quinta-feira, fevereiro 28, 2008

Podia bem ser a capa de um livro de culinária

quarta-feira, fevereiro 27, 2008

Os nossos dias [2]

Às vezes concluimos
que já chega de brincar com ela
preparamo-nos para vestir as calças e guardá-la
mas há sempre algo que nos distrai

damos por nós e temo-la nas mãos
outra vez

Miguel Godinho

terça-feira, fevereiro 26, 2008

Os nossos dias

A dormência no sofá deitada connosco
e o desinteresse pela sucessão dos dias
pensamos nisso enquanto coçamos os colhões
a sequência temporal é pouco importante
hoje até podia bem ser daqui a um mês

a suspensão cerebral uma benesse
de que importa o abismo ou o céu ou o paraíso
ou a morte ou as coisas ou o que pensam de nós
queríamos apenas um hipnotismo para matar a consciência
das obrigações físicas e morais

e olhar sem perceber e só sentir sentir sentir
e atropelar esses sentires com mais sentires
sem nos apercebermos de nós

Miguel Godinho

segunda-feira, fevereiro 25, 2008

O compartimento

Na neblina da noite denuncias sempre
o compartimento construído na morada da memória
enquanto deixas atascar os olhos na lembrança
de uma adolescência pouco preenchida

os meus olhos idolatram essas paredes ígneas
que também eu edifiquei para me apartar

uma vez sonhei comigo próprio
cercado de pessoas mas sem me verem
e ao abrir os olhos continuava a sonhar
que acordava do sonho e continuava a sonhar

Miguel Godinho

sexta-feira, fevereiro 22, 2008

Um pássaro em chamas

afundar-me-ei de novo
neste mar de alcatrão
num voo abrupto
de um pássaro em chamas

podia permanecer para sempre
nesse limbo de desgraça
atascado até aos ombros
e afogar-me uma e outra vez

Miguel Godinho

sábado, fevereiro 16, 2008

O grito

É este o grito na demência da tarde
a vida num punhal cravado na folha inocente
descrevendo emoções repletas de sonhos perdidos

o silêncio por debaixo das frases atravessadas
de memórias inundadas de esterco
e o olhar perdido ao canto da sala
desenhando a inércia

faz tanto tempo que não consigo
sentir a magia das coisas simples
às vezes parece que alguém que não eu
instituiu uma nova verdade para o olhar
separando-me do que realmente importa

Miguel Godinho

quinta-feira, fevereiro 14, 2008

"The path of the righteous man is beset on all sides by the inequities of the selfish and the tyranny of evil men. Blessed is he who, in the name of charity and good will, shepherds the weak through the valley of darkness. For he is truly his brother's keeper and the finder of lost children. And I will strike down upon thee with great vengeance and furious anger those who attempt to poison and destroy my brothers. And you will know my name is the Lord when I lay my vengeance upon thee."

Ezequiel 25:17

quarta-feira, fevereiro 13, 2008

terça-feira, fevereiro 12, 2008

Tropa de Elite

Um retrato da vida nas favelas.
A estrear em breve em Portugal.

segunda-feira, fevereiro 11, 2008

O vazio

Alienação
desinteresse
indiferença
apatia
torpor
marasmo
inércia
preguiça

tantas palavras para explicar o vazio

Miguel Godinho
Um extenso mar de crude

Entre o real e o que nos oferecem
o intervalo que nos separa de nós mesmos
uma densa camada de lama
besuntada no cérebro

nos dias que correm somos gaivotas
atascadas num extenso mar de crude

Miguel Godinho

domingo, fevereiro 10, 2008

Escrever é tentar saber o que escreveríamos se escrevêssemos.

in O Anjo literário de Eduardo Alfon [o livro será publicado pela Editora Cavalo de Ferro e será lançado no evento Correntes d’Escritas – Póvoa de Varzim, de 13 a 16 de Fevereiro).
Uma pesquisa sobre o “momento da primeira inspiração literária” e sobre porque é que alguém começa a escrever. Uma proposta que, a julgar pelo excerto que li no Público de hoje, me pareceu muito interessante.

segunda-feira, fevereiro 04, 2008

O fruto proibido

Uma ansiedade incontrolável
enquanto não são horas de te aspergir novamente
os lábios enxutos e deixar depois a saliva
escorrer pelo pescoço como se fosse
uma ribeira de luxúria em que me afogo

Imagino-te já desprovida de roupagens
descalça numa concha de um cetim índigo
com os cabelos soltos nos ombros nus
numa provocação premeditada

Já sonho acordado contigo meu amor
prometo-te que esta noite não terá fim
deixemos que os nossos corpos sejam prensados um contra o outro
pela tensão dos céus
e que os remorsos nos incomodem só pela manhã
(quando acordarmos)

Miguel Godinho

domingo, fevereiro 03, 2008

Das diferenças

Na inscrição do tempo ela revelava-se sempre
alguém que não sentia o instante
de uma forma tão violenta quanto eu

depois da escrita do momento
o questionar da conjectura
num ensaio interpretativo

um vago exercício de justificação
irrompia então no seu sossego
e na candura do meu olhar submisso
um vasto corpo de sensações devolvia-nos
a ambivalência da situação

sabes, consigo experimentar a intensidade
de uma maneira muito diferente da tua
(conseguia ler-lhe isso nos olhos)

era como se quisesse mostrar-me
de uma forma fácil de entender
que eu não era aquele

E no entanto, se soubesse dela morta
ainda hoje lhe oferecia
a minha cova

Miguel Godinho