As primeiras memórias [2]
Lembro-me de muito pouco da casa de S. Luís. Para além da moto, da cama, da pequena horta do meu pai (e do seu bigode a roçar-me a cara), da televisão da vizinha Gertrudes, nada mais. É interessante o facto de não possuir memória alguma da minha mãe ou sequer da minha irmã, por esta altura. Nada. Duas pessoas que são e sempre foram absolutamente fundamentais para mim e nem uma única recordação.
A casa onde vivíamos localizava-se em torno de um grande quintal ao qual se acedia por um grande portão de ferro que dava para a Estrada de S. Luís. Era necessário abri-lo e percorrer um grande corredor, depois uma imensa escadaria e por fim percorrer o quintal até bem lá ao fundo. A mim parecia-me tudo grande, o portão, as escadas, o quintal. Hoje sei que afinal era eu que era pequeno. Afinal, o portão não passava de uma simples porta.
Nesse quintal estavam localizadas várias casas, como que escondidas do reboliço urbano que, diga-se de passagem não tinha muito de urbano, por aqueles tempos em que lá vivíamos. A nascente daquela zona da cidade existia apenas o bairro da Penha, bairro esse que não teria mais de duas dezenas de casas térreas e uns poucos prédios de dois ou três andares derramados por entre algumas estradas, a maioria de areia. A desordem urbanística só muito mais tarde se viria a tornar evidente.
A rotunda do Hospital ainda não existia nem tão pouco a Avenida Calouste Gulbenkian. Lembro-me perfeitamente da sua construção e do espectacular simulacro que os bombeiros lá fizeram, penso que por alturas da sua inauguração. Acho que foi esta a última memória registada, associada àquela casa. A partir daí houve um vazio e nem me lembro sequer da mudança, que sem dúvida deve ter sido constrangedora. É estranho mas, revisitando estes tempos, dou por mim e encontro-me já a viver num sítio cuja casa-de-banho não passava de um buraco no chão e de uma espécie de alguidar embutido na parede. Este seria o local onde três pessoas viriam a ter de fazer a sua parca higiene diária, durante os próximos seis ou sete longos anos.
Miguel Godinho
Lembro-me de muito pouco da casa de S. Luís. Para além da moto, da cama, da pequena horta do meu pai (e do seu bigode a roçar-me a cara), da televisão da vizinha Gertrudes, nada mais. É interessante o facto de não possuir memória alguma da minha mãe ou sequer da minha irmã, por esta altura. Nada. Duas pessoas que são e sempre foram absolutamente fundamentais para mim e nem uma única recordação.
A casa onde vivíamos localizava-se em torno de um grande quintal ao qual se acedia por um grande portão de ferro que dava para a Estrada de S. Luís. Era necessário abri-lo e percorrer um grande corredor, depois uma imensa escadaria e por fim percorrer o quintal até bem lá ao fundo. A mim parecia-me tudo grande, o portão, as escadas, o quintal. Hoje sei que afinal era eu que era pequeno. Afinal, o portão não passava de uma simples porta.
Nesse quintal estavam localizadas várias casas, como que escondidas do reboliço urbano que, diga-se de passagem não tinha muito de urbano, por aqueles tempos em que lá vivíamos. A nascente daquela zona da cidade existia apenas o bairro da Penha, bairro esse que não teria mais de duas dezenas de casas térreas e uns poucos prédios de dois ou três andares derramados por entre algumas estradas, a maioria de areia. A desordem urbanística só muito mais tarde se viria a tornar evidente.
A rotunda do Hospital ainda não existia nem tão pouco a Avenida Calouste Gulbenkian. Lembro-me perfeitamente da sua construção e do espectacular simulacro que os bombeiros lá fizeram, penso que por alturas da sua inauguração. Acho que foi esta a última memória registada, associada àquela casa. A partir daí houve um vazio e nem me lembro sequer da mudança, que sem dúvida deve ter sido constrangedora. É estranho mas, revisitando estes tempos, dou por mim e encontro-me já a viver num sítio cuja casa-de-banho não passava de um buraco no chão e de uma espécie de alguidar embutido na parede. Este seria o local onde três pessoas viriam a ter de fazer a sua parca higiene diária, durante os próximos seis ou sete longos anos.
Miguel Godinho
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