O Martim Moniz
Em que pensam estas criaturas anónimas
dormentes imunes à vida
enquanto transferem beatas sonhadoras apagadas
de uma mão nervosa para outra
numa alienação prostituída?
Uma voz surda penetra constantemente
as ruas num canto solene ao deus dará
enquanto cadáveres deambulam
por entre ilusões extintas de uma vida melhor
A dor insiste constantemente em despir-se
nas calçadas encardidas
e nós comodamente sentados a passar de carro
e a desviar o olhar da pureza da cena
ninguém gosta de ver uma velha a caminhar nua pelas ruas
nem que queiramos ver nisso uma encenação teatral
O que esperam estas criaturas da vida?
o mundo esqueceu-se delas
como elas se esqueceram do mundo
Ao fundo da rua um homem foge dele mesmo
envolto numa nuvem branca de fumo esbracejando
a ressaca que teima em desgrenhar-lhe os longos cabelos sujos de carcoma
os suores frios são lâminas que dilaceram
e eu quase que as sinto a cortar-lhes a pele
Miguel Godinho
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