terça-feira, janeiro 24, 2006

Produções tradicionais II – A Tradição não significa cristalização

No último artigo que escrevi (Produções tradicionais – Um Mercado sem potencial? – JA, Nº2546) senti que dei a entender que o meu ponto de vista no que toca à temática das produções tradicionais defende que estas são melhores que as de produção industrial porque não inovam, são imutáveis e valem por isso mesmo. Estaria assim de acordo com uma perspectiva que defende a autenticidade da tradição produtiva devido à cristalização e antiguidade nos procedimentos. Não é de todo isso que defendo. Aquilo que proclamo encaminha-se exclusivamente no sentido de alertar para a carência de revitalização deste tipo de produções enquanto alternativa às produções industriais, a par de todos os outros factores referidos no artigo precedente. Quer um tipo de produção quer outro são necessários. Torna-se obvio que também estas produções de tipo tradicional precisam de inovar, de melhorar na sua tecnologia de produção e/ou qualidade, e, mais importante, na forma de se mostrarem – na sua promoção.
As produções tradicionais resultam de um saber-fazer aliado a um tipo de matéria prima. No entanto, já só esses dois factores não bastam para a sua sobrevivência. Estas têm sofrido bastante porque necessitam de estratégias promocionais adequadas e de investimento ao nível da produção. É aí que entra a necessidade de criação de uma rede que as defenda e apoie e, ao mesmo tempo, que possibilite uma mais fácil circulação pelos postos de venda, na tentativa de facilitar também a chegada ao consumidor.
Já muito pouca gente acha interessante comprar um cesto de verga simplesmente porque este resulta de uma produção de tipo tradicional. As pessoas tornaram-se mais exigentes e esse facto também ajuda na revitalização deste tipo de mercado. Mas também pode deitá-lo a baixo. E é por isso que estas produções necessitam de se renovar, sem que para isso percam o carácter tradicional. Ao nível da produção as técnicas podem bem ser as mesmas que antigamente mas os produtos é que precisam de ser outros, mais apelativos, quer pela inovação na qualidade, quer pela adaptação aos critérios do gosto actual. Falo por exemplo, como já havia referido no artigo anterior, nos produtos de design. Se o tal cesto de verga atrás referido for visualmente apelativo de certeza que muito mais facilmente se vende. As técnicas continuam a ser as mesmas que no antigamente, mas a apresentação do produto é que é diferente.
Pensemos no sal. Para além do sal extraído na região ser de altíssima qualidade (comparativamente com o de produção industrial), se este for correctamente promocionado, com um invólucro apelativo e com uma estratégia de mercado (auxiliada pela multiplicação dos postos de venda de produtos tradicionais, que começam a nascer), obviamente que se venderá muito melhor.
Com tudo isto quero apenas dizer que a tradição não vale pela inalterabilidade mas sim pela adaptação. A tradição já não é o que era...

Miguel Godinho

segunda-feira, janeiro 23, 2006

Do solo ao sul – A nova poesia algarvia

A música inundou a poesia, como se da fundição das duas se transcendesse a tradicional apresentação de uma obra escrita. Ao som da palavra “musicada” (alguns dos poemas que se apresentam na obra foram recitados ao som de composições musicais, criadas com o fim de suscitar ambientes / cenários poéticos) os presentes na apresentação desta “Antologia de novos poetas algarvios – Do solo ao sul”, oferecida no dia 20 de Janeiro na Biblioteca Municipal de Faro, puderam saborear esta mútua iluminação, provando da colaboração fascinante que este modelo criativo introduz. A palavra coloriu-se de um fundo melódico e a música ganhou, através da palavra, um lirismo diferente.
Ao sul, a poesia ganhou um fôlego renascido, atestando uma força crescente na vida cultural desta região e mostrando acima de tudo o nascimento da “nova” poesia algarvia e não da poesia “dos novos”. Esta assume-se na sua plenitude, vigorante, motivada e motivadora. É uma oferta do Algarve ao Algarve e resume-se numa palavra: luz.
Importa agradecer à Associação Recreativa e Cultural do Algarve [ARCA], a par de todas as outras entidades (nomeadamente a Faro – Capital Nacional da Cultura) que contribuíram para a realização deste projecto, devendo também salientar-se a importância desta nova actividade que é a acção editorial que a associação referida agora comporta. Facto que deve ser realçado tendo em conta o potencial criativo literário que existe na cidade e na região em si. Por isso mesmo, espera-se então que esta obra nascida na passada sexta-feira, se torne apenas na primeira de muitas e espera-se também que possa servir de estímulo criativo para todos os poetas e escritores que ainda não tornaram públicos os seus escritos.
Um grande bem haja aos autores e amigos – João Bentes, Pedro Afonso, Pedro Sousa, Ricardo Paulo e Ruben Gonçalves, pelo seu contributo enriquecedor à cultura, à região, aos espíritos, e à Dra. Maria Aliete Galhoz pelas excelentes apresentação e organização dos textos dos autores. È caso para dizer que uma nova geração de criadores algarvios está a ganhar forma...

Miguel Godinho

segunda-feira, janeiro 09, 2006

O Algarve

“Ultrapassada a Planície heróica de Manuel Ribeiro, o descampado de trigo ou os povoamentos artificiais de sobreiros; cansados os olhos das linhas rectas e das planura que ao longe se perde no horizonte, começam as pequenas elevações, chega-se a Almodôvar, atinge-se o alto do Caldeirão e eis o Algarve; eis a Província mais bela, mais alegre e mais característica de Portugal, onde o clima é mais ameno e onde o ar é mais leve e a vida mais despreocupada. A terra, exposta ao Sul, amorosamente banhada pela brisa do mar e afagada pelo calor do sol, cheira mais a terra; a flora, xerolífitica, compostas por plantas espinhosas, de folhas pequeninas, coreáceas, levada pela acção do homem ao estado de maquis ou de uma garrigue típica e aromática, exala por toda a Província um perfume característico, estonteante por vezes, que vem do alecrim, da murta, do rosmaninho, alfazema, do tomilho, da aroeira e do xaral viscoso e extenso da serra a que se junta o aroma das flores das amendoeiras e laranjeiras. As cores da terra são mais quentes e a beleza +e mais sensula e polícroma; o povo, de tez morena, é mais alegre, mais ardente e mais emotivo; tem menos preconceitos que no Norte e tem um ar acolhedor, franco e sociável aliado ao gosto de palrar, de rir e de cantar.”

Guerreiro, Manuel Gomes (1999) – O Litoral, o barrocal e a serra no ordenamento agro-florestal do Algarve, Faro, Edição da Direcção Regional de Agricultura do Algarve, p.14.