Sou pai desta dor
Sou pai desta dor
Prossigo na minha recusa de azul, embalando o meu retiro negro
Proclamo a sede desta melancolia
como que se parisse todos os dias uma dor que me apraz
porque me faz sentir
sensações de sangue.
Cortejei tanto tempo uma afeição que imaginei,
fantasiei uma necessidade constante de me provocar,
de agredir aquilo que me conforta.
Eu não posso gostar desse eu
porque esse eu não me deixa ser
eu.
Miguel Godinho
quinta-feira, fevereiro 23, 2006
terça-feira, fevereiro 21, 2006
Locais sem lei
Existem sítios no Algarve (e com certeza em muitos mais locais do país) onde as leis que regulamentam os licenciamentos de construção se encontram apenas sujeitas à aprovação dos municípios que oferecerem melhores condições para o cumprimento dos objectivos de quem quer construir. E é só escolher entre dois, com sorte três ou quatro, conforme o número de concelhos que constituem a fronteira onde esses terrenos se encontrem situados. São aquilo que se poderia chamar de terrenos sem lei, parcelas de terreno que estão localizadas em zonas nebulosas, algo obscuras, zonas situadas num limbo capaz de destruir o conceito de “clandestinidade”, pela sua inequívoca capacidade de equivocar. Terrenos ambíguos pelas suas margens de manobra, mas inocentes pela indefinição geográfica.
A deficiente organização do nosso território traz por vezes ao de cima situações bastante interessantes no que toca às suas não-tutelas administrativas. Desta vez, o palco da acção localiza-se à saída de Faro, ou à entrada de Loulé (entenda-se como convier), junto ao restaurante Austrália. Ao que parece, aquilo que se pretende é que aquele sítio venha a albergar o novo stand da Fialgar, licenciando-o enquanto inserido numa acção justificada pela necessidade de remodelação e ampliação das instalações industriais da empresa Madeisul, Lda. O município de Loulé deu luz vermelha aos trabalhos após verificar que as obras já estavam em andamento (sem licença desta autarquia). No entanto, o município de Faro já tinha dado luz verde por entender que o terreno estava abrangido pelo seu PDM. Qual das vereações tem poder para decidir sobre esta questão quando se descobre que os PDM’s destas duas autarquias se sobrepõem?
A juntar ao problema de indefinição da tutela, deve dizer-se que aquele terreno se encontra inserido numa zona classificada como Reserva Agrícola Nacional. Já não toco neste assunto porque quem conhece aquela zona, observa perfeitamente que não existem batatas naqueles terrenos mas sim quantidades imensas de automóveis a necessitar de serem podados. Ainda assim, no PDM de Faro, lê-se que aquela área “consta como zona interdita a actividades não ligadas à agricultura, mas admite actividades ligadas ao licenciamento industrial”. Manobra muito difícil de contornar, pelo menos no meu entendimento.
No entanto, aquela que me parece a questão central, consiste na tentativa de deslindar que município tem a obrigação de definir o licenciamento e em que moldes tal se pode efectuar. É certo que o PROTAL virá ajudar a clarificar a questão, mas até lá, como solucionar o problema?
Deverá ainda dizer-se que no local onde actualmente se localiza a Fialgar (junto ao Teatro Municipal de Faro) virá a nascer um Hotel. Portanto, temos aqui três elementos extremamente importantes na consumação de todo este processo: 1) a vontade de nascimento de um Hotel; 2) a necessidade de transferência de local de uma empresa para a implantação do Hotel e 3) a autorização no licenciamento de construção por parte de uma autarquia que não tem competências claramente definidas na matéria.
Convém por fim afirmar que não sou contra a construção, mas sim contra as intransparências e contra os limbos que por aí existem, para além de querer apenas alertar a população e as autarquias para o problema na falta de organização e gestão do território.
Miguel Godinho
segunda-feira, fevereiro 20, 2006
quarta-feira, fevereiro 15, 2006
A Triste História da Cultura
A Cultura sempre foi uma criança com graves problemas de saúde. Teve dificuldades no crescimento, chamavam-lhe “minorca”. Talvez por isso, desenvolveu fortes problemas emocionais e psicológicos, perdendo o amor pelos amigos e principalmente pelos pais, já que estes estavam constantemente preocupados com outros assuntos e nunca com ela. Sem que se apercebesse bem disso, também eles deixaram de acreditar nela, ao vê-la afastar-se progressivamente, basicamente porque – dizia – não foram capazes de acompanhar os tempos, sendo não raras vezes, bastante conservadores nas suas opiniões e nas atitudes que tinham para com ela.
A Cultura nunca amadureceu verdadeiramente e continuava a usar com os mesmos brinquedos, mesmo partidos, já sem pintura e descolorados pelo tempo. Brincava sozinha, tinha uma grave fobia social. Escolhia frequentemente os mesmos sítios para se esconder, isolando-se nas suas diversões simplesmente porque tinha medo de partir à descoberta doutras. Tinha medo de ser confrontada, ajudada pelo facto dos pais, inúmeras vezes, lhe vestir roupas que ela achava ridículas.
Apesar de já ter tentado por várias vezes afirmar-se entre os outros, parecia manifestar agora uma tendência algo depressiva. Seria talvez resultado do clima de desconfiança e descrédito na vida. Tudo à sua volta parecia estar a desmoronar-se. Já não conhecia a casa, os seus pais decidiram “arranjar” e restaurar (alegavam eles!) a moradia, com dinheiro que lhes emprestaram a custo, mas a verdade é que acabaram por desvirtuá-la por completo. A vista que a Cultura tinha dantes para o mar tinha agora sido trocada por um prédio em frente porque os seus pais, a fim de “melhorar” a casa, tiveram também de vender o lote de terreno ao lado já que o dinheiro emprestado não chegava. Decidiram entregá-lo a um casal espanhol que anos antes havia manifestado interesse em adquirir parte da propriedade. A Cultura ficou desolada. Não se sentia mais em casa.
Era demasiado jovem quando assistiu ao divórcio dos pais, perdendo as referências que a ajudavam na sua fraca estabilidade. Não era mais capaz de dar resposta às necessidades sociais de integração. Ficou como que desorientada.
Bem perto da maturidade, quando os pais, já velhos e falidos, em resultado dos vários empréstimos desmedidos e de uma vida faustosa que não conseguiram manter, lhe disseram que era já altura de se fazer à vida e se aguentar sozinha, não foi capaz, tendo como única hipótese de sobrevivência, a mendigagem. Resiste ainda hoje com as esmolas dos turistas, os quais, diga-se de passagem, só lhe dão dinheiro por pena.
É triste vê-la neste estado, neste meio onde não pertence. Definitivamente não merece o triste fado que a vida lhe reservou. Pode dizer-se que não teve culpa. Como criança que era, cabia aos que tinham a sua tutela mostrar-lhe o caminho, auxiliando-a nos momentos em que mais necessitava. É mais triste ainda ver que não está a conseguir encarar a situação de uma maneira positiva. É compreensível. É muito difícil conseguir suportar uma situação onde não existe dignidade. Psicologicamente, está muito abatida e fisicamente não está saudável. Longe vãos os tempos em que mal ou bem, lá ia conseguindo levantar a cabeça. Está sem dinheiro e as roupas estão velhas – aquelas mesmas roupas que não gostava de vestir. Se passar por ela, ajude-a. Senão, dê-lhe pelo menos um pouco de atenção para evitar que o destino se torne ainda mais negro...
Miguel Godinho
Publicado no "Jornal do Algarve" em 02.03.2006
A Cultura sempre foi uma criança com graves problemas de saúde. Teve dificuldades no crescimento, chamavam-lhe “minorca”. Talvez por isso, desenvolveu fortes problemas emocionais e psicológicos, perdendo o amor pelos amigos e principalmente pelos pais, já que estes estavam constantemente preocupados com outros assuntos e nunca com ela. Sem que se apercebesse bem disso, também eles deixaram de acreditar nela, ao vê-la afastar-se progressivamente, basicamente porque – dizia – não foram capazes de acompanhar os tempos, sendo não raras vezes, bastante conservadores nas suas opiniões e nas atitudes que tinham para com ela.
A Cultura nunca amadureceu verdadeiramente e continuava a usar com os mesmos brinquedos, mesmo partidos, já sem pintura e descolorados pelo tempo. Brincava sozinha, tinha uma grave fobia social. Escolhia frequentemente os mesmos sítios para se esconder, isolando-se nas suas diversões simplesmente porque tinha medo de partir à descoberta doutras. Tinha medo de ser confrontada, ajudada pelo facto dos pais, inúmeras vezes, lhe vestir roupas que ela achava ridículas.
Apesar de já ter tentado por várias vezes afirmar-se entre os outros, parecia manifestar agora uma tendência algo depressiva. Seria talvez resultado do clima de desconfiança e descrédito na vida. Tudo à sua volta parecia estar a desmoronar-se. Já não conhecia a casa, os seus pais decidiram “arranjar” e restaurar (alegavam eles!) a moradia, com dinheiro que lhes emprestaram a custo, mas a verdade é que acabaram por desvirtuá-la por completo. A vista que a Cultura tinha dantes para o mar tinha agora sido trocada por um prédio em frente porque os seus pais, a fim de “melhorar” a casa, tiveram também de vender o lote de terreno ao lado já que o dinheiro emprestado não chegava. Decidiram entregá-lo a um casal espanhol que anos antes havia manifestado interesse em adquirir parte da propriedade. A Cultura ficou desolada. Não se sentia mais em casa.
Era demasiado jovem quando assistiu ao divórcio dos pais, perdendo as referências que a ajudavam na sua fraca estabilidade. Não era mais capaz de dar resposta às necessidades sociais de integração. Ficou como que desorientada.
Bem perto da maturidade, quando os pais, já velhos e falidos, em resultado dos vários empréstimos desmedidos e de uma vida faustosa que não conseguiram manter, lhe disseram que era já altura de se fazer à vida e se aguentar sozinha, não foi capaz, tendo como única hipótese de sobrevivência, a mendigagem. Resiste ainda hoje com as esmolas dos turistas, os quais, diga-se de passagem, só lhe dão dinheiro por pena.
É triste vê-la neste estado, neste meio onde não pertence. Definitivamente não merece o triste fado que a vida lhe reservou. Pode dizer-se que não teve culpa. Como criança que era, cabia aos que tinham a sua tutela mostrar-lhe o caminho, auxiliando-a nos momentos em que mais necessitava. É mais triste ainda ver que não está a conseguir encarar a situação de uma maneira positiva. É compreensível. É muito difícil conseguir suportar uma situação onde não existe dignidade. Psicologicamente, está muito abatida e fisicamente não está saudável. Longe vãos os tempos em que mal ou bem, lá ia conseguindo levantar a cabeça. Está sem dinheiro e as roupas estão velhas – aquelas mesmas roupas que não gostava de vestir. Se passar por ela, ajude-a. Senão, dê-lhe pelo menos um pouco de atenção para evitar que o destino se torne ainda mais negro...
Miguel Godinho
Publicado no "Jornal do Algarve" em 02.03.2006
Esta mão que se fechou
Mão plena de dor
Abrigo de sensações distantes
Cores escravas de um passado violento
Cheiros que ontem estavam vivos e que o tempo abafou
Esta mão que se fechou.
Mão febril e angustiada
Aturdida e insensível, calejada por essa dor
Essa mancha que não sai
Qual cor que desbotou.
Miguel Godinho
Mão plena de dor
Abrigo de sensações distantes
Cores escravas de um passado violento
Cheiros que ontem estavam vivos e que o tempo abafou
Esta mão que se fechou.
Mão febril e angustiada
Aturdida e insensível, calejada por essa dor
Essa mancha que não sai
Qual cor que desbotou.
Miguel Godinho
segunda-feira, fevereiro 13, 2006
As praias que se vão
As cores deste progresso
Por cá são mais esquivas.
Marés politizadas por vontades egoístas
Que gritam morte aos desabonados
Condenam à extinção os desterrados.
Suplicam os barcos mortos na Ria
Por um último banho de mar
Recusam o destino imposto
De uma faina que não mais é.
Permitem-se crescer os corrompidos
Fazem-se cair os indefensáveis
Convertem-se as esperanças em derrotas
Adivinha-se o dia que se tornou noite.
As praias que se vão...
Miguel Godinho
As cores deste progresso
Por cá são mais esquivas.
Marés politizadas por vontades egoístas
Que gritam morte aos desabonados
Condenam à extinção os desterrados.
Suplicam os barcos mortos na Ria
Por um último banho de mar
Recusam o destino imposto
De uma faina que não mais é.
Permitem-se crescer os corrompidos
Fazem-se cair os indefensáveis
Convertem-se as esperanças em derrotas
Adivinha-se o dia que se tornou noite.
As praias que se vão...
Miguel Godinho
Vontade de
Revela-se diante de mim um desejo
Suaves fogachos de cinza e dor...
Inverte-se a mera impressão do não querer
Troca-se pela áspera insatisfação do não ter.
Desejo revelado de forma insana
Vontade de tudo sem balizas
Quero que me não digas não - sinto vontade de o fazer
Penetro na loucura do ter que ter
Faço porque tem de ser.
Miguel Godinho
Revela-se diante de mim um desejo
Suaves fogachos de cinza e dor...
Inverte-se a mera impressão do não querer
Troca-se pela áspera insatisfação do não ter.
Desejo revelado de forma insana
Vontade de tudo sem balizas
Quero que me não digas não - sinto vontade de o fazer
Penetro na loucura do ter que ter
Faço porque tem de ser.
Miguel Godinho
quarta-feira, fevereiro 08, 2006
Está tudo bem? Vai-se andando...
Outro dia tive uma conversa telefónica com um amigo do Norte (de Lisboa, convenhamos...) e, tal como é hábito (sem nos apercebermos disso) quando ele me perguntou se estava tudo bem, respondi: vai-se andando... Este facto fez-me pensar numa questão no mínimo curiosa, quando cruzada com algumas coisas que ultimamente tenho andado a ler e que, por isso, me têm despertado a atenção para certos assuntos. Enquadremos a situação:
A Rua de Portugal, em Faro, Lagos, Loulé (entre outras cidades) tem este nome já que seria através desta que os algarvios iam a Portugal. Reflectindo sobre este facto, vem-me à memória um Algarve de outros tempos (que só conheci por livro), dotado de um sistema de impostos particular (senão inexistente pelo menos ineficaz, contornado quase sempre pela lei do contrabando), enquadrado num país onde os Reis se apelidaram até aos século XVIII de Reis de Portugal e dos Algarves. O Algarve era então uma região distinta, apartada de Portugal, quase um país diferente anexado a Portugal, se quisermos... O que mudou com o passar dos tempos?
Esse tal amigo que atrás referi dizia-me pelo telefone – na próxima semana vou ao Algarve! – mesmo sabendo que vinha a Faro e que por aqui iria ficar. Afirmava-me, como sempre faz, à semelhança do que dizem aqueles que não são algarvios, que vinha ao Algarve, como se se deslocasse para o estrangeiro, referindo-se ao Algarve como um todo, tal como fazemos quando afirmamos ir a um país estrangeiro. A única região, sem ser o Algarve, em que se passa uma coisa do género é o Alentejo, não sucedendo no entanto, exactamente a mesma coisa. Referimo-nos sempre ao Algarve como um todo, como um país.
É interessante verificar-se que até há bem pouco tempo atrás, era costume os Algarvios dizerem que íam a Portugal quando se deslocavam acima da serra do Caldeirão. No sentido inverso, os serrenhos algarvios, quando desciam o Caldeirão, diziam que vinham ao Algarve. Como se o Algarve se compusesse somente por barrocal e praia e fosse entendido como inserido numa outra realidade.
Será que herdámos alguma coisa desse sentimento de desanexação em relação ao restante território?
O turismo veio reforçar esses dizeres e esse sentimento de divisão para com Portugal, transformando a região numa espécie de destino de férias (e não mais que isso), reforçando a ideia de ser esta uma outra região, um outro país para onde se vai quando se quer sair da rotina laboral.
A região serve agora unicamente para se passar férias. Quem visita vem para férias e quem aqui habita vive em função das férias dos outros. Não se produz, não há indústria (senão a do Turismo), há um vazio entre os períodos de verão. Espera-se simplesmente pela estação quente. Conheço muitos que aguardam calmamente (no conforto do fundo de desemprego) pelos seis meses de calor. Por cá há sempre tempo e não é necessário ter os bolsos muito cheios porque também pesam. Não existem modelos formais de vida, nem nos rendemos à necessidade efectiva de rendimento regular. Não se tem nem se faz, vai-se tendo e vai-se (calmamente) fazendo... É engraçada a maneira como o gerúndio é tantas vezes empregue nesta região. Será só influência do castelhano ou realmente a vida é entendida como um contínuum onde nada de verdadeiramente importante acontece? Entenda-se como se quiser mas se amanhã lhe perguntarem se está tudo bem, e você responder vai-se andando..., pelo menos pense porquê que está a usar essa expressão...
Miguel Godinho
Outro dia tive uma conversa telefónica com um amigo do Norte (de Lisboa, convenhamos...) e, tal como é hábito (sem nos apercebermos disso) quando ele me perguntou se estava tudo bem, respondi: vai-se andando... Este facto fez-me pensar numa questão no mínimo curiosa, quando cruzada com algumas coisas que ultimamente tenho andado a ler e que, por isso, me têm despertado a atenção para certos assuntos. Enquadremos a situação:
A Rua de Portugal, em Faro, Lagos, Loulé (entre outras cidades) tem este nome já que seria através desta que os algarvios iam a Portugal. Reflectindo sobre este facto, vem-me à memória um Algarve de outros tempos (que só conheci por livro), dotado de um sistema de impostos particular (senão inexistente pelo menos ineficaz, contornado quase sempre pela lei do contrabando), enquadrado num país onde os Reis se apelidaram até aos século XVIII de Reis de Portugal e dos Algarves. O Algarve era então uma região distinta, apartada de Portugal, quase um país diferente anexado a Portugal, se quisermos... O que mudou com o passar dos tempos?
Esse tal amigo que atrás referi dizia-me pelo telefone – na próxima semana vou ao Algarve! – mesmo sabendo que vinha a Faro e que por aqui iria ficar. Afirmava-me, como sempre faz, à semelhança do que dizem aqueles que não são algarvios, que vinha ao Algarve, como se se deslocasse para o estrangeiro, referindo-se ao Algarve como um todo, tal como fazemos quando afirmamos ir a um país estrangeiro. A única região, sem ser o Algarve, em que se passa uma coisa do género é o Alentejo, não sucedendo no entanto, exactamente a mesma coisa. Referimo-nos sempre ao Algarve como um todo, como um país.
É interessante verificar-se que até há bem pouco tempo atrás, era costume os Algarvios dizerem que íam a Portugal quando se deslocavam acima da serra do Caldeirão. No sentido inverso, os serrenhos algarvios, quando desciam o Caldeirão, diziam que vinham ao Algarve. Como se o Algarve se compusesse somente por barrocal e praia e fosse entendido como inserido numa outra realidade.
Será que herdámos alguma coisa desse sentimento de desanexação em relação ao restante território?
O turismo veio reforçar esses dizeres e esse sentimento de divisão para com Portugal, transformando a região numa espécie de destino de férias (e não mais que isso), reforçando a ideia de ser esta uma outra região, um outro país para onde se vai quando se quer sair da rotina laboral.
A região serve agora unicamente para se passar férias. Quem visita vem para férias e quem aqui habita vive em função das férias dos outros. Não se produz, não há indústria (senão a do Turismo), há um vazio entre os períodos de verão. Espera-se simplesmente pela estação quente. Conheço muitos que aguardam calmamente (no conforto do fundo de desemprego) pelos seis meses de calor. Por cá há sempre tempo e não é necessário ter os bolsos muito cheios porque também pesam. Não existem modelos formais de vida, nem nos rendemos à necessidade efectiva de rendimento regular. Não se tem nem se faz, vai-se tendo e vai-se (calmamente) fazendo... É engraçada a maneira como o gerúndio é tantas vezes empregue nesta região. Será só influência do castelhano ou realmente a vida é entendida como um contínuum onde nada de verdadeiramente importante acontece? Entenda-se como se quiser mas se amanhã lhe perguntarem se está tudo bem, e você responder vai-se andando..., pelo menos pense porquê que está a usar essa expressão...
Miguel Godinho
quarta-feira, fevereiro 01, 2006
Subscrever:
Mensagens (Atom)