quinta-feira, novembro 03, 2005


Cacela – Uma porta aberta ao turismo cultural do litoral algarvio

É certo e sabido que turismo cultural é coisa que se conhece muito pouco na parte litoral da nossa região, quer pelo ofuscamento que a qualidade das nossas praias desenvolve nas mentes mais ávidas de cultura, quer pelo estado avançado de adulteração cultural que a esta região desenvolveu, tal qual doença prolongada que se vai agravando com os tempos. É de realçar que, ultimamente até os folhetos distribuídos por Institutos Nacionais de promoção histórica, cultural e monumental das várias regiões (que têm acompanhado os jornais nacionais de grande tiragem) não apontam nenhum interesse abaixo de Évora, como se o Algarve fosse exclusivamente sol e praia. Por vezes sinto que não podiam estar mais longe da verdade...
Ora, no sotavento algarvio (felizmente ainda pouco perseguido pelo espírito assombroso das massas, em relação ao barlavento) começa a desenhar-se um desejo de promoção turística orientada na qualidade e não na quantidade. A aposta na dignificação dos sítios com potencial cultural começa a verificar-se, ainda que estes estejam situados na faixa litoral, ao contrário do que seria de prever... Cacela e Santa Rita (aldeia pertencente à mesma freguesia) são dois bons exemplos da tentativa de dignificação da História e do passado, e do desejo de que, com essa atitude, se consiga uma catapulta para o futuro com a dignidade que merecem.
A freguesia de Vila Nova de Cacela, pertencente ao concelho de Vila Real de Santo António anuncia-se com o carimbo efectivo das marcas da História. Presença incontestável de estratégias defensivas da costa do sul da Península, Cacela sugere uma ocupação continuada desde tempos imemoriais, mostrando um conjunto de valores arqueológicos e históricos ilustrativos de várias épocas, desde períodos pré-históricos, passando pela dominação romana, árabe, calcorreando as campanhas da Reconquista cristã e as transformações ocorridas no pós-terramoto de 1755, em plena época Moderna, mostrando claramente todo um leque de continuidades culturais, como se vê ainda hoje pelas marcas dos edifícios, pelos traçados das ruas, pela morfologia das casas, pelos hábitos e costumes das gentes...
Para além da paisagem que a indescritível vista sobre o mar oferece, toda esta povoação de Cacela e arredores guarda uma relação com a terra e com o que dela provém, num claro conjunto de contactos e dependências, complementando os proveitos do mar com os da terra, numa clara permanência de toda uma cultura mediterrânica.
A autarquia de Vila Real de Santo António tem agora em mãos um projecto de desenvolvimento e a hipótese de mostrar o que é desenvolver sem adulterar, apostando na qualidade e na coerência, na promoção do território pela valorização do seu património, no seguimento das linhas que definem o turismo cultural. O recém criado Centro de Investigação e Informação do Património de Cacela apresenta-se como uma plataforma de acompanhamento de estudos, investigadores e visitantes interessados, ao serviço da população em geral, mas principalmente dos interesses locais, num claro desejo de implementação e desenvolvimento das mais valias da terra.
O desenvolvimento de percursos turísticos direccionados para públicos específicos, com visitas preparadas para cada tipo de público (Escolas primárias e secundárias; Universidades, Investigadores; visitantes interessados, etc.) são uma das potencialidades deste pólo dinamizador, para além de todo um projecto de investigação, divulgação e desenvolvimento do património da área, na continuação do trabalho desenvolvido pelo Núcleo do Património Histórico, o qual tinha já produzido entre outros, a Carta do Património de Cacela (a ser editada muito em breve), a par dos inúmeros trabalhos arqueológicos que têm vindo a ser realizados.
Cumpre agora às entidades competentes deixar que o progresso se mantenha sustentado, coerente e extremamente regrado, ao mesmo tempo que permita que a dinamização da zona se transforme numa constante. À população deve caber uma aposta na qualidade da oferta da zona, não deixando que aconteça o mesmo que aconteceu noutras zonas do país, quando a dinâmica turística não soube acompanhar as riquezas da terra.
Publicado no "Jornal do Algarve" em 3/11/2005

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