Produções tradicionais – Um mercado sem potencial?
No actual mundo em que vivemos somos constantemente confrontados com a máxima que se rege pela afirmação de que todos os produtos de mercado têm obrigatoriamente de ser “melhores” que os que nasceram anteriormente, tentando sempre “envergonhar” esses que para trás ficam. Afirma-se constantemente que caminhamos num sentido evolutivo, numa tentativa desenfreada de provarmos a nós próprios que a novidade é que interessa e que quem pensa o contrário é porque parou no tempo... Digo isto mas também, como qualquer um, faço parte deste tipo de concepção mental...
Pensando em termos da produção massificada e a industrializada (de tudo, desde as calças ou as camisas que vestimos, passando pelos produtos que colocamos na mesa e por muitos outros que possamos imaginar...) podemos seguir o ponto de vista que defende que por assim se processar, existe uma tendência para a baixa dos custos. Tal afirmação não deixa de ter o seu fundamento, mas também é certo que implica um ponto de vista bastante simplista pelo sentido redutor que transporta. Está mais que visto que no que toca à qualidade, quanto maiores e mais massificadas as produções, maior a tendência para a adulteração da qualidade e para a perda de identidade dos produtos. Mas tudo isto não interessa porque os mesmos se tornam mais baratos... Acabamos assim por poder comprar mais...
É certo que a novidade é essencial e está na base do actual sistema de trocas mas também é evidente que para tal não se devem nunca perder de vista produções que apenas necessitam de estratégias promocionais adequadas. A inovação na oferta não passa exclusivamente por um suposto “progresso” na renovação da tecnologia da produção. Um exemplo claro do que se pretende demonstrar está nas chamadas “produções tradicionais”. A região do Algarve (tal como muitas outras no nosso país com as suas características específicas) apresenta alguns bons exemplos com historial de séculos, nalguns casos milénios. É o caso de produtos como o sal (flor de sal), da azeitona britada, dos queijos e do figo, entre muitos outros, já para não falar da cestaria, da olaria, dos trabalhos em cobre, enfim, do chamado artesanato. Este tipo de produções não podem nem devem (pelo risco de perderem o valor de excelência que transportam) aspirar a produções em larga escala. São produções que, se inseridas em estratégias de produção muito localizadas e correctamente promocionadas, podem adquirir valorizações muito eficazes, fazendo com que a tradição não se perca, podendo até, produzir ao mesmo tempo, uma “ponte” com a modernidade (produtos de “design”), dando valor a localidades que de outra forma não o possuíam e empregando artífices (nalguns casos verdadeiros artistas!) que de outra forma não tinham meios de expressão devido à industrialização exacerbada da produção que não permite a sobrevivência da manufactura pelos altos custos que isso representa.
No entanto, é certo que este tipo de produtos não interessam nem estão acessíveis enquanto prática comum de aquisição, a todas as bolsas. Nas palavras de Oliveira Neves, são produções que se devem efectuar numa “escala de produção economicamente viável e preencher, com eficácia e eficiência, procuras típicas de nichos de mercado”, pelas razões que atrás se referiram. Apresentam uma qualidade muito superior e um “carinho” de produção especial em relação às produções de tipo industrial mas que também (por isso) se tornam mais caros.
Seria interessante pensar numa forma de dinamização deste tipo de produções, por tudo aquilo que se disse – são uma forma de preservação das tradições, de valorização de modos de vida e de territórios, de alternativa aos produtos industrializados, de desenvolvimento de produções de qualidade. São razões mais que suficientes para que se consiga chamar a atenção para a necessidade de desenvolvimento deste tipo de produções. Já começam, é certo, a nascer locais um pouco por toda a região onde é possível adquirir este tipo de produtos, mas é necessário que se desenvolva toda uma rede associada a estes. Há já muito tempo que se fala por exemplo (para a zona do baixo Guadiana) numa marca de excelência que garanta um processo de certificação, aplicável a produtos que sejam produzidos nesta zona. Seria realmente bom começar a efectivar essa ideia...
Miguel Godinho
Licenciado em Património Cultural
segunda-feira, dezembro 26, 2005
segunda-feira, dezembro 05, 2005
A Triste História da Cultura
A Cultura sempre foi uma criança com graves problemas de saúde. Teve dificuldades de crescimento, chamavam-lhe “minorca”. Talvez por isso, desenvolveu fortes problemas emocionais e psicológicos, perdendo o amor pelos amigos e principalmente pelos pais, já que estes estavam constantemente preocupados com outros assuntos e nunca com ela. Sem que se apercebesse bem disso, também eles deixaram de acreditar nela, ao vê-la afastar-se progressivamente, basicamente porque – dizia – não foram capazes de acompanhar os tempos, sendo não raras vezes, bastante conservadores nas suas opiniões e nas atitudes que tinham para com ela.
A Cultura nunca amadureceu verdadeiramente e continuava a usar com os mesmos brinquedos, mesmo partidos, já sem pintura e descolorados pelo tempo. Brincava sozinha, tinha uma grave fobia social. Escolhia frequentemente os mesmos sítios para se esconder, isolando-se nas suas diversões simplesmente porque tinha medo de partir à descoberta doutras. Tinha medo de ser confrontada, ajudada pelo facto dos pais, inúmeras vezes, lhe vestir roupas que ela achava ridículas.
Apesar de já ter tentado por várias vezes afirmar-se entre os outros, parecia manifestar agora uma tendência algo depressiva. Seria talvez resultado do clima de desconfiança e descrédito na vida. Tudo à sua volta parecia estar a desmoronar-se. Já não conhecia a casa, os seus pais decidiram “arranjar” e restaurar (diziam eles!) a moradia, com dinheiro que o Banco lhes emprestou a custo, mas a verdade é que acabaram por desvirtuá-la por completo. A vista que a Cultura tinha dantes para o mar tinha agora sido trocada por um prédio em frente porque os seus pais, a fim de “melhorar” a casa, tiveram também de vender o lote de terreno ao lado já que o dinheiro emprestado não chegava. Decidiram entregá-lo a um casal espanhol que anos antes havia manifestado interesse em adquirir parte da propriedade. A Cultura ficou desolada. Não se sentia mais em casa.
Era demasiado jovem quando assistiu ao divórcio dos pais, perdendo as referências que a ajudavam na sua fraca estabilidade. Não era mais capaz de dar resposta às necessidades sociais de integração. Ficou como que desorientada.
Bem perto da maturidade, quando os pais, já velhos e falidos (resultado de uma vida faustosa que não conseguiram manter), lhe disseram que era já altura de se fazer à vida e se aguentar sozinha, não foi capaz e foi viver para debaixo da ponte. É lá que ainda hoje habita, sobrevivendo com as esmolas dos turistas, os quais, diga-se de passagem, só lhe dão dinheiro por pena.
É triste vê-la neste estado, neste meio onde não pertence. Definitivamente não merece o triste fado que a vida lhe reservou. Quase que se pode dizer que não teve culpa. Como criança que era, cabia aos que tinham a sua tutela mostrar-lhe o caminho, auxiliando-a nos momentos em que mais necessitava. É mais triste ainda ver que não está a conseguir encarar a situação de uma maneira positiva. É compreensível. É muito difícil conseguir suportar uma situação onde não existe dignidade. Psicologicamente, está muito abatida e fisicamente não está saudável. Longe vãos os tempos em que mal ou bem, lá ia conseguindo levantar a cabeça. Está sem dinheiro e as roupas estão velhas – aquelas mesmas roupas que não gostava de vestir. Se passar por ela, ajude-a. Senão, dê-lhe pelo menos um pouco de atenção para evitar que o destino se torne ainda mais negro...
Miguel Godinho
A Cultura sempre foi uma criança com graves problemas de saúde. Teve dificuldades de crescimento, chamavam-lhe “minorca”. Talvez por isso, desenvolveu fortes problemas emocionais e psicológicos, perdendo o amor pelos amigos e principalmente pelos pais, já que estes estavam constantemente preocupados com outros assuntos e nunca com ela. Sem que se apercebesse bem disso, também eles deixaram de acreditar nela, ao vê-la afastar-se progressivamente, basicamente porque – dizia – não foram capazes de acompanhar os tempos, sendo não raras vezes, bastante conservadores nas suas opiniões e nas atitudes que tinham para com ela.
A Cultura nunca amadureceu verdadeiramente e continuava a usar com os mesmos brinquedos, mesmo partidos, já sem pintura e descolorados pelo tempo. Brincava sozinha, tinha uma grave fobia social. Escolhia frequentemente os mesmos sítios para se esconder, isolando-se nas suas diversões simplesmente porque tinha medo de partir à descoberta doutras. Tinha medo de ser confrontada, ajudada pelo facto dos pais, inúmeras vezes, lhe vestir roupas que ela achava ridículas.
Apesar de já ter tentado por várias vezes afirmar-se entre os outros, parecia manifestar agora uma tendência algo depressiva. Seria talvez resultado do clima de desconfiança e descrédito na vida. Tudo à sua volta parecia estar a desmoronar-se. Já não conhecia a casa, os seus pais decidiram “arranjar” e restaurar (diziam eles!) a moradia, com dinheiro que o Banco lhes emprestou a custo, mas a verdade é que acabaram por desvirtuá-la por completo. A vista que a Cultura tinha dantes para o mar tinha agora sido trocada por um prédio em frente porque os seus pais, a fim de “melhorar” a casa, tiveram também de vender o lote de terreno ao lado já que o dinheiro emprestado não chegava. Decidiram entregá-lo a um casal espanhol que anos antes havia manifestado interesse em adquirir parte da propriedade. A Cultura ficou desolada. Não se sentia mais em casa.
Era demasiado jovem quando assistiu ao divórcio dos pais, perdendo as referências que a ajudavam na sua fraca estabilidade. Não era mais capaz de dar resposta às necessidades sociais de integração. Ficou como que desorientada.
Bem perto da maturidade, quando os pais, já velhos e falidos (resultado de uma vida faustosa que não conseguiram manter), lhe disseram que era já altura de se fazer à vida e se aguentar sozinha, não foi capaz e foi viver para debaixo da ponte. É lá que ainda hoje habita, sobrevivendo com as esmolas dos turistas, os quais, diga-se de passagem, só lhe dão dinheiro por pena.
É triste vê-la neste estado, neste meio onde não pertence. Definitivamente não merece o triste fado que a vida lhe reservou. Quase que se pode dizer que não teve culpa. Como criança que era, cabia aos que tinham a sua tutela mostrar-lhe o caminho, auxiliando-a nos momentos em que mais necessitava. É mais triste ainda ver que não está a conseguir encarar a situação de uma maneira positiva. É compreensível. É muito difícil conseguir suportar uma situação onde não existe dignidade. Psicologicamente, está muito abatida e fisicamente não está saudável. Longe vãos os tempos em que mal ou bem, lá ia conseguindo levantar a cabeça. Está sem dinheiro e as roupas estão velhas – aquelas mesmas roupas que não gostava de vestir. Se passar por ela, ajude-a. Senão, dê-lhe pelo menos um pouco de atenção para evitar que o destino se torne ainda mais negro...
Miguel Godinho
O Algarvio
“O Algarvio é um Andaluz. Ao contrário do Alentejano, tudo o interessa, de tudo fala, agita-se em permanência, com uma vivacidade quase infantil. No Algarve não há o silêncio e a impassibilidade: há o movimento constante, o falar, o cantar de uma população como a dos Gregos das ilhas, ora embarcados nos seus navios costeiros, ora ocupados nos seus campos, que são jardins. Se a planície e os longos horizontes das montanhas dão ao espírito a placidez solene, também o arrulhar constante da onda, sobre a qual, debruçado como um eirado, esta o Algarve, põe no pensamento uma agitação permanente, meio tonta mas encantadora”.
(Oliveira Martins, História de Portugal, Lisboa, 1908, I, 42; [I ed.]1879.)
“O Algarvio é um Andaluz. Ao contrário do Alentejano, tudo o interessa, de tudo fala, agita-se em permanência, com uma vivacidade quase infantil. No Algarve não há o silêncio e a impassibilidade: há o movimento constante, o falar, o cantar de uma população como a dos Gregos das ilhas, ora embarcados nos seus navios costeiros, ora ocupados nos seus campos, que são jardins. Se a planície e os longos horizontes das montanhas dão ao espírito a placidez solene, também o arrulhar constante da onda, sobre a qual, debruçado como um eirado, esta o Algarve, põe no pensamento uma agitação permanente, meio tonta mas encantadora”.
(Oliveira Martins, História de Portugal, Lisboa, 1908, I, 42; [I ed.]1879.)
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