segunda-feira, agosto 30, 2010

A metamorfose

É quase como se desconhecessem
o início do mundo,
os primeiros passos,
o pensamento inaugural.
Como se sentissem
que a idade não existe verdadeiramente
e que todos nós nascemos ao acaso
mas subitamente, o clarão:
a ilusão acaba sempre por reclamar o silêncio
da palavra primeira
a fogueira que rasga a noite escura,
que de repente altera os sonhos dos homens
que foram meninos mas que se esqueceram
que meninos foram.
Se só agora se aperceberam
que numa outra coisa se haviam transformado
isso foi só-apenas o rigor dilacerante,
a verdade da vida que veio ao de cima

segunda-feira, agosto 23, 2010

A angústia das segundas

Segundas-feiras levianas,
(sempre a angústia das segundas-feiras)
na continuidade daquele ardor dominical.
Faltam apenas cinco dias para o regresso
aos motins ocasionais de desfecho inconsequente.
Mas, senhores doutores, digníssimos colegas:
as vossas fisionomias patronais provocam-me
um abrasamento incomensurável,
cada vez se agita mais o meu resumido intelecto.
Não fosse a poesia e a verdade
é que seria incapaz de cumprir em exclusivo,
solenemente e de mão ao peito
bem ao jeito seiscentista
as tarefas que tenho esta semana para cumprir.
Entretanto, permitam-me que vos envie
os meus melhores cumprimentos

terça-feira, agosto 03, 2010

A ilha da praia (4)

A verdade enfim desabrigada
nas mãos sombrias que produzem o despacho
como quem dispara um fuzil.
Mas não importa que as trincheiras são as dunas,
a vida renasce sempre indiferente à tormenta
e as pescas agora dão à costa em fardos
em noites de luar oriental

É esta a ilha das tribos celestes
como se desde sempre aqui tivessem vivido.
Aqui a realidade é sem dúvida dinâmica:
ainda que se mudem as redes de sítio de vez
só porque se diz que aqui já não há peixe
as amêijoas nunca morrerão sozinhas ao relento

segunda-feira, agosto 02, 2010

A ilha da praia (3)

Naqueles dias
a maré jogava-nos contra o concreto
empurrando-nos para um poema fácil
os aviões nocturnos pareciam baleias celestes
e o silêncio deixava-nos à deriva.
Nas garrafas de sagres que davam à costa
nunca descobri uma mensagem de alguém que se perdera
mas descobri-me a mim
e nunca era tarde, havia sempre tempo para ver
quem tombava primeiro
hoje já não há lodo como havia
e cada vez é mais difícil estender a toalha

domingo, agosto 01, 2010

A ilha da praia (2)

Era assim a lua, de prata, na ria
num vórtice que ainda me preenche o olhar.
O verão de Agosto tinha menos automóveis
e às vezes parece que era a primeira maré de Julho
que trazia os mexilhões migratórios
mas a verdade é que gostávamos muito
de pôr creme nas costas das camones