daquele sonho, de ti, do que prometeste a ti próprio aqui há tempos, sabes que tudo se dissipa, tudo isto se vai, tudo se acaba sem darmos por isso, não levamos nada daqui, nada de nada, isto passa tudo tão rápido, a morte no gerúndio, já dizia o herberto, a morte no gerúndio caraças, a verdade é essa: vamos morrendo todos os dias, vamos morrendo todos os dias, ao menos que morramos de pé, como as árvores
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MG 2013

sexta-feira, junho 07, 2013

o mar ao fundo

aprende-se muita coisa com certas pessoas, muitas vezes sem que tenhamos consciência imediata do valor daquilo que estamos a aprender, e continuo a dizer que um bom professor não é aquele que nos ensina muitas coisas que depois, mais tarde, se esquecem, um bom professor é aquele que não se limita a debitar informação, factos atrás de factos, coisas por cima de coisas, um bom professor ensina-nos a gostar, aponta-nos percursos possíveis, abre-nos janelas, um bom professor é capaz de nos mostrar a importância de qualquer coisa sem nos vender ou impor essa coisa, um bom professor ensina-nos a sentir as coisas e por entre tantos caminhos que me indicou, registo o imenso valor humano e o facto de ter sido um verdadeiro «algarvista», alguém que se debruçava todos os dias, em todos os momentos, sobre o algarve, esse bocado de terra que tanto gostava de incluir em todas as conversas, sempre presente no modo de reflectir – agradavelmente circular, e no jeito de falar – moço da vila, esse algarve que ele tanto gostava de defender, porque era o seu, esse algarve que era o nosso, esse algarve que tem o mar ao fundo, como gostava de repetir
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MG 2013

segunda-feira, junho 03, 2013

a barraca dos tiros

soube esta manhã que lhe chamavam a «barraca dos tiros», o espaço montado na saída norte de santa rita, local onde trabalho, aldeia da freguesia de vila nova de cacela, concelho de vila real de santo antónio, na fronteira com a conceição de tavira, terra muito bem frequentada há mais ou menos há 60 anos, durante as «curas de santa rita», um evento que acontecia no verão, com o pretexto de se tratarem as pessoas que sofriam de males nos ouvidos, e onde se instalava tudo o que era passível de ser comprado, vendido, negociado e apreciado, folia todo o santo dia e noite, festa rija, bailes, comes e bebes de vários tipos, vinho, muito vinho, bolos, homens e senhoras de todas as proveniências, meninos e meninas, sãos e menos válidos, burros e cavalos, animais de todo o tipo, carroças e carros de mula, tendas e barraquinhas. ainda hoje as anciãs da aldeia recordam com saudade essa festa que para ali se montava todos os anos, e se lembram da mítica «barraca dos tiros», que punha «os homens parvos» por causa das meninas do norte que nela se vinham instalar especialmente para a ocasião; de como nestes dias o raio das moças, belas e espadaúdas, montavam aquela banca para se ocuparem das carências sexuais dos (seus) homens
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MG 2013

NOVO LIVRO DE HERBERTO HELDER: O QUE INTERESSA É QUE VAI ESGOTAR

http://www.orgialiteraria.org/2013/06/novo-livro-de-herberto-helder-o-que.html