talvez nem seja tão difícil assim, virarmos as costas e desligarmos, sintonizarmos uma outra frequência, admitirmos a incompatibilidade, a desarmonia, a desconexão no meio desta selva, na dissonância da vidinha de todos os dias: desalinhemo-nos, deformemo-nos, desformemo-nos, desenformemo-nos, mas afinal quem é que quer ser perfeito todos os dias, andar com um sorriso pálido só porque o protocolo de estarmos vivos assim o exige, quem é que quer ser coerente a toda a hora, quem é que gosta de riscas ao meio, eu não gosto, eu não sei, eu não quero, eu não faço questão de acordar penteadinho depois de um sonho, eu gosto é de me perder na demência de ter de ser eu próprio, eu quero é espreitar para lá do horizonte de mim próprio, olhar o abismo e saltar, cair no vazio, eu não quero saber se atinjo todos os dias os objectivos, se estou apto, se sou capaz, claro que sou capaz, se toda a gente me compreende – às vezes até falo mandarim, não é importante que sejamos claros, nós não queremos ser sempre claros, o erro também tem o seu interesse, a sombra, o lado negro das coisas, o lado escuro de nós próprios, a bruma, que pouca gente nos entenda, um bom livro é constituído por partes que primeiro não fazem sentido e depois nos atingem na cara, um poema explode-nos sempre na cara, as palavras estão sempre armadilhadas, as palavras são bombas, tal como a vida também está sempre minada: nós nunca sabemos o dia de amanhã, nós nunca sabemos o dia de amanhã, portanto, guardemos o melhor só para quem nos merece, o melhor só para quem nos merece
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mg 2013
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