sexta-feira, dezembro 26, 2008

Uma vida de sonho

Descrevia as suas façanhas como se só você existisse na plenitude. Uma casa desenhada por si mais parecia uma mansão e a aldeia, uma metrópole. Pintava-se de ouro para que o amassem na grandeza. Como se projectava grande aos seus próprios olhos, que imensidão, a sua miséria. Algo correu mal, Sr. Doutor Todos-os-Santos. Algo correu mal nessa sua corrida desenfreada por um sonho aparentemente com sentido. Algo correu mal, Sr. Doutor Todos-os-Santos, consigo e com a Sra. Doutora Todos-os-Santos. A sua filha agora cheira cocaína como aqueles carrinhos que aspiram as folhas caducas da Avenida da Liberdade nos meses de Outubro. Mas tudo bem. O Sr. Doutor desculpa e fecha os olhos na mesma proporção que abre a carteira. O seu filho estudou no colégio francês. Ainda que desde há muito tenha por hábito ir buscar os miúdos ao Parque Eduardo Sétimo para lhes oferecer uns pares de ténis. Todas as sextas-feiras. O Sr. Doutor desculpa e fecha os olhos na mesma proporção que abre a carteira. A vida não acabou da forma que esperava, Sr. Doutor. Descrevia as suas façanhas como se só você existisse na plenitude mas essa plenitude afinal não era tão plena assim, Sr. Doutor Que-se-fodam-todos-os-Santos. Deixe lá isso. Vale agora essa imagem que, ao longo dos anos, com tanto trabalho construiu. Ainda que ultimamente só pense numa coisa: arranjar uma arma e acabar com tudo.

Miguel Godinho

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