Os pinhais em chamas
Às vezes os silêncios
gritam-nos aos ouvidos;
o desconforto logo às primeiras
horas da manhã;
a reverberação adolescente;
os teus olhos reflectidos
no incêndio das águas de novembro
são seis e vinte e dois de dois mil e dez
mas parece que estes doze anos não foram suficientes
para me convencer que nunca mais
aquilo que quase fomos poderá voltar a ser
a lentidão das tardes em que me escorrias
pelo corpo
e a luz crepuscular
na volúpia indiferente dos teus olhos:
o lirismo dos dezanove
e porque esta noite sinto outra vez
a falta dos palácios que erguíamos
a olhar os pinhais em chamas
estou tentado a deixar que o poema
seja a memória daquilo que por pouco
chegámos a ser
deixa-me jogar palavras de sangue no papel
até que seja possível
sentir-te naufragar de novo em mim
deixa-me inundar a folha
com os segredos que guardámos no escuro
e nunca digas que as florestas são densas demais
para nos encontrarmos
porque de uma coisa me lembro melhor:
do que mais gostávamos
era de nos perdermos
MG 2010
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