Esta escrita sou eu
Esta escrita é algo mais
que um conjunto de palavras
jogadas no papel,
é uma inquietação que sinto,
é um desejo de resgate de um tempo antigo,
uma necessidade de compreensão
do que me trouxe até aqui.
Esta escrita não é apenas a inocência
das palavras que a compõem,
não é indiferença
nem uma crítica à desconfiança de quem
vê neste hábito um propósito absurdo.
É a vontade de alguém que quer ler o mundo e
que se quer olhar de frente,
é o mais sincero intento de dizer
o que a boca não diz.
Esta escrita é o meu olhar,
é a minha boca nas minhas mãos,
é a minha voz no papel.
Esta escrita é a minha forma
de ouvir o que tenho a dizer
sobre mim próprio.
Esta escrita sou eu.
segunda-feira, dezembro 28, 2009
segunda-feira, dezembro 21, 2009
Um sítio a descobrir. Pela música, pela arte.
http://www.little-dragon.se/
Sobre os Little Dragon:
"On occasional full moons the pine trees would light up in neon auras of lime and turquoise and the ground would shake with a steady rumble. The tiny creature grew into a little dragon. It wrestled with the large wind sometimes. The heat of its breath would weave in with the cool air and make patterns in the sky. Although the creature was a powerful little beast it was light as a feather and would often sleep on the leaf flowing in the breeze.
And there it would dream in a dream. These dreams were without visuals and haunted by sounds. electric sounds and beats would pump its little heart and make her sleep walk around the forest like a ghost dancing in the night.
And the aching of this lonely creatures heart would be reflected in bittersweet melodies both haunting and happy."
By Ulla Tom Tom
http://www.little-dragon.se/
Sobre os Little Dragon:
"On occasional full moons the pine trees would light up in neon auras of lime and turquoise and the ground would shake with a steady rumble. The tiny creature grew into a little dragon. It wrestled with the large wind sometimes. The heat of its breath would weave in with the cool air and make patterns in the sky. Although the creature was a powerful little beast it was light as a feather and would often sleep on the leaf flowing in the breeze.
And there it would dream in a dream. These dreams were without visuals and haunted by sounds. electric sounds and beats would pump its little heart and make her sleep walk around the forest like a ghost dancing in the night.
And the aching of this lonely creatures heart would be reflected in bittersweet melodies both haunting and happy."
By Ulla Tom Tom
domingo, dezembro 20, 2009
Ainda que imaginemos mundos (16)
Merecemos ao menos
uma parcela de contentamento
nesta infelicidade de estarmos vivos
por agora deixem-nos
apenas ser quem somos
nem que para isso tenhamos de inventar
uma verdade mal alinhada
Nesta incerteza do amanhã
uma angústia pela impossibilidade
de retorno a uma inocência fugitiva
e o desejo de irrealidade
a toda a hora, a todo o instante.
Lembro-me de um dia
alguém dizer que seria fácil
mas de repente ficámos sozinhos
e esquecemos que seriamos
eternas crianças rebeldes
ou impúberes adultos
numa perpetua negação
De repente a vida faz algum sentido ao som de:
Wild beasts
"All the King's men"
Merecemos ao menos
uma parcela de contentamento
nesta infelicidade de estarmos vivos
por agora deixem-nos
apenas ser quem somos
nem que para isso tenhamos de inventar
uma verdade mal alinhada
Nesta incerteza do amanhã
uma angústia pela impossibilidade
de retorno a uma inocência fugitiva
e o desejo de irrealidade
a toda a hora, a todo o instante.
Lembro-me de um dia
alguém dizer que seria fácil
mas de repente ficámos sozinhos
e esquecemos que seriamos
eternas crianças rebeldes
ou impúberes adultos
numa perpetua negação
De repente a vida faz algum sentido ao som de:
Wild beasts
"All the King's men"
sábado, dezembro 19, 2009
sexta-feira, dezembro 18, 2009
Um poema de um poeta esquecido de Cacela:
Desilusão
Para quê altos troféus, glória dourada?
Se jamais hei-de, um dia, possuir,
No meu incerto e árido porvir,
A companheira ideal, a Desejada?
Se, em nossa curta ou longa caminhada,
Só do pequeno ou grande amor o rir
É o único bem que faz brotar, florir
Graça etérea, em eterna madrugada!
Que, em eflúvios, arroubos de ternura,
Desce suavemente ao coração,
Ungindo-o de prazer e de ventura.
Tudo o mais é poeira, é ilusão,
Que, ao mais leve sinal, se transfigura
A emergir-nos da dor na escuridão.
Adolfo C. Gago
Desilusão
Para quê altos troféus, glória dourada?
Se jamais hei-de, um dia, possuir,
No meu incerto e árido porvir,
A companheira ideal, a Desejada?
Se, em nossa curta ou longa caminhada,
Só do pequeno ou grande amor o rir
É o único bem que faz brotar, florir
Graça etérea, em eterna madrugada!
Que, em eflúvios, arroubos de ternura,
Desce suavemente ao coração,
Ungindo-o de prazer e de ventura.
Tudo o mais é poeira, é ilusão,
Que, ao mais leve sinal, se transfigura
A emergir-nos da dor na escuridão.
Adolfo C. Gago
terça-feira, dezembro 15, 2009
Ainda que imaginemos mundos (15)
Vou querer sentir-te sempre assim
mesmo que um dia o mundo desabe
espero que esta minha dor nunca te caia em cima
e que o rigor que em nós nunca floresceu
não te faça sentir que o teu nome não me pertenceu
Evidentemente que renasço sempre da cicatriz
de teus lábios, essa marca intemporal
enquanto te sinto crescer todos os dias
a toda a hora, na memória
e te imagino na sombra, no oriente desta ilusão
Às vezes esqueço-me
que ainda que engendre histórias
existirás sempre na nostalgia dos meus sonhos,
numa verdade intemporal
Vou querer sentir-te sempre assim
mesmo que um dia o mundo desabe
espero que esta minha dor nunca te caia em cima
e que o rigor que em nós nunca floresceu
não te faça sentir que o teu nome não me pertenceu
Evidentemente que renasço sempre da cicatriz
de teus lábios, essa marca intemporal
enquanto te sinto crescer todos os dias
a toda a hora, na memória
e te imagino na sombra, no oriente desta ilusão
Às vezes esqueço-me
que ainda que engendre histórias
existirás sempre na nostalgia dos meus sonhos,
numa verdade intemporal
segunda-feira, dezembro 14, 2009
Ainda que imaginemos mundos (14)
O mal foi nunca ter tido a capacidade de acreditar,
acreditar em si, acreditar nos outros, acreditar no que a vida
lhe pudesse um dia vir a trazer, acreditar, tão somente acreditar
o mal talvez tivesse sido ele próprio, uma ameaça para si próprio:
tudo na vida sempre lhe pareceu uma inutilidade
uma violenta carência trazia-lhe constantemente à memória
uma revolta antiga e a necessidade de se reprovar,
de reprovar os outros, de reprovar tudo aquilo que a vida
lhe pudesse um dia vir a trazer, de reprovar, tão somente reprovar
o mal talvez também estivesse nos outros,
uma ameaça para si próprio:
tudo na vida sempre lhe pareceu uma futilidade
e assim viveu cansado de tudo, de si próprio,
dos outros, da vida, desse mal de nunca
ter conseguido ser o que talvez pudesse ter sido
se ao menos tivesse tentado
Bon Iver - "The wolves Act I & II"
Jagjaguwar Records
O mal foi nunca ter tido a capacidade de acreditar,
acreditar em si, acreditar nos outros, acreditar no que a vida
lhe pudesse um dia vir a trazer, acreditar, tão somente acreditar
o mal talvez tivesse sido ele próprio, uma ameaça para si próprio:
tudo na vida sempre lhe pareceu uma inutilidade
uma violenta carência trazia-lhe constantemente à memória
uma revolta antiga e a necessidade de se reprovar,
de reprovar os outros, de reprovar tudo aquilo que a vida
lhe pudesse um dia vir a trazer, de reprovar, tão somente reprovar
o mal talvez também estivesse nos outros,
uma ameaça para si próprio:
tudo na vida sempre lhe pareceu uma futilidade
e assim viveu cansado de tudo, de si próprio,
dos outros, da vida, desse mal de nunca
ter conseguido ser o que talvez pudesse ter sido
se ao menos tivesse tentado
Bon Iver - "The wolves Act I & II"
Jagjaguwar Records
terça-feira, dezembro 08, 2009
Ainda que imaginemos mundos (13)
É quase noite. E na derradeira claridade do dia
uma fadiga invisível perturba a paz de uma memória inocente:
tu diante de mim, como se fossemos eternos.
Tudo aconteceu numa dormência antiga,
às vezes parece que em resultado de uma vontade alheia.
Estes últimos raios de luz cintilam no horizonte
e ofuscam-me o olhar, mas ainda vejo, lá longe, o mar.
Consigo escutar o som das ondas e o rumor dos pássaros:
um cenário que me traz de volta
o teu olhar mortífero, aquele olhar de sangue.
Tanto havia para dizer. Mas eu não sabia dizer.
Como haveria de saber dizer aquilo que só agora sei dizer?
Há uma obscuridade remota nas memórias que tenho de ti
que sempre regressa nesta altura do ano,
quando os dias se tornam menores e a luz do dia fica mais frouxa.
Recordo-me num silêncio irreal, como num sonho antigo.
Mas as imagens são tão claras e translúcidas
e os contornos da tua face tão nítidos.
Queria dizer-te palavras de amor, dizer-te que
ainda te sinto da mesma forma, dizer-te que continuas aqui
e que esse carinho que só tu me sabias dar
está tão presente quanto esta imagem que agora regressa, outra vez.
Eu devia ter uns oito anos e tu, uns vinte e quatro.
Foi um final de ano frio, aquele, e no turbilhão da memória
ainda consigo sentir a chuva a invadir-me o cabelo.
É impressionante como a percepção que tenho do momento
consegue até trazer-me o teu cheiro de volta:
uma mistura de âmbar e lavanda,
um cheiro antigo e ondulante de um amor materno e primeiro,
nem sei bem como explicar. Sei apenas que era verdadeiro,
tão verdadeiro quanto esta memória.
Recordo-me de tudo na perfeição e imagino-te de novo aqui
mas reconheço a impossibilidade. Partiste sem aviso,
sem nada dizer, sem um último adeus.
Como dói agora, a tua ausência.
É quase noite. E na derradeira claridade do dia
uma fadiga invisível perturba a paz de uma memória inocente:
tu diante de mim, como se fossemos eternos.
Tudo aconteceu numa dormência antiga,
às vezes parece que em resultado de uma vontade alheia.
Estes últimos raios de luz cintilam no horizonte
e ofuscam-me o olhar, mas ainda vejo, lá longe, o mar.
Consigo escutar o som das ondas e o rumor dos pássaros:
um cenário que me traz de volta
o teu olhar mortífero, aquele olhar de sangue.
Tanto havia para dizer. Mas eu não sabia dizer.
Como haveria de saber dizer aquilo que só agora sei dizer?
Há uma obscuridade remota nas memórias que tenho de ti
que sempre regressa nesta altura do ano,
quando os dias se tornam menores e a luz do dia fica mais frouxa.
Recordo-me num silêncio irreal, como num sonho antigo.
Mas as imagens são tão claras e translúcidas
e os contornos da tua face tão nítidos.
Queria dizer-te palavras de amor, dizer-te que
ainda te sinto da mesma forma, dizer-te que continuas aqui
e que esse carinho que só tu me sabias dar
está tão presente quanto esta imagem que agora regressa, outra vez.
Eu devia ter uns oito anos e tu, uns vinte e quatro.
Foi um final de ano frio, aquele, e no turbilhão da memória
ainda consigo sentir a chuva a invadir-me o cabelo.
É impressionante como a percepção que tenho do momento
consegue até trazer-me o teu cheiro de volta:
uma mistura de âmbar e lavanda,
um cheiro antigo e ondulante de um amor materno e primeiro,
nem sei bem como explicar. Sei apenas que era verdadeiro,
tão verdadeiro quanto esta memória.
Recordo-me de tudo na perfeição e imagino-te de novo aqui
mas reconheço a impossibilidade. Partiste sem aviso,
sem nada dizer, sem um último adeus.
Como dói agora, a tua ausência.
quinta-feira, novembro 26, 2009
Crónica publicada no Jornal do Baixo Guadiana (Dezembro 2009)
Os nossos dias
Perguntaram-me há dias se estava disposto a escrever para este jornal uma crónica sobre o livro de poesia que editei há pouco tempo. A princípio não achei muito boa ideia porque poderia parecer que queria explicá-lo e, como saberão, um livro de poesia não se explica. No entanto, como dei uma entrevista há pouco tempo para outro jornal, pensei pegar, como ponto de partida, em algumas afirmações que constam na mesma e desenvolver as ideias que, no fundo, estão na base daquilo que o livro trata. Isto dito assim, parece que não me largam, o que não é verdade, que fique bem claro. Nem sei tão pouco se essa mesma entrevista saiu cá para fora (adoro esta expressão: sair para fora) porque não me avisaram em que número seria publicada nem se o jornal existe mesmo, pois nunca tinha ouvido falar dele…Mas adiante.
O livro, que é o meu primeiro, na sua essência, grita que somos iguais todos os dias, e é isso que realmente nos incomoda, que incomoda a minha geração. Parece-nos que a vida é assim e que será sempre assim: monótona e aborrecida. É um mal desta geração que nasceu e cresceu sem preocupações de maior. Estamos enfadados e movemo-nos por vontades cujas motivações desconhecemos. Poderá então dizer-se que o que deste livro (e também desta crónica) saiu resulta nem sei bem do quê, da vida, talvez, da realidade, do sonho ou da falta dele. Talvez seja esse o grande problema da minha geração: a falta de um sonho maior. Pediram-me que escrevesse e foi isto que me apeteceu dizer, peço-vos desculpa. Aliás, é sempre isto que me apetece dizer: não sabemos muito bem - a minha geração não sabe muito bem - o que andamos aqui a fazer. Talvez apenas à espera de nós próprios.
A propósito da minha geração pouca coisa haverá a dizer. Vivemos divididos por uma apatia causada pelo vazio de um mundo de rotinas angustiantes (porque nunca as tivemos nem quem nos ensinasse a tê-las), um mundo carregado de estímulos e cada vez mais virtual e outro que ficou lá atrás algures no passado e que não volta mais. A juventude perdida, as loucuras adolescentes, a vida.
Os trinta acontecem agora num momento sério de transição dessa “vida” para a “vidinha”. De repente somos adultos, sérios e responsáveis e nunca ninguém nos ensinou a interiorizar a necessidade de assim o sermos. A arrogância, a inveja e a hipocrisia que reinam neste mundo real do dia-a-dia a vir ao de cima e nós desarmados. E sofremos porque o interessante da vida ficou na adolescência, no mundo dos sonhos inocentes. Perguntam-me então o que se pode esperar da vida e deste livro que agora editei: talvez um livro negro mas não derrotista, provavelmente apenas um livro de confronto comigo próprio e pouco mais. A vida a olhar-me nos olhos. A vida transposta para o papel. Os trinta que já não são os vinte e muito menos os dezoito. Mas são quase. Os quarenta serão assim também. Será?
Desde que me lembro, a minha escrita sempre funcionou como uma espécie de auto-terapia. Sempre escrevi para dizer a mim próprio. E, nesse sentido, acho que este livro foi, como não poderia deixar de ser, mais uma tentativa de procura interior, uma tentativa de chegar àquilo que realmente sou, de questionamento daquilo que me faz feliz, daquilo que fui e do que quero ser. Acho que faz falta pensarmo-nos mais, questionarmo-nos, olharmo-nos ao espelho, para que percebamos com mais clareza quem somos, de onde vimos, para onde queremos ir. Essa procura pode ser às vezes uma tarefa complicada: podemos deparar-nos com aquilo que durante muito tempo não quisemos ver. Mas servirá sempre para nos situarmos melhor na realidade em que nos inserimos. Do confronto entre aquilo que acontece no dia-a-dia com a memória, dá-se o choque e é por isso que o livro é composto por duas partes: “Os nossos dias” seguido de “Os lugares antigos”. É a partir do choque resultante do confronto desses dois momentos que nos situamos na vida. É disso que fala a minha poesia e é disso que fala o livro.
De repente temos trinta e somos exactamente a mesma pessoa. A questão é que agora já estamos integrados num mundo completamente diferente: a determinada altura apercebemo-nos de uma maneira violentíssima que este mundo das pessoas adultas, distintas, sérias e responsáveis é um mundo agressivo, é um mundo de brilhantinas. E, no fundo, a grande dificuldade da vida (e a minha grande dificuldade, ultimamente) é lidar com isso, é integrar-me nesse mundo, nesse mundo do qual também faço parte, do qual sou parte.
Apesar de agora publicar este livro, acho que pouco sei sobre literatura, não tanto como queria. Gosto de ler e leio o que vem ao meu encontro. E, como disse, escrevo porque sinto necessidade de dizer a mim próprio. Conheço alguma coisa dos clássicos mas o que gosto mesmo é dos poetas franceses do final do século XIX e dos portugueses do século XX. Há também muito bons poetas portugueses ainda vivos e em acção, muitos fazem parte da minha geração, e falam de temas com os quais me identifico: do tédio, da dissimulação, do absurdo, da vida. Aos trinta anos (outra vez a história dos trinta) já conheci grandes poetas que nunca pegaram numa caneta. Tenho grandes amigos que são dos maiores poetas que já conheci, e nem sequer sabem que «há» de «haver» se escreve com «h». Acho que a poesia existe nos olhos de quem a vê e sente, não na caneta de quem a escreve e, nesse sentido, sinto-me bem por ter sido capaz de pôr no papel aquilo que sinto, sem pretensões.
Para terminar, poderei dizer que o livro terá uma conclusão implícita: por causa da perda irreparável da adolescência, da impossibilidade de retorno aos sonhos da juventude, haverá sempre um vazio que nos acompanha, um vazio para a vida. Seremos sempre nós a olharmos para nós e, como diria Ruy Belo, sempre cães “fustigado(s) a farejar a fuga / desta diária saga que nos suga”. Só nos resta um caminho: o de tentarmos ser felizes, pelo menos aos olhos de nós próprios. Os outros dirão de sua justiça, se quiserem. E nós acreditamos ou somos felizes. Das duas, uma.
Perguntaram-me há dias se estava disposto a escrever para este jornal uma crónica sobre o livro de poesia que editei há pouco tempo. A princípio não achei muito boa ideia porque poderia parecer que queria explicá-lo e, como saberão, um livro de poesia não se explica. No entanto, como dei uma entrevista há pouco tempo para outro jornal, pensei pegar, como ponto de partida, em algumas afirmações que constam na mesma e desenvolver as ideias que, no fundo, estão na base daquilo que o livro trata. Isto dito assim, parece que não me largam, o que não é verdade, que fique bem claro. Nem sei tão pouco se essa mesma entrevista saiu cá para fora (adoro esta expressão: sair para fora) porque não me avisaram em que número seria publicada nem se o jornal existe mesmo, pois nunca tinha ouvido falar dele…Mas adiante.
O livro, que é o meu primeiro, na sua essência, grita que somos iguais todos os dias, e é isso que realmente nos incomoda, que incomoda a minha geração. Parece-nos que a vida é assim e que será sempre assim: monótona e aborrecida. É um mal desta geração que nasceu e cresceu sem preocupações de maior. Estamos enfadados e movemo-nos por vontades cujas motivações desconhecemos. Poderá então dizer-se que o que deste livro (e também desta crónica) saiu resulta nem sei bem do quê, da vida, talvez, da realidade, do sonho ou da falta dele. Talvez seja esse o grande problema da minha geração: a falta de um sonho maior. Pediram-me que escrevesse e foi isto que me apeteceu dizer, peço-vos desculpa. Aliás, é sempre isto que me apetece dizer: não sabemos muito bem - a minha geração não sabe muito bem - o que andamos aqui a fazer. Talvez apenas à espera de nós próprios.
A propósito da minha geração pouca coisa haverá a dizer. Vivemos divididos por uma apatia causada pelo vazio de um mundo de rotinas angustiantes (porque nunca as tivemos nem quem nos ensinasse a tê-las), um mundo carregado de estímulos e cada vez mais virtual e outro que ficou lá atrás algures no passado e que não volta mais. A juventude perdida, as loucuras adolescentes, a vida.
Os trinta acontecem agora num momento sério de transição dessa “vida” para a “vidinha”. De repente somos adultos, sérios e responsáveis e nunca ninguém nos ensinou a interiorizar a necessidade de assim o sermos. A arrogância, a inveja e a hipocrisia que reinam neste mundo real do dia-a-dia a vir ao de cima e nós desarmados. E sofremos porque o interessante da vida ficou na adolescência, no mundo dos sonhos inocentes. Perguntam-me então o que se pode esperar da vida e deste livro que agora editei: talvez um livro negro mas não derrotista, provavelmente apenas um livro de confronto comigo próprio e pouco mais. A vida a olhar-me nos olhos. A vida transposta para o papel. Os trinta que já não são os vinte e muito menos os dezoito. Mas são quase. Os quarenta serão assim também. Será?
Desde que me lembro, a minha escrita sempre funcionou como uma espécie de auto-terapia. Sempre escrevi para dizer a mim próprio. E, nesse sentido, acho que este livro foi, como não poderia deixar de ser, mais uma tentativa de procura interior, uma tentativa de chegar àquilo que realmente sou, de questionamento daquilo que me faz feliz, daquilo que fui e do que quero ser. Acho que faz falta pensarmo-nos mais, questionarmo-nos, olharmo-nos ao espelho, para que percebamos com mais clareza quem somos, de onde vimos, para onde queremos ir. Essa procura pode ser às vezes uma tarefa complicada: podemos deparar-nos com aquilo que durante muito tempo não quisemos ver. Mas servirá sempre para nos situarmos melhor na realidade em que nos inserimos. Do confronto entre aquilo que acontece no dia-a-dia com a memória, dá-se o choque e é por isso que o livro é composto por duas partes: “Os nossos dias” seguido de “Os lugares antigos”. É a partir do choque resultante do confronto desses dois momentos que nos situamos na vida. É disso que fala a minha poesia e é disso que fala o livro.
De repente temos trinta e somos exactamente a mesma pessoa. A questão é que agora já estamos integrados num mundo completamente diferente: a determinada altura apercebemo-nos de uma maneira violentíssima que este mundo das pessoas adultas, distintas, sérias e responsáveis é um mundo agressivo, é um mundo de brilhantinas. E, no fundo, a grande dificuldade da vida (e a minha grande dificuldade, ultimamente) é lidar com isso, é integrar-me nesse mundo, nesse mundo do qual também faço parte, do qual sou parte.
Apesar de agora publicar este livro, acho que pouco sei sobre literatura, não tanto como queria. Gosto de ler e leio o que vem ao meu encontro. E, como disse, escrevo porque sinto necessidade de dizer a mim próprio. Conheço alguma coisa dos clássicos mas o que gosto mesmo é dos poetas franceses do final do século XIX e dos portugueses do século XX. Há também muito bons poetas portugueses ainda vivos e em acção, muitos fazem parte da minha geração, e falam de temas com os quais me identifico: do tédio, da dissimulação, do absurdo, da vida. Aos trinta anos (outra vez a história dos trinta) já conheci grandes poetas que nunca pegaram numa caneta. Tenho grandes amigos que são dos maiores poetas que já conheci, e nem sequer sabem que «há» de «haver» se escreve com «h». Acho que a poesia existe nos olhos de quem a vê e sente, não na caneta de quem a escreve e, nesse sentido, sinto-me bem por ter sido capaz de pôr no papel aquilo que sinto, sem pretensões.
Para terminar, poderei dizer que o livro terá uma conclusão implícita: por causa da perda irreparável da adolescência, da impossibilidade de retorno aos sonhos da juventude, haverá sempre um vazio que nos acompanha, um vazio para a vida. Seremos sempre nós a olharmos para nós e, como diria Ruy Belo, sempre cães “fustigado(s) a farejar a fuga / desta diária saga que nos suga”. Só nos resta um caminho: o de tentarmos ser felizes, pelo menos aos olhos de nós próprios. Os outros dirão de sua justiça, se quiserem. E nós acreditamos ou somos felizes. Das duas, uma.
Miguel Godinho
O livro “Os nossos dias seguido de Os lugares antigos” foi editado pela Editora 4 Águas em Agosto de 2009.
terça-feira, novembro 24, 2009
Ainda que imaginemos mundos (12)
E apesar da densa nuvem negra
que solenementente abria a manhã
o teu olhar inaugurava a claridade
numa enorme interpelação de dor.
Via-te junto a mim, como numa paisagem alva
de um outro mundo
e não, não desejava essa realidade em que falecia
a todo o instante.
Era duro sermos nós a toda a hora,
ainda é duro sermos nós
mas e agora? O que fazer quando nos apercebemos
que nada mais subsiste
para além da melancolia?
Miguel Godinho
E apesar da densa nuvem negra
que solenementente abria a manhã
o teu olhar inaugurava a claridade
numa enorme interpelação de dor.
Via-te junto a mim, como numa paisagem alva
de um outro mundo
e não, não desejava essa realidade em que falecia
a todo o instante.
Era duro sermos nós a toda a hora,
ainda é duro sermos nós
mas e agora? O que fazer quando nos apercebemos
que nada mais subsiste
para além da melancolia?
Miguel Godinho
segunda-feira, novembro 23, 2009
Ainda que imaginemos mundos (11)
Enquanto grito o silêncio desta evidente submissão
prostro-me vergo-me deito-me calo-me
de frente para ti imagino-me eu outra vez
mas na revolta amarga da memória,
o cenário animal
sempre o cenário animal
É estranho como ainda assim
desejo o regresso dessa ausência elegante
e uma outra verdade que aquiete o cilício.
Eu num novo eu
ou a vida num mundo ao contrário
Miguel Godinho
Enquanto grito o silêncio desta evidente submissão
prostro-me vergo-me deito-me calo-me
de frente para ti imagino-me eu outra vez
mas na revolta amarga da memória,
o cenário animal
sempre o cenário animal
É estranho como ainda assim
desejo o regresso dessa ausência elegante
e uma outra verdade que aquiete o cilício.
Eu num novo eu
ou a vida num mundo ao contrário
Miguel Godinho
quarta-feira, novembro 18, 2009
Este sábado lá estarei no Campo Pequeno.
(...)
Toy-like people make me boy-like
Toy-like people make me boy-like
They're invisible, when the trip it flips
They get physical, way below my lips
And everything you got hoi-poloi like
Now you're lost and you're lethal
And now's about the time you gotta leave all
These good people...dream on
(...)
sábado, novembro 14, 2009
sexta-feira, novembro 13, 2009
Ainda que imaginemos mundos (9)
É uma guerra sensível:
os teus olhos nos meus
enquanto a recordação de que há idades
cor de rubi e um fogo pueril acontecem
fora do tempo, dentro de nós
no esplendor da vida delicada das mulheres
e de uma amarga demência
de sermos homens juvenis
para sempre
e o calor dos teus lábios
nesta treva intemporal
apenas prova que é uma guerra sensível:
os teus olhos nos meus
Miguel Godinho
É uma guerra sensível:
os teus olhos nos meus
enquanto a recordação de que há idades
cor de rubi e um fogo pueril acontecem
fora do tempo, dentro de nós
no esplendor da vida delicada das mulheres
e de uma amarga demência
de sermos homens juvenis
para sempre
e o calor dos teus lábios
nesta treva intemporal
apenas prova que é uma guerra sensível:
os teus olhos nos meus
Miguel Godinho
terça-feira, novembro 10, 2009
Ainda que imaginemos mundos* (8)
Se ao menos um incêndio
pudesse aliviar os nossos nomes
inscritos nestas manhãs de sangue
e a memória não pousasse sobre as palavras
viveríamos menos ausentes
não concordas meu amor?
Isto a vida é só um jogo de paciência e de cintura
neste caminho abreviado.
Sabes, todos os dias parece que acordo cansado
depois de longas noites de tensões
e nunca te sinto aqui
* O conjunto passou a ter agora esta designação, em substituição d' "Os mesmos dias"
Se ao menos um incêndio
pudesse aliviar os nossos nomes
inscritos nestas manhãs de sangue
e a memória não pousasse sobre as palavras
viveríamos menos ausentes
não concordas meu amor?
Isto a vida é só um jogo de paciência e de cintura
neste caminho abreviado.
Sabes, todos os dias parece que acordo cansado
depois de longas noites de tensões
e nunca te sinto aqui
* O conjunto passou a ter agora esta designação, em substituição d' "Os mesmos dias"
terça-feira, outubro 27, 2009
Os mesmos dias (7)
Por favor impeçam-nos de viver
neste mundo que se anuncia
não consintam o que de novo aí vem
arredem-nos daqui, levem-nos convosco
ou pelo menos permitam-nos a vida
enquanto rasgamos os olhos
na procura dessa outra realidade
andamos sempre tão sumidos
não descobrimos a passagem
para essoutro mundo perdido
que alguém jurou existir
(não este que se anuncia)
diante desta ilusão
rosáceas repletas de espinhos
haverá algo tão profundo
que nem um sonho consiga abarcar?
(não este mundo que se anuncia)
nós a querermos ser só nós
nós a querermos ser só nós
nós a querermos ser só nós
quantas vezes será necessário repetir?
(não neste mundo que se anuncia)
Miguel Godinho
Por favor impeçam-nos de viver
neste mundo que se anuncia
não consintam o que de novo aí vem
arredem-nos daqui, levem-nos convosco
ou pelo menos permitam-nos a vida
enquanto rasgamos os olhos
na procura dessa outra realidade
andamos sempre tão sumidos
não descobrimos a passagem
para essoutro mundo perdido
que alguém jurou existir
(não este que se anuncia)
diante desta ilusão
rosáceas repletas de espinhos
haverá algo tão profundo
que nem um sonho consiga abarcar?
(não este mundo que se anuncia)
nós a querermos ser só nós
nós a querermos ser só nós
nós a querermos ser só nós
quantas vezes será necessário repetir?
(não neste mundo que se anuncia)
Miguel Godinho
quinta-feira, outubro 22, 2009
(…) Esta noite os teus passos irromperam outra vez, desconcertados, na minha direcção. É estranho como os teus tentáculos me protegeram um dia. Tolheste-me a vida para sempre mas lá regressarei outra vez, desfeito. É estranho.
Agora circulo na solidão. E tu regressas sempre assim, pela calada, e eu permito a tua ausência e sou feliz porque... sinto-me vivo nestas tuas investidas nocturnas em que me atacas. Existo só nestes dias de inoperância mas ainda te imagino aqui, da mesma forma, intemporal. Onde habitas que eu já não sei? Já nada sei sobre nós…
A verdade é que a tua face ainda dirige os meus sonhos e eu de medo vou dissolvendo a escuridão desta quimera com o suor que me brota do olhar. E o teu olhar fora do tempo, como um projéctil perdido... Ah, o teu olhar... (…)
Agora circulo na solidão. E tu regressas sempre assim, pela calada, e eu permito a tua ausência e sou feliz porque... sinto-me vivo nestas tuas investidas nocturnas em que me atacas. Existo só nestes dias de inoperância mas ainda te imagino aqui, da mesma forma, intemporal. Onde habitas que eu já não sei? Já nada sei sobre nós…
A verdade é que a tua face ainda dirige os meus sonhos e eu de medo vou dissolvendo a escuridão desta quimera com o suor que me brota do olhar. E o teu olhar fora do tempo, como um projéctil perdido... Ah, o teu olhar... (…)
segunda-feira, outubro 19, 2009
Os mesmos dias (6)
Que silêncio é este que putrifica a ideia
e que memória é esta que resvala em silêncio
os silêncios aliviam sempre os meus dias ricos de
um cantar mudo e de medo apodreço
juntamente com a memória
ver-te ao longe, ver-te ao longe tão longe de mim
e varrer-te de mim para longe de mim, mais uma vez
estavas sempre junto de mim quando tudo desabava
e agora dizes-me que te tornaste eterna
lá longe enquanto a chuva lava o teu olhar
e eu me esqueço de nós
por agora
Miguel Godinho
Que silêncio é este que putrifica a ideia
e que memória é esta que resvala em silêncio
os silêncios aliviam sempre os meus dias ricos de
um cantar mudo e de medo apodreço
juntamente com a memória
ver-te ao longe, ver-te ao longe tão longe de mim
e varrer-te de mim para longe de mim, mais uma vez
estavas sempre junto de mim quando tudo desabava
e agora dizes-me que te tornaste eterna
lá longe enquanto a chuva lava o teu olhar
e eu me esqueço de nós
por agora
Miguel Godinho
domingo, outubro 18, 2009
terça-feira, outubro 13, 2009
Próxima apresentação do livro "Os nossos dias"
Por João Bentes
Seguida de:
Encenação de poemas por Rui Cabrita
Projecção multimédia por Daniel Almeida
Local:
Pátio de Letras
Sexta-feira - 16.10.2009 - 21h30
Consulte programa aqui.
Por João Bentes
Seguida de:
Encenação de poemas por Rui Cabrita
Projecção multimédia por Daniel Almeida
Local:
Pátio de Letras
Sexta-feira - 16.10.2009 - 21h30
Consulte programa aqui.
quinta-feira, outubro 08, 2009
Os mesmos dias (5)
Como balas, as palavras quietas, os sons silenciosos,
aquela mudez mortífera – é esta a verdadeira guerra dos dias:
os gritos da tua, da minha, da nossa dor
que escondemos para não magoar
Vivemos calados com tanto para dizer
e nestes silêncios impotentes
desejamos o que por entre dentes não falamos
para não ferir
enquanto morremos
O sonho: uma fuga desta gruta onde ninguém nos escuta,
onde não temos voz.
Não nos sentimos vivos assim.
Não somos aquilo que um dia sonhámos ser
mas não sabemos dizê-lo
http://www.youtube.com/watch?v=uKTcJqkfzNU
Miguel Godinho
Como balas, as palavras quietas, os sons silenciosos,
aquela mudez mortífera – é esta a verdadeira guerra dos dias:
os gritos da tua, da minha, da nossa dor
que escondemos para não magoar
Vivemos calados com tanto para dizer
e nestes silêncios impotentes
desejamos o que por entre dentes não falamos
para não ferir
enquanto morremos
O sonho: uma fuga desta gruta onde ninguém nos escuta,
onde não temos voz.
Não nos sentimos vivos assim.
Não somos aquilo que um dia sonhámos ser
mas não sabemos dizê-lo
http://www.youtube.com/watch?v=uKTcJqkfzNU
Miguel Godinho
terça-feira, setembro 22, 2009
sábado, setembro 19, 2009
Todas as minhas palavras vão desaguar em ti. Todos os meus textos são o teu olhar. Ainda e sempre o teu olhar. Como desligar-me dele, dessa tua voz frouxa? Quase sempre acordo em ti, transpirado, como se fosse impossível dizer alguma coisa sem que me interrompas a chorar. “Não parti Miguel, não parti Miguel, não parti”. Bem sei que não. Ninguém me olhou nunca da forma que tu me olhaste, é verdade. Talvez por isso nunca tenhas realmente falecido. Por causa desse teu olhar frágil, dessa tua voz débil que teima em regressar. Escrevo como se te deitasse a meu lado outra vez. Escrevo para te sentir aqui, outra vez aqui. Escrevo para que nunca te vás. Para que nunca te vás.
Miguel Godinho
Miguel Godinho
terça-feira, setembro 08, 2009
quarta-feira, agosto 26, 2009
Um poema de Pedro Afonso, a propósito do meu livro:
Um dia sentiu-se
o que era possível viver
e isso fugiu para sempre
Pedro Afonso
Um dia sentiu-se
o que era possível viver
e isso fugiu para sempre
Pedro Afonso
terça-feira, agosto 25, 2009
AQUI poderão ler o texto de apresentação do livro
"Os nossos dias seguido de Os lugares antigos"
Editora 4 Águas
Por Pedro Afonso
Feira do livro de Faro, 14 de Agosto 2009
"Os nossos dias seguido de Os lugares antigos"
Editora 4 Águas
Por Pedro Afonso
Feira do livro de Faro, 14 de Agosto 2009
quarta-feira, agosto 19, 2009
O abismo expõe a sua perfeição
O abismo expõe a sua perfeição
sempre que o contemplamos bem lá de cima
de olhos cerrados sem medo da miséria
sem medo de nos olharmos nos nossos próprios olhos
Nada mais grandioso que a imensidão
desse infinito em que nos perdemos
sempre que procuramos as respostas
que nunca ninguém nos soube dar
É então que nas escolhas que fizemos
entendemos a nossa vida, o nosso lugar,
a nossa dor, a tua cara, longínqua
cada vez mais distante
Hoje como ontem carregamos o fardo
destes dias que se acertam sem que tenhamos
uma palavra a dizer
ninguém pediu para cá estar
E assim continuamos a escrever
o livro das nossas vidas, justificando
os uniformes que envergamos
na procura de uma verdade maior
E às vezes sentimo-nos leves, às vezes esgotados
mas a vida é isto mesmo, uma estrada enlameada
um mundo que alguém construiu
sobre estacas de uma madeira apodrecida
Miguel Godinho
O abismo expõe a sua perfeição
sempre que o contemplamos bem lá de cima
de olhos cerrados sem medo da miséria
sem medo de nos olharmos nos nossos próprios olhos
Nada mais grandioso que a imensidão
desse infinito em que nos perdemos
sempre que procuramos as respostas
que nunca ninguém nos soube dar
É então que nas escolhas que fizemos
entendemos a nossa vida, o nosso lugar,
a nossa dor, a tua cara, longínqua
cada vez mais distante
Hoje como ontem carregamos o fardo
destes dias que se acertam sem que tenhamos
uma palavra a dizer
ninguém pediu para cá estar
E assim continuamos a escrever
o livro das nossas vidas, justificando
os uniformes que envergamos
na procura de uma verdade maior
E às vezes sentimo-nos leves, às vezes esgotados
mas a vida é isto mesmo, uma estrada enlameada
um mundo que alguém construiu
sobre estacas de uma madeira apodrecida
Miguel Godinho
terça-feira, agosto 18, 2009
Se ao menos houvesse um mecanismo
Se ao menos houvesse um mecanismo
que me devolvesse a tua face,
a claridade do tua semblante
Os dias já não nascem iguais
e o nosso olhar tornou-se distante
é como se já não fossemos um
Ainda que nos inventemos a cada dia que passa
ainda que imaginemos mundos que já não existem
a claridade já turvou meu amor
nada mais injusto que esta certeza
No verbo que nenhum de nós já consegue proferir
a verdade da mentira a agredir-nos a determinação
e nós aqui a perdermos tempo,
a vermos a vida a passar-nos ao lado
Miguel Godinho
Se ao menos houvesse um mecanismo
que me devolvesse a tua face,
a claridade do tua semblante
Os dias já não nascem iguais
e o nosso olhar tornou-se distante
é como se já não fossemos um
Ainda que nos inventemos a cada dia que passa
ainda que imaginemos mundos que já não existem
a claridade já turvou meu amor
nada mais injusto que esta certeza
No verbo que nenhum de nós já consegue proferir
a verdade da mentira a agredir-nos a determinação
e nós aqui a perdermos tempo,
a vermos a vida a passar-nos ao lado
Miguel Godinho
terça-feira, agosto 11, 2009
sexta-feira, agosto 07, 2009
terça-feira, agosto 04, 2009
Já existe. Já é físico. Já se pode tocar.
"Os nossos dias seguido de Os lugares antigos"
Por enquanto, à venda no Pátio de Letras e na Feira do Livro de Faro.
segunda-feira, julho 20, 2009
quinta-feira, julho 09, 2009
quinta-feira, julho 02, 2009
Descobri uma coisa deliciosa. Pierre Louys: "Manual de civilidade para meninas", reeeditado pela Fenda. Aqui vos deixo uma amostra, prometendo que regressarei a este autor:
Não digais. «A minha cona.» Dizei: «O meu coração.»
Não digais: «Tenho vontade de foder.» Dizei: «Sinto-me nervosa.»
Não digais: «Vim-me como uma louca.» Dizei: «Sinto-me um pouco cansada.»
Não digais: «Vou marturbar-me.» Dizei: «Volto já.»
Não digais: «Quando eu tiver pintelhos no cu.» Dizei: «Quando eu for crescida.»
Não digais: «Gosto mais da língua do que da pissa.» Dizei: «Só gosto de prazeres delicados.»
Não digais: «Entre refeições só bebo esporra.» Dizei: «Tenho uma dieta especial.»
Não digais: «Os romances honestos chateiam-me.» Dizei: «Gostaria de algo interessante para ler.»
Não digais: «Ela vem-se como uma égua a mijar.» Dizei: «É uma exaltada.»
Não digais: «Quando se lhe mostra uma pissa, fica logo zangada.» Dizei «É uma original.»
Não digais: «É uma rapariga que se masturba até desfalecer.» Dizei: «É uma sentimental.»
Não digais: «É a maior puta da terra.» Dizei: «É a melhor menina do mundo.»
Não digais: «Vi-a foder pelos dois lados.» Dizei: «É uma eclética.»
Não digais: «Deixa-se enrabar por todos quanto lhe façam minete.» Dizei: «É um pouco namoradeira»
Não digais: «A pissa dele é grande demais para a minha boca.» Dizei: «Sinto-me uma criança, quando falo com ele.»
Não digais: «É uma fressureira endiabrada.» Dizei: «Não é nada namoradeira.»
Evitai comparações temerárias. Não digais: «Dura como uma pissa, redondo como um colhão, molhado como a minha racha, salgado como a esporra, não maior que o meu botãozinho», e outras expressões que não são admitidas pelo dicionário da Academia.”
Não digais. «A minha cona.» Dizei: «O meu coração.»
Não digais: «Tenho vontade de foder.» Dizei: «Sinto-me nervosa.»
Não digais: «Vim-me como uma louca.» Dizei: «Sinto-me um pouco cansada.»
Não digais: «Vou marturbar-me.» Dizei: «Volto já.»
Não digais: «Quando eu tiver pintelhos no cu.» Dizei: «Quando eu for crescida.»
Não digais: «Gosto mais da língua do que da pissa.» Dizei: «Só gosto de prazeres delicados.»
Não digais: «Entre refeições só bebo esporra.» Dizei: «Tenho uma dieta especial.»
Não digais: «Os romances honestos chateiam-me.» Dizei: «Gostaria de algo interessante para ler.»
Não digais: «Ela vem-se como uma égua a mijar.» Dizei: «É uma exaltada.»
Não digais: «Quando se lhe mostra uma pissa, fica logo zangada.» Dizei «É uma original.»
Não digais: «É uma rapariga que se masturba até desfalecer.» Dizei: «É uma sentimental.»
Não digais: «É a maior puta da terra.» Dizei: «É a melhor menina do mundo.»
Não digais: «Vi-a foder pelos dois lados.» Dizei: «É uma eclética.»
Não digais: «Deixa-se enrabar por todos quanto lhe façam minete.» Dizei: «É um pouco namoradeira»
Não digais: «A pissa dele é grande demais para a minha boca.» Dizei: «Sinto-me uma criança, quando falo com ele.»
Não digais: «É uma fressureira endiabrada.» Dizei: «Não é nada namoradeira.»
Evitai comparações temerárias. Não digais: «Dura como uma pissa, redondo como um colhão, molhado como a minha racha, salgado como a esporra, não maior que o meu botãozinho», e outras expressões que não são admitidas pelo dicionário da Academia.”
quarta-feira, julho 01, 2009
Don't Stop Til You Get Enough
Provavelmente uma das melhores músicas de sempre.
Tem vinte nove anos, como eu. O seu título é o meu lema de vida.
domingo, maio 24, 2009
quarta-feira, maio 06, 2009
quinta-feira, abril 30, 2009
Ao fundo e na sombra
Confiava que para voar
não teria de desatar as asas para ti
e que ao imaginar-me
a caminhar no azul do céu
isso jamais poderia ser como uma lâmina
na pele a deslizar-te na alma
ao fundo e na sombra
em busca do sangue
aquieta por favor
esta dor profunda
de vez
na distância solene da memória
é assim que te fito ao longe
e me olvido de mim
na extensão desta noite
enquanto me arruíno outra vez
no branco do pó
Miguel Godinho
Confiava que para voar
não teria de desatar as asas para ti
e que ao imaginar-me
a caminhar no azul do céu
isso jamais poderia ser como uma lâmina
na pele a deslizar-te na alma
ao fundo e na sombra
em busca do sangue
aquieta por favor
esta dor profunda
de vez
na distância solene da memória
é assim que te fito ao longe
e me olvido de mim
na extensão desta noite
enquanto me arruíno outra vez
no branco do pó
Miguel Godinho
terça-feira, abril 28, 2009
Os mesmos dias (2)
Quase nunca o mundo é um mundo melhor joaquim
quase sempre nos deparamos com a arrogância
gente grande aos olhos deles próprios
dancemos loucos na procura de um Deus maior
na procura de uma verdade evidente
dessas que custam pouco a imaginar
o mundo é a ignorância do amanhã
é a vontade de nos escondermos joaquim
nada mais para além disso
Miguel Godinho
Quase nunca o mundo é um mundo melhor joaquim
quase sempre nos deparamos com a arrogância
gente grande aos olhos deles próprios
dancemos loucos na procura de um Deus maior
na procura de uma verdade evidente
dessas que custam pouco a imaginar
o mundo é a ignorância do amanhã
é a vontade de nos escondermos joaquim
nada mais para além disso
Miguel Godinho
domingo, abril 26, 2009
Os mesmos dias (1)
A canalha com que me dou
pouco liga à integridade que sempre nos corrói
anda sempre tudo tão azul sempre a sorrir
sempre de calcinha de pinça e camisa aos quadradinhos
sempre de segunda a sexta-feira
uma cagada de um pássaro valente seria mais interessante
a escorrer-nos pelo focinho
enquanto nos desligamos da memória
a olhar o correio da manhã
e a dizer isto a crise está para durar
a vida é mesmo assim joaquim
um dia nasce-se outro dia morre-se
é preciso é coragem para atravessar o breve momento
que nos separa da intemporalidade
Miguel Godinho
A canalha com que me dou
pouco liga à integridade que sempre nos corrói
anda sempre tudo tão azul sempre a sorrir
sempre de calcinha de pinça e camisa aos quadradinhos
sempre de segunda a sexta-feira
uma cagada de um pássaro valente seria mais interessante
a escorrer-nos pelo focinho
enquanto nos desligamos da memória
a olhar o correio da manhã
e a dizer isto a crise está para durar
a vida é mesmo assim joaquim
um dia nasce-se outro dia morre-se
é preciso é coragem para atravessar o breve momento
que nos separa da intemporalidade
Miguel Godinho
sábado, abril 18, 2009
quinta-feira, abril 16, 2009
quinta-feira, abril 09, 2009
terça-feira, abril 07, 2009
segunda-feira, março 23, 2009
Texto da apresentação de “Privado”, de Fernando Esteves Pinto
Faro, Pátio de Letras, 20 de Março, 2009
Faro, Pátio de Letras, 20 de Março, 2009
Miguel Godinho
Devo dizer que a sensação que me fica sempre após a leitura de um texto ou de um livro do Fernando é que a escrita lhe serve antes de mais de terapia (ou de psicoterapia), na medida em que trata sempre questões / problemas extremamente humanos, problemas reais, relacionados com as perturbações ou as dificuldades com que todos nos deparamos pelo simples facto de estarmos vivos e nos inter-relacionarmos uns com os outros.
O Fernando escreveu num outro livro seu o que para mim esclarece de alguma forma a razão da sua escrita (ainda que nas palavras de uma personagem de ficção por si inventada). Passo a citar esse trecho (do livro “Sexo entre mentiras”):
“(…) isto sou eu a pensar (…). Apetece-me desmontar pessoas. (…) Tu sabes que eu só escrevo como se fizesse uma limpeza emocional (…). Tenho este hábito de recuperar o humano para me alimentar dos seus fracassos. Estou onde está o sofrimento, tu sabes, mas as palavras são ainda a minha defesa. Sempre quis saber muito sobre os outros, muito para além do humano, e agora julgo não saber nada sobre mim, nada numa terrível consciência de viver por eles as suas tristezas. Quem me lê não imagina o sofrimento que foi preciso condensar num tempo escrito para que tudo voltasse a ter uma vida que escapasse à ficção de existir no meu pensamento. Peço silêncio para as minhas palavras.” Duas ideias-chave a destacar do que se disse: A vontade de desmontar pessoas (de percebê-las) e a escrita como limpeza emocional.
O Fernando não perde tempo com temas fáceis, com questões de algibeira, com matérias dóceis. O pensamento, a reflexão, a repercussão do olhar, os desequilíbrios interiores, as fragilidades, as debilidades das relações humanas, as fraquezas e as obsessões são assuntos transversais nos seus textos. Talvez por isso a sua escrita seja uma escrita psicológica, marcadamente circunspecta, onde as evidências da vida são reveladas por vezes de forma nocturnal mas com um realismo despido de preconceitos, e tratadas com um ligeiro toque de sarcasmo, fazendo-nos tantas vezes rir de nós próprios, da nossa pequenez. Este livro que aqui nos reúne é mais uma vez testemunho disso mesmo.
“Privado” é um ensaio ficcionado que retrata a vida de um casal desgastado, corrompido pelo passar do tempo, pelo tédio e pelas rotinas de vinte anos de vida em comum. A “familiaridade afectiva” (palavras de FEP) que se criou em torno destas duas pessoas, em substituição da paixão dos primeiros tempos, fez com que o sexo entre quem já se conhece demasiado bem se tivesse tornado um lugar desconfortável, visto terem deixado de existir a sedução e o desejo, dando lugar á monotonia, à insipidez, ao enfadamento. A sexualidade transformou-se num frete, fruto da sucessão dos dias que tornaram a vida fastidiosa, fruto da morte progressiva do erotismo.
Através do narrador que progressivamente nos vai introduzindo na história conjugal de Olga, uma mulher mal amada pelo marido, que se entrega a um sem número de fantasias como forma de inventar uma nova relação e de passar por cima do descontentamento, vamos percebendo o “compromisso de enganos em que se traduz este amor”, viciado e desgastado pelo tempo. O narrador aqui funciona quase como um psicólogo (e este é o traço mais marcado na escrita do Fernando) que, através de uma escrita densa, profunda, de confrontação, vai questionando constantemente as verdades da vida, desta vidinha que todos levamos, do que nos move, do que nos percorre, daquilo que não se diz, do que faz falta dizer, do que se pensa, da forma como se pensa. Assim, nota-se em toda esta obra uma profunda análise dos afectos, das questões colocadas pela consciência da personagem, da perversidade das suas fantasias como forma de contornar a artificialidade e da decadência sexual deste casal que tenta enganar os sentimentos reais a pretexto de um matrimónio estável, como se quer.
Assim sendo, as tentativas por parte de Olga no sentido de recuperar uma sexualidade honesta, sincera e acima de tudo real, parecem-nos por vezes ridículas, mas colocam-nos perante um drama em que tão facilmente nos revemos, da necessidade de afastar o tédio através da quebra da rotina. É nesse sentido que Olga inventa jogos de sedução frustrados entre o casal; que tenta até recorrer à violência simulada como forma de estimular o desejo, encenando uma sexualidade sem regras mas onde as regras já estão mais que pré-definidas, propondo o visionamento de filmes pornográficos mas onde o estímulo se esvoaça logo à partida em resultado da impossibilidade de sentir o mesmo fogo das personagens das películas. Imagina ainda provocações dissimuladas em desejos carnais onde joguinhos risíveis mais não logram do que evidenciar as verdades manifestas do cansaço dos dois.
Talvez por tudo isto o narrador não use nunca a expressão “fazer amor” entre este casal, preferindo termos como a “cópula” ou outros mais lascivos (como “foder”) no sentido de, por um lado, evidenciar o facto do sexo entre este casal se ter tornado numa obrigação conjugal, e de, por outro, apresentar ao leitor a dimensão real do afecto entre os dois, onde o empachamento da relação fez com que o amor se esfumasse, dando lugar a uma mera carência fisiológica. Nesse sentido e de uma forma brilhante, o narrador dá o exemplo de, num daqueles dias, ao marido de Olga lhe apetecer simplesmente (e passo a citar)
“ter sexo, mas uma coisa rápida e directa, sem preliminares. Um acto que não implicasse a procura do prazer através duma poética da sexualidade. Aproximar-se e desfrutar o corpo de Olga, como se não tivesse de analisar exaustivamente a própria poesia do instante. Olga também não estava para complexidades. A abordagem simplificada, instintiva e primária elevava-a a um ponto mais alto na escala do erotismo. Não haveria lirismo encenado nem fingimento a encobrir o aborrecimento e a preguiça.”
Tudo, portanto, na mais pura da sinceridade, entre os dois. Seria apenas (desculpem a expressão) “descarregar” e já está. Até porque, como diz o narrador-Fernando num momento mais à frente, num outro apontamento quase psicanalítico, “o sexo não programado é um bom motivo de experimentação neste tipo de atitude. Evita-se uma sobrecarga psicológica, sem culpa formada sobre quem deu ou recebeu mais prazer. A preparação intensiva num acto sexual pode levar a um enfraquecimento do desempenho. Mas também pode ser uma causa de prematuridade orgástica”. Como se o que na realidade fizesse falta fosse um pouco de imprevisibilidade, de romper com o estabelecido, de uma reinvenção. Observe-se esta constatação de uma profunda exactidão, escrita numa poética sublime, sobre a sexualidade possível entre este casal, no fundo de tantos e tantos casais que se imaginam outros como forma de reinventarem a sua sexualidade: “O amor que eles sentiam um pelo outro era mesmo uma fantasia. Eles não se amavam. Eles favoreciam as suas próprias necessidades sexuais numa troca de corpos para que cada um deles pudesse sonhar à sua maneira. O sonho de ambos era uma galeria de imagens provocantes que os fazia sentir na presença de estranhos”. Recuperando uma afirmação do Fernando presente num outro livro seu e a propósito do que se disse, (novamente do “Sexo entre mentiras”), “o amor é uma guloseima que se derrete no coração. Se soubéssemos tudo sobre a pessoa que amamos, se calhar nunca tínhamos querido amá-la incondicionalmente. O amor dura enquanto ainda houver matéria desconhecida no outro”. Já se percebeu que o tema da sexualidade está muitas vezes presente na escrita do Fernando, e muitas vezes sob a forma da sexualidade no limite da tolerância, a sexualidade corrompida ou por outro lado, a sexualidade necessária.
Em Privado encontra-se uma estrutura semelhante em todos os capítulos, baseada mais ou menos na seguinte fórmula: primeiro o narrador introduz um problema na relação conjugal do casal (que poderia ser um qualquer casal que se ature há muito tempo), para de seguida o abordar, problematizando-o do ponto de vista psicológico, sugerindo por fim uma maneira / uma forma do casal lidar com ele, expondo as contradições, a degradação das atitudes, a dissimulação, a impostura, a incapacidade em contornar a questão enquanto ao mesmo tempo prefere continuar a ignorá-la. Se pensarmos bem, este método é utilizado também pelos psicólogos.
Assim sendo, é fácil qualquer um rever-se nestas problemáticas apresentadas no livro, pela precisão com que o Fernando aqui a apresenta. Interessante é o facto do livro estar dividido em 31 capítulos, tantos quantos os dias de um mês, como se cada capítulo tratasse um problema (ou os problemas de um dia, se quisermos) com que um casal se depara. Mais interessante ainda é o facto de no primeiro, Olga começar por se lamentar porque acha que o marido tem outra mulher, para, no último, essa mesma Olga acabar por recuperar o desejo sexual, revitalizando a relação, acabando se quisermos, de certa forma, preenchida sexualmente (e afectivamente). Podemos imaginar que no capítulo seguinte, que acabaria por ser o primeiro dia de um novo mês, ela voltasse outra vez ao mesmo estado de espírito, incerta no amor, cheia de dúvidas, com falta de se sentir amada.
Por fim, de referir somente que é sublime a forma com que o Fernando nos apresenta esta vidinha em que nos corrompemos e nos enganamos a nós próprios, esta realidade tão universal, apresentada numa linguagem tão acessível e clara, por vezes com uma poética sedutora, por vezes áspera, por vezes irónica, numa atitude quase de sátira com o ridículo das atitudes comportamentais. São textos pequenos mas intensos, carregados de verdade e de precisão. Dizer apenas que a pornografia contida neste livro não decorre do facto do tema andar à volta da sexualidade, decorre sim, da realidade ser ela própria pornográfica, como se diz no próprio livro. Henrique M. B. Fialho recordou no excelente prefácio as palavras do filósofo francês Michel Onfry que escreveu a este propósito: “casar [talvez mais não seja] (…) do que arranjar forma de lidar com a vida na base da ilusão, da mentira e da hipocrisia.” E, como diz o mesmo Henrique, “agora o melhor mesmo, é não pensar muito neste assunto”.
Vila Real de Santo António
terça-feira, março 17, 2009
Sexta-feira lá estarei em Faro, no Pátio de Letras, a apresentar o novo livro ("Privado") do amigo Fernando Esteves Pinto.
Mais informações, aqui.
domingo, março 15, 2009
Popcorns, playstations e tiros na cabeça (3 e um quarto)
Às vezes confunde-se a realidade com os videogames, eu sei. Custa-me a acreditar mas esta malta que anda no Iraque aos tiros já nasceu no final dos eightys e já cresceu neste mundo virtual onde a guerra se faz desde os 3 anos de idade, com um comando na mão, a olhar para o monitor, enquanto se comem pipocas e se grita, Dye you bastard! Dye!
É lixado andar no meio do deserto, you bet your ass on. Eu imagino, por entre árabes emporcalhados e casas feitas de terra. É tudo árido, pessoal estranho, que nunca foi a shopping-malls. O power que dá atirar nesta gente enquanto se ouve rap ou heavy-metal . Fuck man! À maneira...
Miguel Godinho
Às vezes confunde-se a realidade com os videogames, eu sei. Custa-me a acreditar mas esta malta que anda no Iraque aos tiros já nasceu no final dos eightys e já cresceu neste mundo virtual onde a guerra se faz desde os 3 anos de idade, com um comando na mão, a olhar para o monitor, enquanto se comem pipocas e se grita, Dye you bastard! Dye!
É lixado andar no meio do deserto, you bet your ass on. Eu imagino, por entre árabes emporcalhados e casas feitas de terra. É tudo árido, pessoal estranho, que nunca foi a shopping-malls. O power que dá atirar nesta gente enquanto se ouve rap ou heavy-metal . Fuck man! À maneira...
Miguel Godinho
segunda-feira, março 09, 2009
Popcorns, playstations e tiros na cabeça (2 e meio)
(...) Os putos o dia inteiro a serem putos, até aos trinta. Tenho muitos amigos que ficaram agarrados. Não conseguem largar aquilo, não se trabalha, não se estuda, vive-se no sofá do quarto, não faz mal, os papás suportam, tá-se bem, a mamã deposita. Uma cambada de malta bué de fixe, a viver num mundo irreal, sem muito para se fazer, sem muito para se preocupar. O mundo é o nosso quarto, esquizofrenia, que se lixe, nada mais interessante que viver apartado, longe da vida, longe da vidinha, não se passa nada, tá tudo bem, os papás suportam, a mamã deposita. Hão-de ter quarenta e cinco, no pasa nada, os papás suportam (já bem velhinhos), a mamã deposita (já bem velhinha). É o filhote, coitadinho, já quarentão, mas tá-se bem. Geração florzinhas.
Miguel Godinho
(...) Os putos o dia inteiro a serem putos, até aos trinta. Tenho muitos amigos que ficaram agarrados. Não conseguem largar aquilo, não se trabalha, não se estuda, vive-se no sofá do quarto, não faz mal, os papás suportam, tá-se bem, a mamã deposita. Uma cambada de malta bué de fixe, a viver num mundo irreal, sem muito para se fazer, sem muito para se preocupar. O mundo é o nosso quarto, esquizofrenia, que se lixe, nada mais interessante que viver apartado, longe da vida, longe da vidinha, não se passa nada, tá tudo bem, os papás suportam, a mamã deposita. Hão-de ter quarenta e cinco, no pasa nada, os papás suportam (já bem velhinhos), a mamã deposita (já bem velhinha). É o filhote, coitadinho, já quarentão, mas tá-se bem. Geração florzinhas.
Miguel Godinho
sexta-feira, fevereiro 27, 2009
Os nossos dias (26)
Às vezes a exaltação é tão alta
que a fadiga afoga a razão
e então só a inércia vigora
nos teus olhos cansados da vida
quem melhor que tu
para explicares a dor
chega de sorrisos áureos
e de sim senhor doutor engenheiro
e de é para já senhor engenheiro doutor
e de claro que sim senhora majestade
quando a tua vontade é demolir
e puxar fogo à brilhantina
basta de ilusões e de fantasias
da ideia de que no futuro tudo se resolverá
quem melhor que tu para acabar com a dor
deixa-te de enganos e subtracções
amanhã o espelho contar-te-á coisas
que já sabes de cor
e mais uma vez serás pequeno
na tua ânsia de elevação
enquanto o fogo te consome
por mais um dia que passou
Miguel Godinho
Às vezes a exaltação é tão alta
que a fadiga afoga a razão
e então só a inércia vigora
nos teus olhos cansados da vida
quem melhor que tu
para explicares a dor
chega de sorrisos áureos
e de sim senhor doutor engenheiro
e de é para já senhor engenheiro doutor
e de claro que sim senhora majestade
quando a tua vontade é demolir
e puxar fogo à brilhantina
basta de ilusões e de fantasias
da ideia de que no futuro tudo se resolverá
quem melhor que tu para acabar com a dor
deixa-te de enganos e subtracções
amanhã o espelho contar-te-á coisas
que já sabes de cor
e mais uma vez serás pequeno
na tua ânsia de elevação
enquanto o fogo te consome
por mais um dia que passou
Miguel Godinho
segunda-feira, fevereiro 23, 2009
Beardyman - 'Teardrop' (original dos Massiveattack )
Goste-se ou não, há muita arte no meio disto.
Brilhante.
sexta-feira, fevereiro 20, 2009
Popcorns, playstations e tiros na cabeça (1)
Era adequado para o tipo de trabalho que estávamos a desempenhar. Era assim que o John, Carl, Peter, whatever his name was, descrevia o som do cd que escolhia para pôr a tocar no tanque de guerra americano enquanto desesperadamente procurava alguém para fuzilar. That gets you relly fired up. Como quem diz, isso dá-nos uma tusa do caraças. Meter o som no aparelho aos altos berros, deixar a metalada subir ao miolo e disparar até ver alguém tombar.
Music is great to kill, dá ganas, os furores saem cá para fora e depois é só carregar no pedal, lenço na cabeça, M16 na mão, ‘bora lá com isso, já eras.
Miguel Godinho
Era adequado para o tipo de trabalho que estávamos a desempenhar. Era assim que o John, Carl, Peter, whatever his name was, descrevia o som do cd que escolhia para pôr a tocar no tanque de guerra americano enquanto desesperadamente procurava alguém para fuzilar. That gets you relly fired up. Como quem diz, isso dá-nos uma tusa do caraças. Meter o som no aparelho aos altos berros, deixar a metalada subir ao miolo e disparar até ver alguém tombar.
Music is great to kill, dá ganas, os furores saem cá para fora e depois é só carregar no pedal, lenço na cabeça, M16 na mão, ‘bora lá com isso, já eras.
Miguel Godinho
quinta-feira, fevereiro 19, 2009
segunda-feira, fevereiro 09, 2009
Entre 356 poemas - um para cada dia do ano - um deles é meu.
Lançamento: Sábado, 14 de Fevereiro [17h00], Livraria Pátio de Letras, Faro
Mais informação, aqui.
terça-feira, janeiro 27, 2009
O passo seguinte
Chegava quase sempre esgotado a casa. Mais um dia a tentar desesperadamente ser alguém. Uma luta diária, uma preocupação aflitiva, uma necessária realização pessoal, o sonho dos papás que lhe diziam que as Economias dariam boas saídas, bom dinheiro e uma progressão certa na carreira. O dinheiro é uma coisa que nunca há-de acabar e é imprescindível que aprendas a lidar com o teu e, mais importante que tudo, com o dos outros. Parece que após tantos anos ainda aquelas palavras lhe ecoavam nos ouvidos.
Dizia a todos que estava contente porque tinha um emprego legítimo, nestes dias que correm, é bom que se aproveite o que se tem pois isto está tudo menos fácil, embora no seu íntimo por vezes achasse esse combate diário uma completa inutilidade. Sabia que nada daquilo o poderia tornar uma pessoa melhor, no dia seguinte era como começar do zero, a angústia, a ansiedade, a raiva por ter de se aturar no mesmo palco, por ter de se representar no mesmo circo, com as mesmas feras, famintas por devorá-lo.
Olá muito bom dia Sr. Doutor, como está? A acta da reunião já está pronta; já despachou a documentação que lhe deixei ontem em cima da secretária? Sim, às quatro terei o relatório de contas terminado. Claro que as receitas têm de aumentar. Números, eu sei, são precisos números mais interessantes. Tenho feito horas nesse sentido. Tenho feito horas nesse sentido. Tenho feito muitas horas nesse sentido. Nesse sentido são horas a mais. Muitas horas a mais. Hora feitas por mim, não por si, que não sabe mais do que lamentar-se a toda a hora. Cale-se e não me chateie mais, que vontade de lhe gritar bem alto para não me chatear mais!
Não passava disto. A mesma linguagem de código, o mesmo discurso trôpego, a mesma sensação de ausência, um trabalho vazio, uma vontade de mandar tudo aquilo aos arames, uma vida sem vida. Mas será que haveria alguém com uma vida mais interessante que a dele? Às tantas estava tudo assim, a viver a sua vidinha, a engolir em seco a pretexto de uns euritos que dessem para pagar os créditos, porque a vida se calhar não passa mesmo disso. A minha vida não é diferente da vida dos outros. Eu sei que não há ninguém totalmente satisfeito e realizado, não pode haver. Ninguém é feliz porque eu também não sou. E de facto, aos olhos dele, o contentamento absoluto não era mais que uma completa utopia.
Havia dias em que acordava mais fresco e, absorto ainda no sono, esquecia a miséria que é não ser capaz de largar tudo e começar tudo outra vez ou talvez nem começar nada. Largar só. Deixar, abandonar uma vida que nem sequer vida é. O Sr. Doutor quer números, eu dou-lhe números: que tal um zero? Não serve? Então e dois? Também não? E três, que é a conta que Deus fez? O discurso, esse já estava ensaiado, mas faltava-lhe o passo seguinte, o mais importante. E a febre às vezes tão alta, e os suores como rios a galgarem-lhe o pescoço sempre que acordava para se ver ao espelho: quem sou eu? Que palco é este onde actuo? Para quê este disfarce neste mundo aberrante onde cada um tem de tentar sempre ter mais só para se poder dizer melhor que o próximo? No entanto, à parte disso, sabia que o despertador voltaria sempre a soar à mesma hora e que o fulgor de todos os dias voltaria de alguma forma a revelar-se subtilmente na violência desse toque que gritava alto sempre que eram horas de levantar para um novo assalto no combate pela vida. E que o facto de nunca se cansar de tentar encarar sempre a fadiga dos dias com um sorriso pensativo mas ilimitado, era como se soubesse que as horas que passam algum dia lhe consagrariam a claridade de um possível encontro consigo próprio. Quando isso viesse a acontecer, saberia com certeza já ter dado o passo seguinte.
[Publicado no Jornal do Baixo Guadiana]
Miguel Godinho
Chegava quase sempre esgotado a casa. Mais um dia a tentar desesperadamente ser alguém. Uma luta diária, uma preocupação aflitiva, uma necessária realização pessoal, o sonho dos papás que lhe diziam que as Economias dariam boas saídas, bom dinheiro e uma progressão certa na carreira. O dinheiro é uma coisa que nunca há-de acabar e é imprescindível que aprendas a lidar com o teu e, mais importante que tudo, com o dos outros. Parece que após tantos anos ainda aquelas palavras lhe ecoavam nos ouvidos.
Dizia a todos que estava contente porque tinha um emprego legítimo, nestes dias que correm, é bom que se aproveite o que se tem pois isto está tudo menos fácil, embora no seu íntimo por vezes achasse esse combate diário uma completa inutilidade. Sabia que nada daquilo o poderia tornar uma pessoa melhor, no dia seguinte era como começar do zero, a angústia, a ansiedade, a raiva por ter de se aturar no mesmo palco, por ter de se representar no mesmo circo, com as mesmas feras, famintas por devorá-lo.
Olá muito bom dia Sr. Doutor, como está? A acta da reunião já está pronta; já despachou a documentação que lhe deixei ontem em cima da secretária? Sim, às quatro terei o relatório de contas terminado. Claro que as receitas têm de aumentar. Números, eu sei, são precisos números mais interessantes. Tenho feito horas nesse sentido. Tenho feito horas nesse sentido. Tenho feito muitas horas nesse sentido. Nesse sentido são horas a mais. Muitas horas a mais. Hora feitas por mim, não por si, que não sabe mais do que lamentar-se a toda a hora. Cale-se e não me chateie mais, que vontade de lhe gritar bem alto para não me chatear mais!
Não passava disto. A mesma linguagem de código, o mesmo discurso trôpego, a mesma sensação de ausência, um trabalho vazio, uma vontade de mandar tudo aquilo aos arames, uma vida sem vida. Mas será que haveria alguém com uma vida mais interessante que a dele? Às tantas estava tudo assim, a viver a sua vidinha, a engolir em seco a pretexto de uns euritos que dessem para pagar os créditos, porque a vida se calhar não passa mesmo disso. A minha vida não é diferente da vida dos outros. Eu sei que não há ninguém totalmente satisfeito e realizado, não pode haver. Ninguém é feliz porque eu também não sou. E de facto, aos olhos dele, o contentamento absoluto não era mais que uma completa utopia.
Havia dias em que acordava mais fresco e, absorto ainda no sono, esquecia a miséria que é não ser capaz de largar tudo e começar tudo outra vez ou talvez nem começar nada. Largar só. Deixar, abandonar uma vida que nem sequer vida é. O Sr. Doutor quer números, eu dou-lhe números: que tal um zero? Não serve? Então e dois? Também não? E três, que é a conta que Deus fez? O discurso, esse já estava ensaiado, mas faltava-lhe o passo seguinte, o mais importante. E a febre às vezes tão alta, e os suores como rios a galgarem-lhe o pescoço sempre que acordava para se ver ao espelho: quem sou eu? Que palco é este onde actuo? Para quê este disfarce neste mundo aberrante onde cada um tem de tentar sempre ter mais só para se poder dizer melhor que o próximo? No entanto, à parte disso, sabia que o despertador voltaria sempre a soar à mesma hora e que o fulgor de todos os dias voltaria de alguma forma a revelar-se subtilmente na violência desse toque que gritava alto sempre que eram horas de levantar para um novo assalto no combate pela vida. E que o facto de nunca se cansar de tentar encarar sempre a fadiga dos dias com um sorriso pensativo mas ilimitado, era como se soubesse que as horas que passam algum dia lhe consagrariam a claridade de um possível encontro consigo próprio. Quando isso viesse a acontecer, saberia com certeza já ter dado o passo seguinte.
[Publicado no Jornal do Baixo Guadiana]
Miguel Godinho
quarta-feira, janeiro 21, 2009
Os nossos dias (25)
Estes dias devolvem-te em ricochete
o silêncio das ilusões
adulteradas por todas as horas
em que foste vivendo na cegueira
sem que te apercebesses da velhice
neste lugar de reencontro
olhas a vida antevendo a morte
e decides extraviar-te de tudo
sabendo que o vento nunca te
trará a adolescência de volta
e que uma loucura te atingirá
com a violência que quiser
já que a verdade só a sabes
na certeza de um fim
Miguel Godinho
Estes dias devolvem-te em ricochete
o silêncio das ilusões
adulteradas por todas as horas
em que foste vivendo na cegueira
sem que te apercebesses da velhice
neste lugar de reencontro
olhas a vida antevendo a morte
e decides extraviar-te de tudo
sabendo que o vento nunca te
trará a adolescência de volta
e que uma loucura te atingirá
com a violência que quiser
já que a verdade só a sabes
na certeza de um fim
Miguel Godinho
terça-feira, janeiro 13, 2009
Os nossos dias [24]
acordar amanhã
como se fosse a primeira vez
o que gostavas verdadeiramente era de viver
foragido da brutalidade dos dias
e que te deixassem existir errante
querias apenas a paz da tua insipiência
nunca te interessaram outras matérias
a verdade é que nem tampouco queres saber
juras que não sabes e é a mais pura da verdade
perguntam-te quem és e não tens resposta
já tiveste mas já não queres ter
olhas em redor e não te encaixas
não consegues pertencer a parte alguma
só atmosferas que não convencem
e uma sucessão de coisa nenhuma
Miguel Godinho
acordar amanhã
como se fosse a primeira vez
o que gostavas verdadeiramente era de viver
foragido da brutalidade dos dias
e que te deixassem existir errante
querias apenas a paz da tua insipiência
nunca te interessaram outras matérias
a verdade é que nem tampouco queres saber
juras que não sabes e é a mais pura da verdade
perguntam-te quem és e não tens resposta
já tiveste mas já não queres ter
olhas em redor e não te encaixas
não consegues pertencer a parte alguma
só atmosferas que não convencem
e uma sucessão de coisa nenhuma
Miguel Godinho
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