Os nossos dias (20)
(no regresso a casa, ao fim do dia,
gostamos sempre de reflectir um pouco
sobre mais este dia com que Deus nos abençoou
enquanto não chegamos para comer, dormir e esquecer)
Um dia atrás do outro a caminhar errantes
pelo trilho da cegueira
ultimamente são assim os nossos dias
trajados de um veludo rasgado
num anseio constante
por um devir melhor preenchido
nada mais falhado que esperar
pelos efeitos da luz dos dias
tudo isso se consome
pouco tempo depois de nascer
Aquilo que mais cedo ou mais tarde
acabamos por descobrir
é que apenas nos dão permissão
para marchar descalços
num chão repleto de vidros
As ilusões – os dias são feitos disso
e a penumbra – porquê que ninguém fala disso? Da distância
que nos separa do sonho inocente
(o Sr. Engenheiro acha que faz parte da sua função
limitar-nos a liberdade de raciocínio
e o Sr. Doutor também se sente na obrigação
de nos impor regras nas convicções
cada vez mais formatadas, como convém
a pretexto de mais um projecto
de relevada importância. Queria, antes de mais,
deixar o meu apreço a esses senhores
tão importados em ensinar-nos
um pouco de etiqueta comportamental)
Os nossos dias são cinzentos
mas vivemos e calamos
como que com medo
vá-se lá saber do quê
talvez de nos descobrirmos
no meio do esterco
Miguel Godinho
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