Produções tradicionais II – A Tradição não significa cristalização
No último artigo que escrevi (Produções tradicionais – Um Mercado sem potencial? – JA, Nº2546) senti que dei a entender que o meu ponto de vista no que toca à temática das produções tradicionais defende que estas são melhores que as de produção industrial porque não inovam, são imutáveis e valem por isso mesmo. Estaria assim de acordo com uma perspectiva que defende a autenticidade da tradição produtiva devido à cristalização e antiguidade nos procedimentos. Não é de todo isso que defendo. Aquilo que proclamo encaminha-se exclusivamente no sentido de alertar para a carência de revitalização deste tipo de produções enquanto alternativa às produções industriais, a par de todos os outros factores referidos no artigo precedente. Quer um tipo de produção quer outro são necessários. Torna-se obvio que também estas produções de tipo tradicional precisam de inovar, de melhorar na sua tecnologia de produção e/ou qualidade, e, mais importante, na forma de se mostrarem – na sua promoção.
As produções tradicionais resultam de um saber-fazer aliado a um tipo de matéria prima. No entanto, já só esses dois factores não bastam para a sua sobrevivência. Estas têm sofrido bastante porque necessitam de estratégias promocionais adequadas e de investimento ao nível da produção. É aí que entra a necessidade de criação de uma rede que as defenda e apoie e, ao mesmo tempo, que possibilite uma mais fácil circulação pelos postos de venda, na tentativa de facilitar também a chegada ao consumidor.
Já muito pouca gente acha interessante comprar um cesto de verga simplesmente porque este resulta de uma produção de tipo tradicional. As pessoas tornaram-se mais exigentes e esse facto também ajuda na revitalização deste tipo de mercado. Mas também pode deitá-lo a baixo. E é por isso que estas produções necessitam de se renovar, sem que para isso percam o carácter tradicional. Ao nível da produção as técnicas podem bem ser as mesmas que antigamente mas os produtos é que precisam de ser outros, mais apelativos, quer pela inovação na qualidade, quer pela adaptação aos critérios do gosto actual. Falo por exemplo, como já havia referido no artigo anterior, nos produtos de design. Se o tal cesto de verga atrás referido for visualmente apelativo de certeza que muito mais facilmente se vende. As técnicas continuam a ser as mesmas que no antigamente, mas a apresentação do produto é que é diferente.
Pensemos no sal. Para além do sal extraído na região ser de altíssima qualidade (comparativamente com o de produção industrial), se este for correctamente promocionado, com um invólucro apelativo e com uma estratégia de mercado (auxiliada pela multiplicação dos postos de venda de produtos tradicionais, que começam a nascer), obviamente que se venderá muito melhor.
Com tudo isto quero apenas dizer que a tradição não vale pela inalterabilidade mas sim pela adaptação. A tradição já não é o que era...
Miguel Godinho
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