quarta-feira, fevereiro 08, 2006

Está tudo bem? Vai-se andando...

Outro dia tive uma conversa telefónica com um amigo do Norte (de Lisboa, convenhamos...) e, tal como é hábito (sem nos apercebermos disso) quando ele me perguntou se estava tudo bem, respondi: vai-se andando... Este facto fez-me pensar numa questão no mínimo curiosa, quando cruzada com algumas coisas que ultimamente tenho andado a ler e que, por isso, me têm despertado a atenção para certos assuntos. Enquadremos a situação:
A Rua de Portugal, em Faro, Lagos, Loulé (entre outras cidades) tem este nome já que seria através desta que os algarvios iam a Portugal. Reflectindo sobre este facto, vem-me à memória um Algarve de outros tempos (que só conheci por livro), dotado de um sistema de impostos particular (senão inexistente pelo menos ineficaz, contornado quase sempre pela lei do contrabando), enquadrado num país onde os Reis se apelidaram até aos século XVIII de Reis de Portugal e dos Algarves. O Algarve era então uma região distinta, apartada de Portugal, quase um país diferente anexado a Portugal, se quisermos... O que mudou com o passar dos tempos?
Esse tal amigo que atrás referi dizia-me pelo telefone – na próxima semana vou ao Algarve! – mesmo sabendo que vinha a Faro e que por aqui iria ficar. Afirmava-me, como sempre faz, à semelhança do que dizem aqueles que não são algarvios, que vinha ao Algarve, como se se deslocasse para o estrangeiro, referindo-se ao Algarve como um todo, tal como fazemos quando afirmamos ir a um país estrangeiro. A única região, sem ser o Algarve, em que se passa uma coisa do género é o Alentejo, não sucedendo no entanto, exactamente a mesma coisa. Referimo-nos sempre ao Algarve como um todo, como um país.
É interessante verificar-se que até há bem pouco tempo atrás, era costume os Algarvios dizerem que íam a Portugal quando se deslocavam acima da serra do Caldeirão. No sentido inverso, os serrenhos algarvios, quando desciam o Caldeirão, diziam que vinham ao Algarve. Como se o Algarve se compusesse somente por barrocal e praia e fosse entendido como inserido numa outra realidade.
Será que herdámos alguma coisa desse sentimento de desanexação em relação ao restante território?
O turismo veio reforçar esses dizeres e esse sentimento de divisão para com Portugal, transformando a região numa espécie de destino de férias (e não mais que isso), reforçando a ideia de ser esta uma outra região, um outro país para onde se vai quando se quer sair da rotina laboral.
A região serve agora unicamente para se passar férias. Quem visita vem para férias e quem aqui habita vive em função das férias dos outros. Não se produz, não há indústria (senão a do Turismo), há um vazio entre os períodos de verão. Espera-se simplesmente pela estação quente. Conheço muitos que aguardam calmamente (no conforto do fundo de desemprego) pelos seis meses de calor. Por cá há sempre tempo e não é necessário ter os bolsos muito cheios porque também pesam. Não existem modelos formais de vida, nem nos rendemos à necessidade efectiva de rendimento regular. Não se tem nem se faz, vai-se tendo e vai-se (calmamente) fazendo... É engraçada a maneira como o gerúndio é tantas vezes empregue nesta região. Será só influência do castelhano ou realmente a vida é entendida como um contínuum onde nada de verdadeiramente importante acontece? Entenda-se como se quiser mas se amanhã lhe perguntarem se está tudo bem, e você responder vai-se andando..., pelo menos pense porquê que está a usar essa expressão...

Miguel Godinho

2 comentários:

Marco António I. Santos disse...

A questão do vai-se andando e fazendo, já me bateu várias vezes na mente, pensando "mas porque raio temos que dizer sempre isto..." Ora aí está uma leitura bastante interessante do fenómeno. Tenho que concordar contigo que há de facto uma "desanexação", mesmo que seja imaterial, de carácter popular entre o Algarve e o resto do país. O facto de ser um destino de férias em nada favorece isto. Parabéns pelo blog! ; )

Anónimo disse...

Algarvio com muito gosto. Meio malandro, meio sonhador...