domingo, setembro 14, 2008

Uma nova geração de poetas?
O poeta, o verdadeiro poeta, quanto a mim, deve desinteressar-se (no sentido de se sentir obrigado a retorquir só para produzir efeito entre pares) sobre aquilo “que realmente precisa de envelhecer”. A produção poética é filha do tempo de quem a produz. Um poeta que é novo (com menos de quarenta anos) não deve escrever no sentido de se fazer passar por velho, não deve procurar a afirmação através de uma maturidade fingida. O próprio conceito de maturidade é extremamente relativo - veja-se, por exemplo, o caso de Rimbaud. Quanto a mim, o poeta deve olhar, ver e bradar, reflectir, e dizer da forma que melhor o satisfaz e que lhe for mais sincera, da forma que se sentir impelido a fazê-lo. Um poeta é uma pessoa e uma pessoa é filha do seu próprio tempo. E a poesia só carece de autenticidade. O problema é que a visão portuguesa actual erigida pelos “senhores maturos e estabelecidos” se refere aos poetas emergentes como pessoas que, “surgindo primeiramente, em eventos colectivos cheios de gente, organizados por gente que já foi emergente, os emergentes seniores, e que só organizam eventos com emergentes, acham que os emergentes fazem poesia só para poderem dizer que também trabalham com gente”. Visão soberba. E, assim sendo, esses “senhores seniores da poesia” perderam o objectivo de romper barreiras, de deitar abaixo muros, no fundo, do propósito da poesia - que é o que fazem (geralmente) esses poetas emergentes. Quando, na apresentação de sábado (do livro do Pedro Afonso, o “Ainda aqui este lugar”), no Pátio das Letras, em Faro, me referi ao Pedro como um poeta emergente, estava fora desta discussão tola sobre a “nova poesia portuguesa”…
Quanto a mim, a nova poesia portuguesa, é aquela que se esta a fazer hoje em dia. E existe efectivamente uma nova geração de poetas portugueses que estão a tentar afirmar-se. O Pedro é um deles. O “novo”, enquanto “novidade”, só se poderá perceber quando passar a ser velho. É interessante verificar-se que o novo, quando se institui como tal, passa a ser velho. É hora desses “senhores maturos e estabelecidos” ou que pretendem fazer passar-se por tal (talvez o problema seja esse), permitirem e assumirem isso mesmo, por muito que custe a essa elite de “senhores poetas”. Permitam-me dizer-lhes, de uma forma muito carinhosa: “Fuck you”. A poesia também existe nesta brilhante fórmula da língua inglesa, basta usá-la no contexto certo. O Sr. Berardo sabe disso.

Miguel Godinho

2 comentários:

hmbf disse...

Deve haver aqui um equívoco qualquer, desculpável pelo autor do post ter “estado fora desta discussão tola”. Agora que na “discussão tola” entrou, permita-me esclarecer que a citação aí reproduzida entre aspas não é de um “senhor maturo e estabelecido”, mas sim de uma jovem artista de seu nome Maria João Lopes Fernandes. O post da Maria João, já com uns anitos, ironizava o discurso em torno dos ditos “emergentes” no mundo das artes, ironia essa, quanto a mim, extensível ao discurso sobre os chamados “novíssimos poetas”. Um pouco de mais atenção permitir-lhe-ia, inclusive, deduzir que a autora da citação aqui reproduzida estará, julgo eu, em concordância consigo no essencial das suas elucubrações.

Já eu não posso estar de acordo com algumas questões que não são de mero pormenor: a ideia da existência de um verdadeiro poeta (provavelmente em contraponto ao falso, que, nesse caso, não seria poeta) assente num princípio de “dever” é uma delas. Decalcando Duchamp, diria que não há verdadeiros nem falsos poetas. Há poetas. Felizmente, o tempo da Inquisição, em que essas coisas se determinavam recorrendo a métodos pouco saudáveis, já lá vai. Julgo ainda que o poeta não “deve” nada que não seja escrever poemas.

O Miguel pretende ser pedagógico: um poeta novo “não deve” (mais uma vez a obsessão com o dever, a qual perdurará pelo texto dentro) escrever no sentido de se fazer passar por velho, não deve procurar a afirmação através de uma maturidade fingida. Os poetas novos agradecer-lhe-ão a lição. Eu é que não me sinto com capacidades para determinar o que deva ou não fazer um poeta novo. Não tenho essa sabedoria. Mas parece-me algo pretensioso supor-se capaz de descortinar se a maturidade que alguém revela na sua escrita é fingida ou não. O próprio exemplo que dá joga contra a sua tese, na medida em que relativiza a maturidade. Concordo que seja relativa, pelo que discordo que seja possível determinar até que ponto ela é fingida ou autêntica. E, já agora, não tem mal nenhum em ser fingida. Como diria o outro, o poeta é um fingidor.

Miguel Godinho disse...

Calma, Henrique. Primeiro que tudo, eu sei de quem é a afirmação. E sei também também que está de acordo (a afirmação) com aquilo que eu acho, ou melhor, eu estou de acordo com a afirmação. Quando me refiro ao que um poeta “deve” ou “não deve” fazer obviamente que o faço no intuito de provocar e mostrar a minha indignação pelo acto de julgar a poesia pela idade dos poetas. Não procuro pedagogias nem pretendo linchar ninguém a não ser os senhores “doutos da poesia”, aqueles que acham que os mais novos são ralé exclusivamente por causa disso mesmo: por serem novos. Por não terem “a maturidade necessária”.
Mantenho também que há poetas novos que se tornam artificiais por tentarem ser aquilo que não são, correndo o risco de perderem identidade, de se tornarem parolos. É óbvio que um poeta tem todo o direito de ser um fingidor. O problema é o porquê desse fingimento. Na minha visão romântica da poesia não a consigo conceber como a arte de tentar impressionar os outros, mostrando sabedoria, emanando maturidade, procurando um “sim senhor, que erudição, que sapiência”. Aí, estão a dar razão aos “senhores poetas” ou aos “senhores da poesia”.
A minha visão da poesia é a arte de se ser autêntico, de se ser capaz de deitar cá para fora aquilo que tem mesmo de sair. Parece-me às vezes, que certas coisas que leio não são mais que ficções falsificadas, corrompidas pela necessidade de mostrar maturidade, ilusões criadas somente para que estes poetas novos se esqueçam de quem são, através de artimanhas fogosas, engendradas de forma gloriosa, pensamentos heróicos que resultam na perda daquilo que, quanto a mim, realmente interessa no acto de escrever: a descoberta deles próprios.