Produções tradicionais – Um mercado sem potencial?
No actual mundo em que vivemos somos constantemente confrontados com a máxima que se rege pela afirmação de que todos os produtos de mercado têm obrigatoriamente de ser “melhores” que os que nasceram anteriormente, tentando sempre “envergonhar” esses que para trás ficam. Afirma-se constantemente que caminhamos num sentido evolutivo, numa tentativa desenfreada de provarmos a nós próprios que a novidade é que interessa e que quem pensa o contrário é porque parou no tempo... Digo isto mas também, como qualquer um, faço parte deste tipo de concepção mental...
Pensando em termos da produção massificada e a industrializada (de tudo, desde as calças ou as camisas que vestimos, passando pelos produtos que colocamos na mesa e por muitos outros que possamos imaginar...) podemos seguir o ponto de vista que defende que por assim se processar, existe uma tendência para a baixa dos custos. Tal afirmação não deixa de ter o seu fundamento, mas também é certo que implica um ponto de vista bastante simplista pelo sentido redutor que transporta. Está mais que visto que no que toca à qualidade, quanto maiores e mais massificadas as produções, maior a tendência para a adulteração da qualidade e para a perda de identidade dos produtos. Mas tudo isto não interessa porque os mesmos se tornam mais baratos... Acabamos assim por poder comprar mais...
É certo que a novidade é essencial e está na base do actual sistema de trocas mas também é evidente que para tal não se devem nunca perder de vista produções que apenas necessitam de estratégias promocionais adequadas. A inovação na oferta não passa exclusivamente por um suposto “progresso” na renovação da tecnologia da produção. Um exemplo claro do que se pretende demonstrar está nas chamadas “produções tradicionais”. A região do Algarve (tal como muitas outras no nosso país com as suas características específicas) apresenta alguns bons exemplos com historial de séculos, nalguns casos milénios. É o caso de produtos como o sal (flor de sal), da azeitona britada, dos queijos e do figo, entre muitos outros, já para não falar da cestaria, da olaria, dos trabalhos em cobre, enfim, do chamado artesanato. Este tipo de produções não podem nem devem (pelo risco de perderem o valor de excelência que transportam) aspirar a produções em larga escala. São produções que, se inseridas em estratégias de produção muito localizadas e correctamente promocionadas, podem adquirir valorizações muito eficazes, fazendo com que a tradição não se perca, podendo até, produzir ao mesmo tempo, uma “ponte” com a modernidade (produtos de “design”), dando valor a localidades que de outra forma não o possuíam e empregando artífices (nalguns casos verdadeiros artistas!) que de outra forma não tinham meios de expressão devido à industrialização exacerbada da produção que não permite a sobrevivência da manufactura pelos altos custos que isso representa.
No entanto, é certo que este tipo de produtos não interessam nem estão acessíveis enquanto prática comum de aquisição, a todas as bolsas. Nas palavras de Oliveira Neves, são produções que se devem efectuar numa “escala de produção economicamente viável e preencher, com eficácia e eficiência, procuras típicas de nichos de mercado”, pelas razões que atrás se referiram. Apresentam uma qualidade muito superior e um “carinho” de produção especial em relação às produções de tipo industrial mas que também (por isso) se tornam mais caros.
Seria interessante pensar numa forma de dinamização deste tipo de produções, por tudo aquilo que se disse – são uma forma de preservação das tradições, de valorização de modos de vida e de territórios, de alternativa aos produtos industrializados, de desenvolvimento de produções de qualidade. São razões mais que suficientes para que se consiga chamar a atenção para a necessidade de desenvolvimento deste tipo de produções. Já começam, é certo, a nascer locais um pouco por toda a região onde é possível adquirir este tipo de produtos, mas é necessário que se desenvolva toda uma rede associada a estes. Há já muito tempo que se fala por exemplo (para a zona do baixo Guadiana) numa marca de excelência que garanta um processo de certificação, aplicável a produtos que sejam produzidos nesta zona. Seria realmente bom começar a efectivar essa ideia...
Miguel Godinho
Licenciado em Património Cultural
segunda-feira, dezembro 26, 2005
segunda-feira, dezembro 05, 2005
A Triste História da Cultura
A Cultura sempre foi uma criança com graves problemas de saúde. Teve dificuldades de crescimento, chamavam-lhe “minorca”. Talvez por isso, desenvolveu fortes problemas emocionais e psicológicos, perdendo o amor pelos amigos e principalmente pelos pais, já que estes estavam constantemente preocupados com outros assuntos e nunca com ela. Sem que se apercebesse bem disso, também eles deixaram de acreditar nela, ao vê-la afastar-se progressivamente, basicamente porque – dizia – não foram capazes de acompanhar os tempos, sendo não raras vezes, bastante conservadores nas suas opiniões e nas atitudes que tinham para com ela.
A Cultura nunca amadureceu verdadeiramente e continuava a usar com os mesmos brinquedos, mesmo partidos, já sem pintura e descolorados pelo tempo. Brincava sozinha, tinha uma grave fobia social. Escolhia frequentemente os mesmos sítios para se esconder, isolando-se nas suas diversões simplesmente porque tinha medo de partir à descoberta doutras. Tinha medo de ser confrontada, ajudada pelo facto dos pais, inúmeras vezes, lhe vestir roupas que ela achava ridículas.
Apesar de já ter tentado por várias vezes afirmar-se entre os outros, parecia manifestar agora uma tendência algo depressiva. Seria talvez resultado do clima de desconfiança e descrédito na vida. Tudo à sua volta parecia estar a desmoronar-se. Já não conhecia a casa, os seus pais decidiram “arranjar” e restaurar (diziam eles!) a moradia, com dinheiro que o Banco lhes emprestou a custo, mas a verdade é que acabaram por desvirtuá-la por completo. A vista que a Cultura tinha dantes para o mar tinha agora sido trocada por um prédio em frente porque os seus pais, a fim de “melhorar” a casa, tiveram também de vender o lote de terreno ao lado já que o dinheiro emprestado não chegava. Decidiram entregá-lo a um casal espanhol que anos antes havia manifestado interesse em adquirir parte da propriedade. A Cultura ficou desolada. Não se sentia mais em casa.
Era demasiado jovem quando assistiu ao divórcio dos pais, perdendo as referências que a ajudavam na sua fraca estabilidade. Não era mais capaz de dar resposta às necessidades sociais de integração. Ficou como que desorientada.
Bem perto da maturidade, quando os pais, já velhos e falidos (resultado de uma vida faustosa que não conseguiram manter), lhe disseram que era já altura de se fazer à vida e se aguentar sozinha, não foi capaz e foi viver para debaixo da ponte. É lá que ainda hoje habita, sobrevivendo com as esmolas dos turistas, os quais, diga-se de passagem, só lhe dão dinheiro por pena.
É triste vê-la neste estado, neste meio onde não pertence. Definitivamente não merece o triste fado que a vida lhe reservou. Quase que se pode dizer que não teve culpa. Como criança que era, cabia aos que tinham a sua tutela mostrar-lhe o caminho, auxiliando-a nos momentos em que mais necessitava. É mais triste ainda ver que não está a conseguir encarar a situação de uma maneira positiva. É compreensível. É muito difícil conseguir suportar uma situação onde não existe dignidade. Psicologicamente, está muito abatida e fisicamente não está saudável. Longe vãos os tempos em que mal ou bem, lá ia conseguindo levantar a cabeça. Está sem dinheiro e as roupas estão velhas – aquelas mesmas roupas que não gostava de vestir. Se passar por ela, ajude-a. Senão, dê-lhe pelo menos um pouco de atenção para evitar que o destino se torne ainda mais negro...
Miguel Godinho
A Cultura sempre foi uma criança com graves problemas de saúde. Teve dificuldades de crescimento, chamavam-lhe “minorca”. Talvez por isso, desenvolveu fortes problemas emocionais e psicológicos, perdendo o amor pelos amigos e principalmente pelos pais, já que estes estavam constantemente preocupados com outros assuntos e nunca com ela. Sem que se apercebesse bem disso, também eles deixaram de acreditar nela, ao vê-la afastar-se progressivamente, basicamente porque – dizia – não foram capazes de acompanhar os tempos, sendo não raras vezes, bastante conservadores nas suas opiniões e nas atitudes que tinham para com ela.
A Cultura nunca amadureceu verdadeiramente e continuava a usar com os mesmos brinquedos, mesmo partidos, já sem pintura e descolorados pelo tempo. Brincava sozinha, tinha uma grave fobia social. Escolhia frequentemente os mesmos sítios para se esconder, isolando-se nas suas diversões simplesmente porque tinha medo de partir à descoberta doutras. Tinha medo de ser confrontada, ajudada pelo facto dos pais, inúmeras vezes, lhe vestir roupas que ela achava ridículas.
Apesar de já ter tentado por várias vezes afirmar-se entre os outros, parecia manifestar agora uma tendência algo depressiva. Seria talvez resultado do clima de desconfiança e descrédito na vida. Tudo à sua volta parecia estar a desmoronar-se. Já não conhecia a casa, os seus pais decidiram “arranjar” e restaurar (diziam eles!) a moradia, com dinheiro que o Banco lhes emprestou a custo, mas a verdade é que acabaram por desvirtuá-la por completo. A vista que a Cultura tinha dantes para o mar tinha agora sido trocada por um prédio em frente porque os seus pais, a fim de “melhorar” a casa, tiveram também de vender o lote de terreno ao lado já que o dinheiro emprestado não chegava. Decidiram entregá-lo a um casal espanhol que anos antes havia manifestado interesse em adquirir parte da propriedade. A Cultura ficou desolada. Não se sentia mais em casa.
Era demasiado jovem quando assistiu ao divórcio dos pais, perdendo as referências que a ajudavam na sua fraca estabilidade. Não era mais capaz de dar resposta às necessidades sociais de integração. Ficou como que desorientada.
Bem perto da maturidade, quando os pais, já velhos e falidos (resultado de uma vida faustosa que não conseguiram manter), lhe disseram que era já altura de se fazer à vida e se aguentar sozinha, não foi capaz e foi viver para debaixo da ponte. É lá que ainda hoje habita, sobrevivendo com as esmolas dos turistas, os quais, diga-se de passagem, só lhe dão dinheiro por pena.
É triste vê-la neste estado, neste meio onde não pertence. Definitivamente não merece o triste fado que a vida lhe reservou. Quase que se pode dizer que não teve culpa. Como criança que era, cabia aos que tinham a sua tutela mostrar-lhe o caminho, auxiliando-a nos momentos em que mais necessitava. É mais triste ainda ver que não está a conseguir encarar a situação de uma maneira positiva. É compreensível. É muito difícil conseguir suportar uma situação onde não existe dignidade. Psicologicamente, está muito abatida e fisicamente não está saudável. Longe vãos os tempos em que mal ou bem, lá ia conseguindo levantar a cabeça. Está sem dinheiro e as roupas estão velhas – aquelas mesmas roupas que não gostava de vestir. Se passar por ela, ajude-a. Senão, dê-lhe pelo menos um pouco de atenção para evitar que o destino se torne ainda mais negro...
Miguel Godinho
O Algarvio
“O Algarvio é um Andaluz. Ao contrário do Alentejano, tudo o interessa, de tudo fala, agita-se em permanência, com uma vivacidade quase infantil. No Algarve não há o silêncio e a impassibilidade: há o movimento constante, o falar, o cantar de uma população como a dos Gregos das ilhas, ora embarcados nos seus navios costeiros, ora ocupados nos seus campos, que são jardins. Se a planície e os longos horizontes das montanhas dão ao espírito a placidez solene, também o arrulhar constante da onda, sobre a qual, debruçado como um eirado, esta o Algarve, põe no pensamento uma agitação permanente, meio tonta mas encantadora”.
(Oliveira Martins, História de Portugal, Lisboa, 1908, I, 42; [I ed.]1879.)
“O Algarvio é um Andaluz. Ao contrário do Alentejano, tudo o interessa, de tudo fala, agita-se em permanência, com uma vivacidade quase infantil. No Algarve não há o silêncio e a impassibilidade: há o movimento constante, o falar, o cantar de uma população como a dos Gregos das ilhas, ora embarcados nos seus navios costeiros, ora ocupados nos seus campos, que são jardins. Se a planície e os longos horizontes das montanhas dão ao espírito a placidez solene, também o arrulhar constante da onda, sobre a qual, debruçado como um eirado, esta o Algarve, põe no pensamento uma agitação permanente, meio tonta mas encantadora”.
(Oliveira Martins, História de Portugal, Lisboa, 1908, I, 42; [I ed.]1879.)
quinta-feira, novembro 03, 2005
Cacela – Uma porta aberta ao turismo cultural do litoral algarvio
É certo e sabido que turismo cultural é coisa que se conhece muito pouco na parte litoral da nossa região, quer pelo ofuscamento que a qualidade das nossas praias desenvolve nas mentes mais ávidas de cultura, quer pelo estado avançado de adulteração cultural que a esta região desenvolveu, tal qual doença prolongada que se vai agravando com os tempos. É de realçar que, ultimamente até os folhetos distribuídos por Institutos Nacionais de promoção histórica, cultural e monumental das várias regiões (que têm acompanhado os jornais nacionais de grande tiragem) não apontam nenhum interesse abaixo de Évora, como se o Algarve fosse exclusivamente sol e praia. Por vezes sinto que não podiam estar mais longe da verdade...
Ora, no sotavento algarvio (felizmente ainda pouco perseguido pelo espírito assombroso das massas, em relação ao barlavento) começa a desenhar-se um desejo de promoção turística orientada na qualidade e não na quantidade. A aposta na dignificação dos sítios com potencial cultural começa a verificar-se, ainda que estes estejam situados na faixa litoral, ao contrário do que seria de prever... Cacela e Santa Rita (aldeia pertencente à mesma freguesia) são dois bons exemplos da tentativa de dignificação da História e do passado, e do desejo de que, com essa atitude, se consiga uma catapulta para o futuro com a dignidade que merecem.
A freguesia de Vila Nova de Cacela, pertencente ao concelho de Vila Real de Santo António anuncia-se com o carimbo efectivo das marcas da História. Presença incontestável de estratégias defensivas da costa do sul da Península, Cacela sugere uma ocupação continuada desde tempos imemoriais, mostrando um conjunto de valores arqueológicos e históricos ilustrativos de várias épocas, desde períodos pré-históricos, passando pela dominação romana, árabe, calcorreando as campanhas da Reconquista cristã e as transformações ocorridas no pós-terramoto de 1755, em plena época Moderna, mostrando claramente todo um leque de continuidades culturais, como se vê ainda hoje pelas marcas dos edifícios, pelos traçados das ruas, pela morfologia das casas, pelos hábitos e costumes das gentes...
Para além da paisagem que a indescritível vista sobre o mar oferece, toda esta povoação de Cacela e arredores guarda uma relação com a terra e com o que dela provém, num claro conjunto de contactos e dependências, complementando os proveitos do mar com os da terra, numa clara permanência de toda uma cultura mediterrânica.
A autarquia de Vila Real de Santo António tem agora em mãos um projecto de desenvolvimento e a hipótese de mostrar o que é desenvolver sem adulterar, apostando na qualidade e na coerência, na promoção do território pela valorização do seu património, no seguimento das linhas que definem o turismo cultural. O recém criado Centro de Investigação e Informação do Património de Cacela apresenta-se como uma plataforma de acompanhamento de estudos, investigadores e visitantes interessados, ao serviço da população em geral, mas principalmente dos interesses locais, num claro desejo de implementação e desenvolvimento das mais valias da terra.
O desenvolvimento de percursos turísticos direccionados para públicos específicos, com visitas preparadas para cada tipo de público (Escolas primárias e secundárias; Universidades, Investigadores; visitantes interessados, etc.) são uma das potencialidades deste pólo dinamizador, para além de todo um projecto de investigação, divulgação e desenvolvimento do património da área, na continuação do trabalho desenvolvido pelo Núcleo do Património Histórico, o qual tinha já produzido entre outros, a Carta do Património de Cacela (a ser editada muito em breve), a par dos inúmeros trabalhos arqueológicos que têm vindo a ser realizados.
Cumpre agora às entidades competentes deixar que o progresso se mantenha sustentado, coerente e extremamente regrado, ao mesmo tempo que permita que a dinamização da zona se transforme numa constante. À população deve caber uma aposta na qualidade da oferta da zona, não deixando que aconteça o mesmo que aconteceu noutras zonas do país, quando a dinâmica turística não soube acompanhar as riquezas da terra.
Publicado no "Jornal do Algarve" em 3/11/2005
sexta-feira, setembro 09, 2005
O indivíduo – A maior fonte do saber
O artigo “Livros vivos” de Joaquim Fidalgo, que tive a oportunidade de ler no jornal “Público” (7 de Setembro de 2005), sugeriu-me algumas ideias bastante interessantes, quanto à possibilidade de as pôr em prática, ao mesmo tempo que me transmitiu um certo receio, pela face negativa que poderá proporcionar.
É realmente fascinante a ideia de, numa biblioteca, a par dos livros poderem ser colocadas “à disposição”... pessoas! Pessoas que se podem “requisitar” para com elas, discutir, perguntar, dialogar, e, acima de tudo, aprender sobre qualquer e determinado assunto. Tenho no entanto, algum receio em relação ao comodismo que isso poderia provocar, no que toca ao acto de pegar e ler um livro...
Mas pegando nestas ideias sugeridas, com certeza que aplicá-las noutros espaços que não somente bibliotecas (apesar de tudo acho uma excelente ideia!), parece-me extraordinário a todos os níveis, não só pela procura de novas formas de diálogo de assuntos/peças/sítios, como na tentativa de solucionamento de novas formas de ocupação de pessoas ou na partilha de experiências, as quais muitas vezes caem no esquecimento pelo seu não-aproveitamento.
Instituições ligadas à cultura, e especialmente todas as novas iniciativas que se inserem na reabilitação de espaços e vivências urbanas e/ou rurais, poderiam aproveitar (é certo que muitas já aproveitam) todo o conhecimento individual e colectivo (porque sempre inserido num determinado contexto social). Quem melhor do que os indivíduos que se encontram ligados directamente aos assuntos e às vivências que se pretendem ver esclarecidas/discutidas para confrontar com uma conversa? Imagine-se uma visita a uma exposição etnográfica onde as pessoas mais idosas partilham memórias, ou uma visita a um qualquer centro urbano ou rural onde as pessoas nos apresentam, ou nos sugerem uma maneira possivel (a sua) de compreender aquele sítio?
É este um dos caminhos que as novas doutrinas expositivas têm tentado explorar, precisamente porque envolve e cativa muito mais as pessoas, ao mesmo tempo que elucida muito mais vivências, tornando mais íntimas as experiências.
Não continuará ainda a ser o Indivíduo a maior fonte de partilha do saber?
Miguel Godinho
Publicado no Jornal do Algarve em 17/11/2005
O artigo “Livros vivos” de Joaquim Fidalgo, que tive a oportunidade de ler no jornal “Público” (7 de Setembro de 2005), sugeriu-me algumas ideias bastante interessantes, quanto à possibilidade de as pôr em prática, ao mesmo tempo que me transmitiu um certo receio, pela face negativa que poderá proporcionar.
É realmente fascinante a ideia de, numa biblioteca, a par dos livros poderem ser colocadas “à disposição”... pessoas! Pessoas que se podem “requisitar” para com elas, discutir, perguntar, dialogar, e, acima de tudo, aprender sobre qualquer e determinado assunto. Tenho no entanto, algum receio em relação ao comodismo que isso poderia provocar, no que toca ao acto de pegar e ler um livro...
Mas pegando nestas ideias sugeridas, com certeza que aplicá-las noutros espaços que não somente bibliotecas (apesar de tudo acho uma excelente ideia!), parece-me extraordinário a todos os níveis, não só pela procura de novas formas de diálogo de assuntos/peças/sítios, como na tentativa de solucionamento de novas formas de ocupação de pessoas ou na partilha de experiências, as quais muitas vezes caem no esquecimento pelo seu não-aproveitamento.
Instituições ligadas à cultura, e especialmente todas as novas iniciativas que se inserem na reabilitação de espaços e vivências urbanas e/ou rurais, poderiam aproveitar (é certo que muitas já aproveitam) todo o conhecimento individual e colectivo (porque sempre inserido num determinado contexto social). Quem melhor do que os indivíduos que se encontram ligados directamente aos assuntos e às vivências que se pretendem ver esclarecidas/discutidas para confrontar com uma conversa? Imagine-se uma visita a uma exposição etnográfica onde as pessoas mais idosas partilham memórias, ou uma visita a um qualquer centro urbano ou rural onde as pessoas nos apresentam, ou nos sugerem uma maneira possivel (a sua) de compreender aquele sítio?
É este um dos caminhos que as novas doutrinas expositivas têm tentado explorar, precisamente porque envolve e cativa muito mais as pessoas, ao mesmo tempo que elucida muito mais vivências, tornando mais íntimas as experiências.
Não continuará ainda a ser o Indivíduo a maior fonte de partilha do saber?
Miguel Godinho
segunda-feira, agosto 22, 2005
Um novo Porto de Recreio para Faro - Polo de atracção ou de destruição?
Fui recentemente informado de que estão em curso os estudos prévios dos projectos de “Localização do Porto de Recreio de Faro” e do “Fundeadouro ( para quem não sabe - sítio de ancoragem; de amarração; abrigo) para pequenas embarcações na faixa ribeirinha de Faro”. Apesar de não estar tecnicamente apto para me poder pronunciar correctamente sobre este assunto, devo contudo, enquanto cidadão, preocupar-me com este assunto que merece um esclarecimento mais profundo junto das populações, ao mesmo tempo que necessita do maior número possível de estudos possível ao nível dos impactes (não só ambientais) que as obras, a serem efectuadas, poderão vir a provocar.
Após a leitura do Resumo Não Técnico - (RNT), parte integrante do Estudo de Impacte Ambiental (EIA), relativo aos projectos atrás referidos, pude verificar que existe uma necessidade efectiva no que toca à qualidade e segurança em relação às dificuldades de estacionamento das embarcações, quer por parte dos pescadores e mariscadores locais, quer por parte dos utentes locais que pretendem “estacionar” as suas embarcações, ou ainda dos visitantes que pretendem durante a sua estadia, acostar com alguma qualidade. Ainda segundo estes projectos e a par dos mesmos, seriam reabilitados os troços da frente ribeirinha (actualmente em degradação), “contribuindo para o desenvolvimento do comércio e serviços relacionados com a náutica de recreio”.
Estes projectos encontram antecedentes em 1998, quando o Plano de Ordenamento e Expansão da área de Jurisdição da Junta Autónoma dos Portos do Sotavento Algarvio da Zona do Porto de Faro propõe a expansão das infra-estruturas de apoio à Náutica de Recreio, tendo sido objecto de parecer desfavorável no ano seguinte por, no seu Estudo de Impacte Ambiental (EIA) “não ser avaliada a globalidade das intervenções pretendidas pelo Instituto Portuário e dos Transportes Marítimos (IPTM) e compreendidas no seu Plano de Ordenamento e Expansão do Porto de Faro e não incluir uma abordagem num quadro de várias alternativas”. Posteriormente, em 2001, realizar-se-ía um novo EIA, sendo este de novo chumbado, essencialmente porque não apresentava respostas às questões levantadas no EIA anterior e porque as alternativas que se apresentavam relativamente ao projecto anterior “estavam localizadas em áreas classificadas e não era devidamente justificada a não existência de outras para além das apresentadas no projecto”.
Convém, antes do mais, perceber a importância da área que se pretende intervencionar. Integrada na área protegida da Ria Formosa, esta zona está inserida na Rede Natura 2000 e pertence à Zona de Protecção Especial da Ria Formosa (ZPE), apresentando um potencial ambiental tão complexo quanto importante, pela sua fauna e flora únicas. Por isso, há que pensar e repensar aquilo que se pretende na realidade para esta zona, pesando de uma forma exaustiva todos os prós e os contras reais e não os idealizados.
Sem querer parecer extremista no que toca à protecção exaltada da natureza, e não pondo de parte as necessidades daqueles que dependem deste meio há muitos anos para sobreviver (pescadores e mariscadores), estou plenamente consciente que estes merecem de facto um fundeadouro para as suas embarcações, na tentativa de melhorar as suas condições de trabalho, respondendo às suas preces de há muito. Não seria seguramente por isso que o meio natural seria alterado de uma forma significativa, uma vez que na minha parca opinião não especializada nem técnica, as intervenções seriam certamente mínimas. O problema reside quanto a mim, na proposta do porto de recreio. Sem dúvida que seria certamente bom no que toca ao turismo e ao melhoramento das condições dos possuidores locais de embarcações, mas no lado oposto estaria o empobrecimento da natureza e o risco de sobrevivência de espécies únicas. As ameaças quer das obras de construção do porto, quer de um tráfego acrescido de embarcações de grande porte, associado à contaminação das águas pela excessiva presença de elementos nocivos causados pela poluição dos combustíveis e dos óleos das embarcações tornar-se-ía uma evidência, com tudo o que de mal isso acarretaria.
Importa pois, medir as consequências que todas estas pretensões acarretam, procurando efectivamente perceber o que realmente se pretende. Existem sítios em que por muito que a vontade aperte, a natureza (se a queremos saudável) não permite. E no que respeita ao Património Natural, muito dificilmente se repõe o mal feito.
Aquilo que por vezes sinto é que, uma vez que cada cidade algarvia tem recebido ultimamente uma Marina e/ou um porto de recreio, Faro não poderia ficar atrás. Convém não esquecer que a inveja é um pecado capital...
Miguel Godinho
Fui recentemente informado de que estão em curso os estudos prévios dos projectos de “Localização do Porto de Recreio de Faro” e do “Fundeadouro ( para quem não sabe - sítio de ancoragem; de amarração; abrigo) para pequenas embarcações na faixa ribeirinha de Faro”. Apesar de não estar tecnicamente apto para me poder pronunciar correctamente sobre este assunto, devo contudo, enquanto cidadão, preocupar-me com este assunto que merece um esclarecimento mais profundo junto das populações, ao mesmo tempo que necessita do maior número possível de estudos possível ao nível dos impactes (não só ambientais) que as obras, a serem efectuadas, poderão vir a provocar.
Após a leitura do Resumo Não Técnico - (RNT), parte integrante do Estudo de Impacte Ambiental (EIA), relativo aos projectos atrás referidos, pude verificar que existe uma necessidade efectiva no que toca à qualidade e segurança em relação às dificuldades de estacionamento das embarcações, quer por parte dos pescadores e mariscadores locais, quer por parte dos utentes locais que pretendem “estacionar” as suas embarcações, ou ainda dos visitantes que pretendem durante a sua estadia, acostar com alguma qualidade. Ainda segundo estes projectos e a par dos mesmos, seriam reabilitados os troços da frente ribeirinha (actualmente em degradação), “contribuindo para o desenvolvimento do comércio e serviços relacionados com a náutica de recreio”.
Estes projectos encontram antecedentes em 1998, quando o Plano de Ordenamento e Expansão da área de Jurisdição da Junta Autónoma dos Portos do Sotavento Algarvio da Zona do Porto de Faro propõe a expansão das infra-estruturas de apoio à Náutica de Recreio, tendo sido objecto de parecer desfavorável no ano seguinte por, no seu Estudo de Impacte Ambiental (EIA) “não ser avaliada a globalidade das intervenções pretendidas pelo Instituto Portuário e dos Transportes Marítimos (IPTM) e compreendidas no seu Plano de Ordenamento e Expansão do Porto de Faro e não incluir uma abordagem num quadro de várias alternativas”. Posteriormente, em 2001, realizar-se-ía um novo EIA, sendo este de novo chumbado, essencialmente porque não apresentava respostas às questões levantadas no EIA anterior e porque as alternativas que se apresentavam relativamente ao projecto anterior “estavam localizadas em áreas classificadas e não era devidamente justificada a não existência de outras para além das apresentadas no projecto”.
Convém, antes do mais, perceber a importância da área que se pretende intervencionar. Integrada na área protegida da Ria Formosa, esta zona está inserida na Rede Natura 2000 e pertence à Zona de Protecção Especial da Ria Formosa (ZPE), apresentando um potencial ambiental tão complexo quanto importante, pela sua fauna e flora únicas. Por isso, há que pensar e repensar aquilo que se pretende na realidade para esta zona, pesando de uma forma exaustiva todos os prós e os contras reais e não os idealizados.
Sem querer parecer extremista no que toca à protecção exaltada da natureza, e não pondo de parte as necessidades daqueles que dependem deste meio há muitos anos para sobreviver (pescadores e mariscadores), estou plenamente consciente que estes merecem de facto um fundeadouro para as suas embarcações, na tentativa de melhorar as suas condições de trabalho, respondendo às suas preces de há muito. Não seria seguramente por isso que o meio natural seria alterado de uma forma significativa, uma vez que na minha parca opinião não especializada nem técnica, as intervenções seriam certamente mínimas. O problema reside quanto a mim, na proposta do porto de recreio. Sem dúvida que seria certamente bom no que toca ao turismo e ao melhoramento das condições dos possuidores locais de embarcações, mas no lado oposto estaria o empobrecimento da natureza e o risco de sobrevivência de espécies únicas. As ameaças quer das obras de construção do porto, quer de um tráfego acrescido de embarcações de grande porte, associado à contaminação das águas pela excessiva presença de elementos nocivos causados pela poluição dos combustíveis e dos óleos das embarcações tornar-se-ía uma evidência, com tudo o que de mal isso acarretaria.
Importa pois, medir as consequências que todas estas pretensões acarretam, procurando efectivamente perceber o que realmente se pretende. Existem sítios em que por muito que a vontade aperte, a natureza (se a queremos saudável) não permite. E no que respeita ao Património Natural, muito dificilmente se repõe o mal feito.
Aquilo que por vezes sinto é que, uma vez que cada cidade algarvia tem recebido ultimamente uma Marina e/ou um porto de recreio, Faro não poderia ficar atrás. Convém não esquecer que a inveja é um pecado capital...
Miguel Godinho
terça-feira, agosto 16, 2005
O Algarve Histórico ainda não existe
Enquanto algarvio, tenho de agradecer às instituições nacionais de turismo e cultura, (neste caso ao ITP – Instituto de turismo de Portugal) por, de uma maneira constante e continuada, tentarem inserir a região algarvia no panorama turístico de regiões com interesse histórico e cultural em Portugal. Refiro-me mais concretamente a um folheto informativo daqueles tipo “Vá para fora cá dentro” do ITP e das Regiões de Turismo de Portugal, que alguns jornais de tiragem nacional forneciam no passado domingo e que com certeza se pode achar distribuído gratuitamente por vários pontos do país (postos de turismo, hotéis, bibliotecas, etc.). Neste é possível encontrar todo um roteiro nacional (?) de alguns sítios que apresentam potencial histórico/cultural, com vários pontos de interesse um pouco por todo o país, mas em que, curiosamente, abaixo de Évora, nada surge de maior importância que valha a pena descobrir. Pelo menos é o que deduzo após a leitura do mesmo. Tal como vem sendo hábito afirmar desde há muito, mesmo muito tempo, a região do Algarve (ou o “reino dos Algarves”, sozinho e desanexado?) possui como único atractivo a oferta do tradicional pacote sol/praia, proporcionando ao costumado turista sazonal a certeza de um fim-de-semana que lhe deixará, antes de uma marca na memória, um bronze digno de um verdadeiro camarão. Sem colocar em causa as opções das pessoas, uma vez que também eu adoro praia - como algarvio que sou - e aprecio passar um fim-de-semana repleto de sol, acho que as instituições que têm a cargo a divulgação das nossas potencialidades turísticas devem de uma vez por todas fazer ver que a nossa região não é só isso. A História também deixou marcas nesta região. Talvez de uma importância que valha a pena ser mostrada. No exemplo que se aponta aqui, o de um folheto que olvida o passado do sul do país, instituições como a Região de Turismo do Algarve deviam ter a iniciativa de tentar mostrar (exercendo a sua influência) a complementaridade histórico/cultural que a nossa região pode oferecer ao turismo que busca o sol e a praia, procurando inserir o Algarve nos roteiros portugueses de interesse para este tipo de turismo. Deve perceber-se de uma vez por todas que a componente cultural complementa (e não rivaliza) o sol e a praia.Compreendo que as escolhas para a composição do folheto tivessem que ver com escolhas dos monumentos de importância maior em Portugal como são exemplo o Mosteiro dos Jerónimos em Belém, ou o Convento de Cristo em Tomar, ou ainda a paisagem vitivinícola do Douro, mas e então por exemplo a paisagem protegida de Sagres que tanta importância teve nos Descobrimentos e continua a ter do ponto de vista ambiental/ecológico/paisagístico?Compreende-se que um dos objectivos da brochura seja o de direccionar as pessoas para pontos históricos de vital importância, mostrando diferentes pontos de interesse que não o turismo de sol e praia, apelando à História do país, o que para mim é louvável, especialmente na parte que tocaria ao Algarve, se este se visse incluído. Mas porque não direccionar esses mesmos visitantes para outros pontos nesta região em vez de ignorá-la? Seria interessante mostrar que o Algarve também tem potencial histórico a par do turismo de praia. A nossa região ainda possui muitas e variadas valências… Enfim, sítios de importância comummente dita de “maior” ainda temos alguns, valores históricos também não nos faltam, vontade de afirmação, capacidade e interesse em confrontar interesses maiores é que é pior…Miguel Godinho
Enquanto algarvio, tenho de agradecer às instituições nacionais de turismo e cultura, (neste caso ao ITP – Instituto de turismo de Portugal) por, de uma maneira constante e continuada, tentarem inserir a região algarvia no panorama turístico de regiões com interesse histórico e cultural em Portugal. Refiro-me mais concretamente a um folheto informativo daqueles tipo “Vá para fora cá dentro” do ITP e das Regiões de Turismo de Portugal, que alguns jornais de tiragem nacional forneciam no passado domingo e que com certeza se pode achar distribuído gratuitamente por vários pontos do país (postos de turismo, hotéis, bibliotecas, etc.). Neste é possível encontrar todo um roteiro nacional (?) de alguns sítios que apresentam potencial histórico/cultural, com vários pontos de interesse um pouco por todo o país, mas em que, curiosamente, abaixo de Évora, nada surge de maior importância que valha a pena descobrir. Pelo menos é o que deduzo após a leitura do mesmo. Tal como vem sendo hábito afirmar desde há muito, mesmo muito tempo, a região do Algarve (ou o “reino dos Algarves”, sozinho e desanexado?) possui como único atractivo a oferta do tradicional pacote sol/praia, proporcionando ao costumado turista sazonal a certeza de um fim-de-semana que lhe deixará, antes de uma marca na memória, um bronze digno de um verdadeiro camarão. Sem colocar em causa as opções das pessoas, uma vez que também eu adoro praia - como algarvio que sou - e aprecio passar um fim-de-semana repleto de sol, acho que as instituições que têm a cargo a divulgação das nossas potencialidades turísticas devem de uma vez por todas fazer ver que a nossa região não é só isso. A História também deixou marcas nesta região. Talvez de uma importância que valha a pena ser mostrada. No exemplo que se aponta aqui, o de um folheto que olvida o passado do sul do país, instituições como a Região de Turismo do Algarve deviam ter a iniciativa de tentar mostrar (exercendo a sua influência) a complementaridade histórico/cultural que a nossa região pode oferecer ao turismo que busca o sol e a praia, procurando inserir o Algarve nos roteiros portugueses de interesse para este tipo de turismo. Deve perceber-se de uma vez por todas que a componente cultural complementa (e não rivaliza) o sol e a praia.Compreendo que as escolhas para a composição do folheto tivessem que ver com escolhas dos monumentos de importância maior em Portugal como são exemplo o Mosteiro dos Jerónimos em Belém, ou o Convento de Cristo em Tomar, ou ainda a paisagem vitivinícola do Douro, mas e então por exemplo a paisagem protegida de Sagres que tanta importância teve nos Descobrimentos e continua a ter do ponto de vista ambiental/ecológico/paisagístico?Compreende-se que um dos objectivos da brochura seja o de direccionar as pessoas para pontos históricos de vital importância, mostrando diferentes pontos de interesse que não o turismo de sol e praia, apelando à História do país, o que para mim é louvável, especialmente na parte que tocaria ao Algarve, se este se visse incluído. Mas porque não direccionar esses mesmos visitantes para outros pontos nesta região em vez de ignorá-la? Seria interessante mostrar que o Algarve também tem potencial histórico a par do turismo de praia. A nossa região ainda possui muitas e variadas valências… Enfim, sítios de importância comummente dita de “maior” ainda temos alguns, valores históricos também não nos faltam, vontade de afirmação, capacidade e interesse em confrontar interesses maiores é que é pior…Miguel Godinho
A “mediatização” cultural
Nos dias que correm, acho que posso afirmar que um dos pontos mais importantes a desenvolver nas estruturas culturais é o de encontrar o ponto de contacto entre as elites pensantes e actuantes e aquilo que frequentemente se chamam de “massas populacionais”. E, nesta matéria, a promoção mediática da cultura desempenha um papel fundamental, no sentido de servir de elo de ligação entre os dois grupos referidos e também na tentativa de captação de novas audiências, estimulando ao mesmo tempo a procura dos públicos que em matéria cultural já se encontram mais receptivos, mais instruídos.Sem dúvida que a Cultura está hoje claramente mais enquadrada “numa base de entretenimento e de lazer” facto que não é necessariamente mau – foi o mundo que se moldou neste sentido – e, como tal, os mecanismos de captação de públicos têm de se orientar neste sentido. Cabe às instituições (e não só às públicas) desenvolver, apoiar e favorecer as iniciativas de índole artístico e cultural, pedagógico, científico, numa busca por uma maior e melhor instrução populacional, apostando nas novas tecnologias de animação e dinamização cultural. Estas mostram-se primordiais, especialmente no que toca às gerações mais novas, habituadas que estão a lidar com elas.Assim, e seguindo esta linha de pensamento, as estratégias utilizadas para a adequação entre a produção cultural e a “massa populacional” têm obrigatoriamente que passar por uma promoção que permita aos eventos, projectos, bens, monumentos, adquirir uma clareza expositiva capaz de cativar e atrair públicos que legitimem os investimentos realizados.O consumo cultural também necessita de ser estimulado. E os lucros podem ser muito grandes em termos de formação do indivíduo e da sociedade, já para não falar em termos monetários, uma vez que também nesta matéria os rendimentos podem ser elevados. A instrução cultural também passa por incentivar os públicos a frequentarem salas de espectáculos. De que serve termos um bom espectáculo se ninguém sabe quando, onde se vai realizar e do que este trata. É a promoção que atribui visibilidade à oferta cultural. Se esta não for correcta e se a exposição mediática para o público não for clara e democrática não se consegue sair da esfera das “elites culturais”.Sem retirar qualquer tipo de legitimidade a estas (que quanto a mim devem existir devido ao papel estimulante que desempenham a nível intelectual), a cultura deve ser acessível a todos, mas também é necessário que todos saibam que ela existe, que é real e que pode dar frutos a nível de formação pessoal e social, ao mesmo tempo que transporta potencial económico e benefícios fiscais…Faro, 5 de Maio de 2005Miguel Ângelo Mendes Godinho
Nos dias que correm, acho que posso afirmar que um dos pontos mais importantes a desenvolver nas estruturas culturais é o de encontrar o ponto de contacto entre as elites pensantes e actuantes e aquilo que frequentemente se chamam de “massas populacionais”. E, nesta matéria, a promoção mediática da cultura desempenha um papel fundamental, no sentido de servir de elo de ligação entre os dois grupos referidos e também na tentativa de captação de novas audiências, estimulando ao mesmo tempo a procura dos públicos que em matéria cultural já se encontram mais receptivos, mais instruídos.Sem dúvida que a Cultura está hoje claramente mais enquadrada “numa base de entretenimento e de lazer” facto que não é necessariamente mau – foi o mundo que se moldou neste sentido – e, como tal, os mecanismos de captação de públicos têm de se orientar neste sentido. Cabe às instituições (e não só às públicas) desenvolver, apoiar e favorecer as iniciativas de índole artístico e cultural, pedagógico, científico, numa busca por uma maior e melhor instrução populacional, apostando nas novas tecnologias de animação e dinamização cultural. Estas mostram-se primordiais, especialmente no que toca às gerações mais novas, habituadas que estão a lidar com elas.Assim, e seguindo esta linha de pensamento, as estratégias utilizadas para a adequação entre a produção cultural e a “massa populacional” têm obrigatoriamente que passar por uma promoção que permita aos eventos, projectos, bens, monumentos, adquirir uma clareza expositiva capaz de cativar e atrair públicos que legitimem os investimentos realizados.O consumo cultural também necessita de ser estimulado. E os lucros podem ser muito grandes em termos de formação do indivíduo e da sociedade, já para não falar em termos monetários, uma vez que também nesta matéria os rendimentos podem ser elevados. A instrução cultural também passa por incentivar os públicos a frequentarem salas de espectáculos. De que serve termos um bom espectáculo se ninguém sabe quando, onde se vai realizar e do que este trata. É a promoção que atribui visibilidade à oferta cultural. Se esta não for correcta e se a exposição mediática para o público não for clara e democrática não se consegue sair da esfera das “elites culturais”.Sem retirar qualquer tipo de legitimidade a estas (que quanto a mim devem existir devido ao papel estimulante que desempenham a nível intelectual), a cultura deve ser acessível a todos, mas também é necessário que todos saibam que ela existe, que é real e que pode dar frutos a nível de formação pessoal e social, ao mesmo tempo que transporta potencial económico e benefícios fiscais…Faro, 5 de Maio de 2005Miguel Ângelo Mendes Godinho
Medidas de combate à inércia cultural
· Desenvolver a instrução cultural (no sentido de fazer despertar interesse nas populações)
· Promover a cooperação entre as várias instituições estatais e entre estas e as instituições privadas
· Incentivar a iniciativa privada revendo as matérias dos benefícios estatais
· Aproveitar os exemplos de territórios culturalmente fortes
· Melhorar o sistema legislativo em matéria de protecção de bens (móveis e imóveis)
· Combater os interesses e os tráficos de influências nomeadamente no que toca ao mercado imobiliário
· Estimular a promoção mediática da cultura
· Fomentar a descentralização cultural, dando mais espaço de manobra às manifestações de caracter local
· Apostar nas novas tecnologias de animação e dinamização cultural
· Aumentar as exigências administrativas (principalmente camarárias) actuais nomeadamente na exigência de formação adequada dos funcionários
· Penalizar os atentados patrimoniais
Miguel Godinho
· Desenvolver a instrução cultural (no sentido de fazer despertar interesse nas populações)
· Promover a cooperação entre as várias instituições estatais e entre estas e as instituições privadas
· Incentivar a iniciativa privada revendo as matérias dos benefícios estatais
· Aproveitar os exemplos de territórios culturalmente fortes
· Melhorar o sistema legislativo em matéria de protecção de bens (móveis e imóveis)
· Combater os interesses e os tráficos de influências nomeadamente no que toca ao mercado imobiliário
· Estimular a promoção mediática da cultura
· Fomentar a descentralização cultural, dando mais espaço de manobra às manifestações de caracter local
· Apostar nas novas tecnologias de animação e dinamização cultural
· Aumentar as exigências administrativas (principalmente camarárias) actuais nomeadamente na exigência de formação adequada dos funcionários
· Penalizar os atentados patrimoniais
Miguel Godinho
"Ilha de Tavira Resort"
Foi com alguma perplexidade que recebi a notícia da pretensão de construção de um aldeamento turístico na ilha de Tavira. Ou melhor, compreendo perfeitamente que perante um cenário natural de tal calibre, as intenções que não raras vezes guiam os interesses imobiliários se manifestem no sentido de rentabilizar aquele pequeno paraíso (ainda mais quando o mesmo é privado – como se verifica neste caso). O mal está nos riscos que tal pretensão acarreta.É verdadeiramente estranho e totalmente lamentável o facto dos institutos competentes, em tempo de suposto (e aparente) corte com o crescimento desmedido e desregrado das construções que surgem como cogumelos um pouco por todo o litoral algarvio (ultimamente até nas zonas que se julgavam protegidas), continuem a viabilizar projectos que nos façam questionar as verdadeiras intenções dos muitos planos que (supostamente) regulam a natureza e a sua relação com o mercado imobiliário. Como é possível que, numa altura em que se pretende destruir construções que impedem o correcto “funcionamento” da Natureza, surja uma intenção de aprovação de um projecto destes quer por parte quer do Instituto de Conservação da Natureza, quer por parte do Parque Natural da Ria Formosa? No mínimo, e até por uma questão de coerência lógica e opinativa, quando se quer regrar, negando a edificação, não se aprovam projectos em zonas sensíveis, por menores que sejam os riscos para o meio natural.Desde que me lembro, a Ilha de Tavira serve um tipo de turismo que não pretende uma cama de Hotel. É certo que em parte porque ela não existe, mas quem a quer, consegue-a facilmente nas imediações, podendo frequentar da mesma forma a praia. O turismo que recorre à tenda também existe e também há quem o pratique, quer por necessidade, quer por opção. E o chamado “eco-turismo” não passa unicamente por construir um Hotel e um SPA junto a um parque natural. Felizmente ainda existe quem goste de acampar.Pelos vistos, o Algarve ainda não aprendeu que para ter um turismo de qualidade, é necessário respeitar os vários tipos de turismo que existem, proporcionando resposta para todos eles.Se o Plano de Ordenamento da Orla Costeira (POOC) para o Sotavento Algarvio previa um programa de intervenção para aquela zona, deveria ter sido especificado que seriam o parque de campismo e as zonas de apoio a sofrer as alterações necessárias com a finalidade de melhorar as condições. Até porque a não especificação do tipo de alterações que devem ser feitas em zonas desta sensibilidade, geralmente abrem portas de acção que na maioria das vezes não são as mais correctas e/ou adequadas. Temos no presente caso da ilha de Tavira o exemplo perfeito. Com certeza que a construção de um aldeamento, de um Hotel, bungallows, SPA, moradias, e a deslocação do parque de campismo para a zona nascente da ilha, como que se de uma “expropriação” se tratasse, esta não mais seria a mesma. Não sejamos ingénuos… Já deveríamos ter aprendido com aquilo que se passou e (infelizmente) se vai passando um pouco por todo o litoral… Até porque não devem ser exclusivamente os endinheirados a ter direito de usufruto das zonas privilegiadas...
Artigo publicado no jornal "Público" em 08/08/2005
Miguel Godinho
Foi com alguma perplexidade que recebi a notícia da pretensão de construção de um aldeamento turístico na ilha de Tavira. Ou melhor, compreendo perfeitamente que perante um cenário natural de tal calibre, as intenções que não raras vezes guiam os interesses imobiliários se manifestem no sentido de rentabilizar aquele pequeno paraíso (ainda mais quando o mesmo é privado – como se verifica neste caso). O mal está nos riscos que tal pretensão acarreta.É verdadeiramente estranho e totalmente lamentável o facto dos institutos competentes, em tempo de suposto (e aparente) corte com o crescimento desmedido e desregrado das construções que surgem como cogumelos um pouco por todo o litoral algarvio (ultimamente até nas zonas que se julgavam protegidas), continuem a viabilizar projectos que nos façam questionar as verdadeiras intenções dos muitos planos que (supostamente) regulam a natureza e a sua relação com o mercado imobiliário. Como é possível que, numa altura em que se pretende destruir construções que impedem o correcto “funcionamento” da Natureza, surja uma intenção de aprovação de um projecto destes quer por parte quer do Instituto de Conservação da Natureza, quer por parte do Parque Natural da Ria Formosa? No mínimo, e até por uma questão de coerência lógica e opinativa, quando se quer regrar, negando a edificação, não se aprovam projectos em zonas sensíveis, por menores que sejam os riscos para o meio natural.Desde que me lembro, a Ilha de Tavira serve um tipo de turismo que não pretende uma cama de Hotel. É certo que em parte porque ela não existe, mas quem a quer, consegue-a facilmente nas imediações, podendo frequentar da mesma forma a praia. O turismo que recorre à tenda também existe e também há quem o pratique, quer por necessidade, quer por opção. E o chamado “eco-turismo” não passa unicamente por construir um Hotel e um SPA junto a um parque natural. Felizmente ainda existe quem goste de acampar.Pelos vistos, o Algarve ainda não aprendeu que para ter um turismo de qualidade, é necessário respeitar os vários tipos de turismo que existem, proporcionando resposta para todos eles.Se o Plano de Ordenamento da Orla Costeira (POOC) para o Sotavento Algarvio previa um programa de intervenção para aquela zona, deveria ter sido especificado que seriam o parque de campismo e as zonas de apoio a sofrer as alterações necessárias com a finalidade de melhorar as condições. Até porque a não especificação do tipo de alterações que devem ser feitas em zonas desta sensibilidade, geralmente abrem portas de acção que na maioria das vezes não são as mais correctas e/ou adequadas. Temos no presente caso da ilha de Tavira o exemplo perfeito. Com certeza que a construção de um aldeamento, de um Hotel, bungallows, SPA, moradias, e a deslocação do parque de campismo para a zona nascente da ilha, como que se de uma “expropriação” se tratasse, esta não mais seria a mesma. Não sejamos ingénuos… Já deveríamos ter aprendido com aquilo que se passou e (infelizmente) se vai passando um pouco por todo o litoral… Até porque não devem ser exclusivamente os endinheirados a ter direito de usufruto das zonas privilegiadas...
Artigo publicado no jornal "Público" em 08/08/2005
Miguel Godinho
sábado, julho 30, 2005
O Património Cultural Algarvio (artigo publicado no "Jornal do Algarve")
O Algarve é uma região que apresenta características culturais únicas relativamente ao restante panorama português, apesar destas estarem profundamente ameaçadas há já alguns anos. No que toca ao Património material e imaterial algarvio, a região está hoje profundamente injuriada, não só devido à incultura e ao desinteresse da população em geral face a um legado que, materialmente não apresenta a monumentalidade existente noutras regiões, mas também devido à incúria do poder técnico e político que muitas vezes actua favorecendo interesses imobiliários menos claros.
Se é certo que a nossa região não possui um Inventário artístico pormenorizado de todos os bens com interesse cultural e que por isso devem ser preservados, cuidados e estudados, também é certo que esse facto possibilitou e potenciou a destruição patrimonial em virtude da satisfação de um turismo voraz e completamente alheio às suas vertentes culturais.
Hoje em dia, começam finalmente a equacionar-se diferentes formas de orientação do turismo numa tentativa de promoção das potencialidades culturais da nossa região, como alternativa ao simples pacote sol/praia. Mas será que já não é tarde de mais? Não terão sido os erros cometidos excessivamente graves? Não estará o património algarvio demasiadamente corrompido e adulterado no seu legado cultural?
Penso que não, mas para tal terão de ser criadas ferramentas de protecção e de detecção dos campos prioritários em que devem ser tomadas medidas. Nesse sentido, foi criada há alguns anos pela Universidade do Algarve uma licenciatura em Património Cultural, na tentativa de lançar técnicos que possam intervir, divulgar, desenvolver acções dentro deste âmbito. Será importante agora que as portas sejam abertas por parte das diversas instituições (especialmente as públicas – principalmente as Câmaras Municipais, já que são estes os principais centros de decisão) uma vez que um grande número destes técnicos continua desempregado e à espera que estes empregos (que já deviam existir) sejam disponibilizados. È urgente dar resposta a esta vontade de defesa das riquezas da região, nas suas mais variadas formas: arquitectónica, paisagística, literária, musical, histórica, arqueológica, gastronómica, etc. Todas estas heranças poderão ser dinamizadas de forma a conseguir que a nossa região não perca de vez o carácter único que possui.
O património é de todos e deve ser defendido a fim de preservar a memória que também a todos pertence.
Miguel Godinho
O Algarve é uma região que apresenta características culturais únicas relativamente ao restante panorama português, apesar destas estarem profundamente ameaçadas há já alguns anos. No que toca ao Património material e imaterial algarvio, a região está hoje profundamente injuriada, não só devido à incultura e ao desinteresse da população em geral face a um legado que, materialmente não apresenta a monumentalidade existente noutras regiões, mas também devido à incúria do poder técnico e político que muitas vezes actua favorecendo interesses imobiliários menos claros.
Se é certo que a nossa região não possui um Inventário artístico pormenorizado de todos os bens com interesse cultural e que por isso devem ser preservados, cuidados e estudados, também é certo que esse facto possibilitou e potenciou a destruição patrimonial em virtude da satisfação de um turismo voraz e completamente alheio às suas vertentes culturais.
Hoje em dia, começam finalmente a equacionar-se diferentes formas de orientação do turismo numa tentativa de promoção das potencialidades culturais da nossa região, como alternativa ao simples pacote sol/praia. Mas será que já não é tarde de mais? Não terão sido os erros cometidos excessivamente graves? Não estará o património algarvio demasiadamente corrompido e adulterado no seu legado cultural?
Penso que não, mas para tal terão de ser criadas ferramentas de protecção e de detecção dos campos prioritários em que devem ser tomadas medidas. Nesse sentido, foi criada há alguns anos pela Universidade do Algarve uma licenciatura em Património Cultural, na tentativa de lançar técnicos que possam intervir, divulgar, desenvolver acções dentro deste âmbito. Será importante agora que as portas sejam abertas por parte das diversas instituições (especialmente as públicas – principalmente as Câmaras Municipais, já que são estes os principais centros de decisão) uma vez que um grande número destes técnicos continua desempregado e à espera que estes empregos (que já deviam existir) sejam disponibilizados. È urgente dar resposta a esta vontade de defesa das riquezas da região, nas suas mais variadas formas: arquitectónica, paisagística, literária, musical, histórica, arqueológica, gastronómica, etc. Todas estas heranças poderão ser dinamizadas de forma a conseguir que a nossa região não perca de vez o carácter único que possui.
O património é de todos e deve ser defendido a fim de preservar a memória que também a todos pertence.
Miguel Godinho
Subscrever:
Mensagens (Atom)