quarta-feira, maio 15, 2013

agora mesmo


agora mesmo pareceu-me ter outra vez metade dos trinta e quase quatro que tenho já em cima e lembrei-me do tempo dos cigarros fumados nos bancos do liceu, daqueles que de barriga vazia batiam na cabeça quando entrávamos para a aula das oito e meia, das tardes em que pela calada assistíamos a filmes obscenos, não dos que agora passam em todos os telejornais da noite mas daqueles que víamos às escondidas e que arrumávamos numa gaveta recôndita, por trás da estante dos livros ou debaixo do colchão com medo que se soubesse que os víamos. agora mesmo bateu-me a saudade dos dias em que as paixões rolavam à velocidade da luz, aquelas que nos cegavam e que dizíamos serem para sempre mas que nunca foram para mais de um mês. agora mesmo fui criança outra vez e, metido neste gabinete recôndito, pus-me a redigir um poema do fundo da algibeira, convicto de que isso seria muito mais valioso e essencial do que o cumprimento de tarefas necessárias nestes projectos fundamentais já que isto da vida só acontece uma vez - cada vez me convenço mais, e da maneira que isto está, mais cedo ou mais tarde vão rolar cabeças, deus queira que sejam as dos que merecem que isto com um filho para criar seria muito mais complicado. agora mesmo, quase que sem aviso – parece que estas coisas surgem assim do nada – apeteceu-me sorver tudo de uma só vez, extinguir todas as coisas más que me reserva esta breve passagem, lamber as memórias antigas para que elas me entrem outra vez na barriga como um gelado, e gritar em alto e bom som a inaudita ideia do cardoso: ah, como é linda a puta da vida
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MG 2013

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