já foram claros, os dias, lácteos,
irreflectidos, já houve um tempo em que era fácil compreender a luminosidade
das horas, em que todos os minutos podiam trazer coisas novas. tudo isso
naturalmente terminou: a ideia de que nunca as rotinas haveriam de ter lugar, de
que nada se extinguiria, que o primeiro amor seria para a vida, mas porque é
que o primeiro amor nunca é para a vida, como é que as certezas se tornaram tão
frágeis, como é que a realidade passou a reflectir apenas a ausência, a falta
de qualquer coisa – há sempre qualquer coisa que falta – onde é que anda agora
aquela claridade que em tempos existiu, porque é que agora constantemente
sentimos que já não somos os mesmos (quando nós nunca fomos sempre os mesmos),
que nós já não somos aquela pessoa (se nós nunca fomos sempre aquela pessoa),
como é que o silêncio agora está tão presente, o aflitivo ruído do silêncio, a
insuficiência dos afectos, as frases sempre entre-cortadas, as meias-verdades
que inundam o vazio dos espaços, a incapacidade em gerir as palavras, como é
que se gere as palavras?, a certeza de que tudo tende para um fim, a
consciência de que nada regressa ao mesmo lugar, que o amor é um conceito
propenso ao desastre, que tudo há-de ser efémero, que a vida é uma transição, e
eu sei lá o que é a vida: o que é mesmo a vida?, o que é mesmo a vida que eu
cada vez percebo menos e nunca ninguém me chegou realmente a explicar?
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mg 2013
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