A ausência
O cansaço cicatrizou-me a súplica e
o desejo de retorno a um tempo
sem tempo esfumou-se por
entre este universo de quimeras
que habito
agora
só resta o estigma que assevera a dor
e a dor que afirma a ausência
a tua
Miguel Godinho
quarta-feira, fevereiro 28, 2007
domingo, fevereiro 25, 2007
Kulsi yeggan, ala taben’emmet d waman
“Tudo (o que existe) dorme, excepto o rancor e a água”
Provérbio Kabyl, Enciclopédia berbere, IV, A 179. Aman, p. 559.
As águas que não dormem
As nascentes férteis das palavras
nem sempre estão ao alcance da vontade
há que escavar e construir
os acessos aos mananciais
essas fontes que brotam do fundo
da alma e alagam o sentir
intensos ardores que como
nascentes de fogo arrojam
por vezes a lama como nas
enxurradas que tudo arrastam
tornando sensíveis os campos
onde novas árvores tentarão crescer
qual sínteses de mim
e as constantes correntezas do tempo
que sempre me escrevem a dor
poderão continuar fluentes
como as águas
que não dormem
Miguel Godinho
“Tudo (o que existe) dorme, excepto o rancor e a água”
Provérbio Kabyl, Enciclopédia berbere, IV, A 179. Aman, p. 559.
As águas que não dormem
As nascentes férteis das palavras
nem sempre estão ao alcance da vontade
há que escavar e construir
os acessos aos mananciais
essas fontes que brotam do fundo
da alma e alagam o sentir
intensos ardores que como
nascentes de fogo arrojam
por vezes a lama como nas
enxurradas que tudo arrastam
tornando sensíveis os campos
onde novas árvores tentarão crescer
qual sínteses de mim
e as constantes correntezas do tempo
que sempre me escrevem a dor
poderão continuar fluentes
como as águas
que não dormem
Miguel Godinho
sexta-feira, fevereiro 23, 2007
Patrimónios hidráulicos algarvios – memórias de outros tempos
O acesso à água tem sido uma preocupação constante ao longo dos tempos. Desde tempos pré-históricos que o Homem tenta “controlar” o acesso à água, inventando maneiras de a “ter à sua disposição”, tentando sempre fixar-se o mais próximo possível desta. Assim, nas descobertas arqueológicas, verificamos que os povoados mais antigos se situam quase sempre junto a um curso de água. A grande maioria dos vestígios arqueológicos ligados à ocupação humana dos territórios aparece perto destes.
Entre os romanos, já se edificavam, com frequência, cisternas, mas principalmente aquedutos e barragens (muitas delas exageradamente robustas), para assegurar o abastecimento de água às cidades e villae, num esforço de garantir o seu abastecimento. Mas antes disso, já os egípcios tinham desenvolvido complicados sistemas de canais e diques que chegavam a percorrer centenas de quilómetros para abastecer zonas pobres em água. E antes ainda, é bem provável que as regiões ao norte da Mesopotâmia já detivessem importantes conhecimentos hidráulicos. Mas é sabido que foram os povos árabes aqueles que se celebrizaram pelas tecnologias de aproveitamento das águas ainda que não se possa atribuir a estes a “invenção” dos elementos de elevar e transportar a água, conforme sustentam as teorias tradicionais. Foram eles possivelmente os responsáveis pela introdução de alguns destes elementos na península ibérica mas o grande desenvolvimento destas tecnologias resulta de toda uma construção de saberes provenientes de tempos anteriores, como se percebe. Este facto estará em muito ligado ao tipo de clima que as regiões de onde são oriundos apresentam, à irregularidade das chuvas, à inacessibilidade da água, à escassez da mesma, à instabilidade do clima. Podemos por isso, afirmar que os árabes difundiram o uso dos poços e dos sistemas elevatórios de água, ao passo que os romanos se singularizaram no aproveitamento das águas de superfície.
O Algarve beneficiou muito com todos estes desenvolvimentos e todas estas sucessivas introduções de novas tecnologias relacionadas com o aproveitamento das águas. Aqui, soube-se aproveitar e melhorar todas as tecnologias ligadas ao aproveitamento da água para a irrigação dos terrenos agrícolas e para todos os consumos domésticos. Desde cedo se edificaram complexos sistemas de irrigação dos terrenos e de aproveitamento das águas das chuvas e dos mananciais subterrâneos. Na região, temos testemunhos edificados provenientes do período romano (barragens / açudes), passando por cisternas construídas pelos árabes, e muitíssimos outros elementos que foram sendo construídos até ao séc. XX, de onde se destacam as canhas, um elemento subterrâneo de condução das águas ainda não estudado na nossa região e de possível introdução árabe.
Hoje em dia, é bastante evidente que fontes, poços, noras, aquedutos, tanques, cisternas, represas, moinhos de água, são formas arquitectónicas que individualizam a paisagem da nossa região, afirmando a forma como o homem se relacionava com o território utilizando o seu engenho e arte no aproveitamento da água para a sua sobrevivência e actividades. E digo relacionava uma vez que a realidade hoje em dia é bastante diferente. Embora muitos desses elementos ainda existam, têm hoje em dia uma apresentação totalmente distinta em relação ao seu aspecto de há cerca de cinquenta anos atrás – o abandono causado pelo desuso é uma evidência clara, nos dias que correm.
Num trabalho realizado recentemente pude verificar que existem no concelho de Vila Real de Santo António para cima de 400 elementos (noras, poços, cisternas, tanques, etc) distribuídos um pouco por todo o concelho (que é relativamente pequeno, comparado com outros da mesma região). A maioria estava desaproveitada. Grande parte em ruína. Alguns reformulados, tendo a força motriz e alguns dos materiais de construção sido substituídos. Uma fatia considerável associada ainda a lendas e à religiosidade popular. Todos eles com muitas memórias inscritas.
Torna-se extremamente importante estimular a reflexão da comunidade relativamente à importância que têm os patrimónios hidráulicos. Ainda que seja muito difícil recuperar todos estes elementos, deve sem dúvida reafirmar-se a necessidade de revitalização e a utilidade cultural que têm. O levantamento, registo e estudo dos elementos da cultura material ligados à água, que o homem utilizou e/ou utiliza para beber, lavar e regar é um meio de preservação, mas no mundo actual em que vivemos (principalmente nesta região) é muito difícil proteger fisicamente estes elementos. Ainda que se apresentem como testemunhos da forma como o homem se relacionou com o território utilizando o seu engenho e arte no aproveitamento da água para a sua sobrevivência e actividades, as necessidades actuais são outras e o valor que se atribui por cá à preservação da memória ainda é muito reduzido. A factura que se acabará por pagar, caso não se faça nada para alterar a progressiva situação de abandono destes patrimónios, resultará no esquecimento desta realidade que outras gerações viveram e, no fundo, na perda de mais uma realidade na essência que nos define, enquanto algarvios e enquanto mediterrânicos.
Miguel Godinho
O acesso à água tem sido uma preocupação constante ao longo dos tempos. Desde tempos pré-históricos que o Homem tenta “controlar” o acesso à água, inventando maneiras de a “ter à sua disposição”, tentando sempre fixar-se o mais próximo possível desta. Assim, nas descobertas arqueológicas, verificamos que os povoados mais antigos se situam quase sempre junto a um curso de água. A grande maioria dos vestígios arqueológicos ligados à ocupação humana dos territórios aparece perto destes.
Entre os romanos, já se edificavam, com frequência, cisternas, mas principalmente aquedutos e barragens (muitas delas exageradamente robustas), para assegurar o abastecimento de água às cidades e villae, num esforço de garantir o seu abastecimento. Mas antes disso, já os egípcios tinham desenvolvido complicados sistemas de canais e diques que chegavam a percorrer centenas de quilómetros para abastecer zonas pobres em água. E antes ainda, é bem provável que as regiões ao norte da Mesopotâmia já detivessem importantes conhecimentos hidráulicos. Mas é sabido que foram os povos árabes aqueles que se celebrizaram pelas tecnologias de aproveitamento das águas ainda que não se possa atribuir a estes a “invenção” dos elementos de elevar e transportar a água, conforme sustentam as teorias tradicionais. Foram eles possivelmente os responsáveis pela introdução de alguns destes elementos na península ibérica mas o grande desenvolvimento destas tecnologias resulta de toda uma construção de saberes provenientes de tempos anteriores, como se percebe. Este facto estará em muito ligado ao tipo de clima que as regiões de onde são oriundos apresentam, à irregularidade das chuvas, à inacessibilidade da água, à escassez da mesma, à instabilidade do clima. Podemos por isso, afirmar que os árabes difundiram o uso dos poços e dos sistemas elevatórios de água, ao passo que os romanos se singularizaram no aproveitamento das águas de superfície.
O Algarve beneficiou muito com todos estes desenvolvimentos e todas estas sucessivas introduções de novas tecnologias relacionadas com o aproveitamento das águas. Aqui, soube-se aproveitar e melhorar todas as tecnologias ligadas ao aproveitamento da água para a irrigação dos terrenos agrícolas e para todos os consumos domésticos. Desde cedo se edificaram complexos sistemas de irrigação dos terrenos e de aproveitamento das águas das chuvas e dos mananciais subterrâneos. Na região, temos testemunhos edificados provenientes do período romano (barragens / açudes), passando por cisternas construídas pelos árabes, e muitíssimos outros elementos que foram sendo construídos até ao séc. XX, de onde se destacam as canhas, um elemento subterrâneo de condução das águas ainda não estudado na nossa região e de possível introdução árabe.
Hoje em dia, é bastante evidente que fontes, poços, noras, aquedutos, tanques, cisternas, represas, moinhos de água, são formas arquitectónicas que individualizam a paisagem da nossa região, afirmando a forma como o homem se relacionava com o território utilizando o seu engenho e arte no aproveitamento da água para a sua sobrevivência e actividades. E digo relacionava uma vez que a realidade hoje em dia é bastante diferente. Embora muitos desses elementos ainda existam, têm hoje em dia uma apresentação totalmente distinta em relação ao seu aspecto de há cerca de cinquenta anos atrás – o abandono causado pelo desuso é uma evidência clara, nos dias que correm.
Num trabalho realizado recentemente pude verificar que existem no concelho de Vila Real de Santo António para cima de 400 elementos (noras, poços, cisternas, tanques, etc) distribuídos um pouco por todo o concelho (que é relativamente pequeno, comparado com outros da mesma região). A maioria estava desaproveitada. Grande parte em ruína. Alguns reformulados, tendo a força motriz e alguns dos materiais de construção sido substituídos. Uma fatia considerável associada ainda a lendas e à religiosidade popular. Todos eles com muitas memórias inscritas.
Torna-se extremamente importante estimular a reflexão da comunidade relativamente à importância que têm os patrimónios hidráulicos. Ainda que seja muito difícil recuperar todos estes elementos, deve sem dúvida reafirmar-se a necessidade de revitalização e a utilidade cultural que têm. O levantamento, registo e estudo dos elementos da cultura material ligados à água, que o homem utilizou e/ou utiliza para beber, lavar e regar é um meio de preservação, mas no mundo actual em que vivemos (principalmente nesta região) é muito difícil proteger fisicamente estes elementos. Ainda que se apresentem como testemunhos da forma como o homem se relacionou com o território utilizando o seu engenho e arte no aproveitamento da água para a sua sobrevivência e actividades, as necessidades actuais são outras e o valor que se atribui por cá à preservação da memória ainda é muito reduzido. A factura que se acabará por pagar, caso não se faça nada para alterar a progressiva situação de abandono destes patrimónios, resultará no esquecimento desta realidade que outras gerações viveram e, no fundo, na perda de mais uma realidade na essência que nos define, enquanto algarvios e enquanto mediterrânicos.
Miguel Godinho
quinta-feira, fevereiro 22, 2007
Hoje gostava apenas de agradecer aos senhores filhos da sua mãe da PT que me desligaram o telefone e, por conseguinte, a Internet. Ontem, quando lhes liguei, após cinco dias sem ligação e pensando cá na minha ingenuidade que seria algum problema momentâneo na rede – cinco dias a pensar: o problema vai já passar… - parolo – trataram de me informar (muito cordialmente) que no dia 27 “talvez” passasse um técnico lá por casa. Fiquei tão contente. Duas semanas sem ligação. Alguém iria pagar por duas semanas de não-utilização e de deslocações se quisesse aceder à net, pensei. Talvez esse alguém seja eu. Talvez.
Miguel
quarta-feira, fevereiro 21, 2007
sexta-feira, fevereiro 16, 2007
Dos nossos espinhos nasce
Ouço o silêncio das nossas vozes e
declaro o som da tua
da nossa
ausência. Que clara a luz
distante da escura névoa que nos esclarece
que branda flor aquela
que nasce dos nossos espinhos
a chuva já cai num breve punhado de lágrimas
e o espectro de luz assoma-se
como que numa memória
de um tempo que é sempre igual
de uma história já contada
espero aqui por ti
enquanto a censura acontece
enquanto este segundo durar
Miguel Godinho
Ouço o silêncio das nossas vozes e
declaro o som da tua
da nossa
ausência. Que clara a luz
distante da escura névoa que nos esclarece
que branda flor aquela
que nasce dos nossos espinhos
a chuva já cai num breve punhado de lágrimas
e o espectro de luz assoma-se
como que numa memória
de um tempo que é sempre igual
de uma história já contada
espero aqui por ti
enquanto a censura acontece
enquanto este segundo durar
Miguel Godinho
quarta-feira, fevereiro 14, 2007
Depois disso
Depois disso
anuncio constantemente uma
nova compreensão de vida uma
reinvenção da moral abstracta tento
renovadamente um parto
de mim próprio uma
nova postura uma
ideia reformada um
novo olhar
acabo por retornar sempre
à mesma realidade como
se não soubesse outra como
se nunca tivesse reservado nada como
se o conceito que imaginei deixasse de
fazer sentido no
preciso momento em que
é engendrado
depois disso sou outro
depois disso sou o mesmo
sempre sou sempre
eu
Miguel Godinho
Depois disso
anuncio constantemente uma
nova compreensão de vida uma
reinvenção da moral abstracta tento
renovadamente um parto
de mim próprio uma
nova postura uma
ideia reformada um
novo olhar
acabo por retornar sempre
à mesma realidade como
se não soubesse outra como
se nunca tivesse reservado nada como
se o conceito que imaginei deixasse de
fazer sentido no
preciso momento em que
é engendrado
depois disso sou outro
depois disso sou o mesmo
sempre sou sempre
eu
Miguel Godinho
segunda-feira, fevereiro 12, 2007
As palavras certas
Há dias em que as mãos insistem nas teclas erradas. Dias em que após várias horas passadas em frente ao ecrã, à espera de ver sair “as” palavras, finalmente apercebemo-nos que isso não é possível. Nestes dias, raramente passamos das três primeiras linhas. Podemos até conseguir mais que isso, mas mais cedo ou mais tarde, voltamos atrás e apagamos tudo, de novo. E a tarefa, repetir-se-á umas boas vezes. Porque simplesmente, nesses dias, não é possível. E este é um desses.
Nos dias em que as certezas não têm palavras
as palavras certas não existem.
Miguel Godinho
Há dias em que as mãos insistem nas teclas erradas. Dias em que após várias horas passadas em frente ao ecrã, à espera de ver sair “as” palavras, finalmente apercebemo-nos que isso não é possível. Nestes dias, raramente passamos das três primeiras linhas. Podemos até conseguir mais que isso, mas mais cedo ou mais tarde, voltamos atrás e apagamos tudo, de novo. E a tarefa, repetir-se-á umas boas vezes. Porque simplesmente, nesses dias, não é possível. E este é um desses.
Nos dias em que as certezas não têm palavras
as palavras certas não existem.
Miguel Godinho
domingo, fevereiro 11, 2007
As danças fúteis
Há uma sombra cósmica existencial,
uma imortalidade adjacente, como que
uma justificação transcendental em tudo isto.
A intemporalidade das ideias essenciais,
presente nas palavras que nunca mudam
converte-se numa sequência
constante de descobrimentos do nosso ser.
É aí que permanece a noção do Eu,
essa que nunca se chega a ter
nestes espaços adulterados de hoje,
neste baile de danças fúteis.
Miguel Godinho
Há uma sombra cósmica existencial,
uma imortalidade adjacente, como que
uma justificação transcendental em tudo isto.
A intemporalidade das ideias essenciais,
presente nas palavras que nunca mudam
converte-se numa sequência
constante de descobrimentos do nosso ser.
É aí que permanece a noção do Eu,
essa que nunca se chega a ter
nestes espaços adulterados de hoje,
neste baile de danças fúteis.
Miguel Godinho
sábado, fevereiro 10, 2007
sexta-feira, fevereiro 09, 2007
quinta-feira, fevereiro 08, 2007
A Nora de Cacela [II]
A água que jaz no fundo da nora
de Cacela espera pelo alcatruz que
já não circula na corrente daquele
engenho oxidado. A mula que fazia girar
o eixo corroído pela idade já não se presta
ao esforço e o senhor que pacientemente
lhe cobria os olhos com o ferrolho
trava agora uma sólida luta contra o tempo.
A nora estranha a condição de já não
poder puxar a água do fundo do poço
depois de tantos litros de labor
e a labuta das terras por agricultar
já não pertence nem aos homens nem
às bestas deste Algarve apartado
de hoje. A paisagem de esquecimento de
anos e anos de dor, sofrimento e alegria
é óbvia e vai ditando o cessar da essência
deste cantinho plantado por entre
serra, prédios e mar.
Miguel Godinho
A água que jaz no fundo da nora
de Cacela espera pelo alcatruz que
já não circula na corrente daquele
engenho oxidado. A mula que fazia girar
o eixo corroído pela idade já não se presta
ao esforço e o senhor que pacientemente
lhe cobria os olhos com o ferrolho
trava agora uma sólida luta contra o tempo.
A nora estranha a condição de já não
poder puxar a água do fundo do poço
depois de tantos litros de labor
e a labuta das terras por agricultar
já não pertence nem aos homens nem
às bestas deste Algarve apartado
de hoje. A paisagem de esquecimento de
anos e anos de dor, sofrimento e alegria
é óbvia e vai ditando o cessar da essência
deste cantinho plantado por entre
serra, prédios e mar.
Miguel Godinho
terça-feira, fevereiro 06, 2007
A corrente do esquecimento
Miguel Godinho
Que forma tem uma ideia?
qual o seu peso, a sua estrutura,
a sua materialidade?
E que cheiro tem essa ideia,
qual o seu sabor, a sua textura?
Onde se reclamam as ideias perdidas?
Houve um conceito que repetia o nome da eternidade. Abruptamente, deixou-se seguir na corrente do esquecimento e escoou, remando nos braços da sorte que tão depressa a trouxe a esta cabeça como assim a levou de volta, repondo a preços de súplica um retorno à inocência dos bolsos vazios… de ideias.
qual o seu peso, a sua estrutura,
a sua materialidade?
E que cheiro tem essa ideia,
qual o seu sabor, a sua textura?
Onde se reclamam as ideias perdidas?
Houve um conceito que repetia o nome da eternidade. Abruptamente, deixou-se seguir na corrente do esquecimento e escoou, remando nos braços da sorte que tão depressa a trouxe a esta cabeça como assim a levou de volta, repondo a preços de súplica um retorno à inocência dos bolsos vazios… de ideias.
Miguel Godinho
segunda-feira, fevereiro 05, 2007
Cumprimos rigorosamente o ritual da mais
antiga solidão. Desenhamos palavras, que se
inscrevem no papel, como se fosse pedra,
para que as chuvas as amaciem, roubando-lhes
a rudeza das consoantes. Limpo-as da sua casca,
como os lenhadores fazem aos troncos,
descobrindo a matéria fresca que enche as
veias da frase, humedecendo a boca. Mas tu,
que te apressas em direcção à saída, ouve
ainda o que te dizem: «Viajante, aqui te
esperamos, sempre.» E quando saíres, o sol
intenso da manhã impedir-te-á de saber onde
estás, ou se cada um dos prédios que te rodeiam
é, afinal, um fragmento de coluna, que um
deus irado quebrou. Depois, habitua-te ao presente;
e faz da árvore do centro, a que resiste no seu
canto, guarida de sombras e de aves,
a provisória habitação do seu sonho.
Nuno Júdice, Geografia do caos, Assírio & Alvim, 2005, p.64.
antiga solidão. Desenhamos palavras, que se
inscrevem no papel, como se fosse pedra,
para que as chuvas as amaciem, roubando-lhes
a rudeza das consoantes. Limpo-as da sua casca,
como os lenhadores fazem aos troncos,
descobrindo a matéria fresca que enche as
veias da frase, humedecendo a boca. Mas tu,
que te apressas em direcção à saída, ouve
ainda o que te dizem: «Viajante, aqui te
esperamos, sempre.» E quando saíres, o sol
intenso da manhã impedir-te-á de saber onde
estás, ou se cada um dos prédios que te rodeiam
é, afinal, um fragmento de coluna, que um
deus irado quebrou. Depois, habitua-te ao presente;
e faz da árvore do centro, a que resiste no seu
canto, guarida de sombras e de aves,
a provisória habitação do seu sonho.
Nuno Júdice, Geografia do caos, Assírio & Alvim, 2005, p.64.
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