terça-feira, abril 08, 2008

Prelúdio
Ensinaste-me o caminho para lá chegar e agora sei percorrê-lo, até de olhos fechados. Provaste-me subtilmente que não há outra forma para se caminhar senão com os pés bem assentes, talvez por isso não seja hoje capaz de criar ilusões para não consentir desilusões. Não era teu, não eras minha. Mãe ou irmã - que interessava isso?
Percebi contigo que um grão de areia poderia explicar o deserto pois, se bem te lembras, também me demonstraste que uma simples coisa podia explicar uma grande coisa. As partes são no fundo a imagem do todo, eram essas as tuas palavras. Lembro-me perfeitamente do início - de quando me mudei para tua casa porque a vida em casa da mãe era fodida - e observo agora a degradação dos dias de hoje. Talvez tenha sido sempre assim. Possivelmente neste caso a degradação não foi crescente, talvez tenha existido sempre o mesmo nível de degradação. Mas a degradação sempre existiu na nossa família e com ela sempre convivemos. Digo isto porque o desenrolar da vida mostrou-me que tudo se degrada (ou as tuas lições é que me fizeram ver o mundo dessa forma), tudo se constrói para ruir. Bastava olhar para a maçã que deixavas no quintal, em cima do vaso sem flor e que pedias para ninguém tocar. O bolor inundava a fruta. Nunca percebi muito bem qual o objectivo mas parece que gostavas de mostrar a ti própria e talvez mostrar-me a mim também que tudo caminha sempre para a sua degradação. Um simples acto que explicava a Vida. Duas das tuas maiores lições: o todo explicado claramente pelas partes e a degradação progressiva das coisas.

[1º texto de um extenso conjunto]
Miguel Godinho

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